História, histórias e curiosidades
Do calendário camacheiro destacaram-se, desde tempos de que não ficou memória, duas datas em que a junção do religioso com o profano se traduziram em dias maiores para a freguesia: a Festa do Espírito Santo, a oscilar entre o final de Maio e o início de Junho e a Festa do Santíssimo Sacramento, no final do mês de Agosto. Tanto uma como outra atraiam inúmeros forasteiros e são recorrentes as notas que a imprensa regional apontava, ao longo dos anos, sobre esse prisma. Ocasionalmente as notícias foram um pouco mais longe dando-nos conta de alguns aspectos mais peculiares da forma como a população local vivia o evento. É um desses testemunhos que se transcreve abaixo, relativo à Festa do Espírito Santo no ano de 1946: “Promete revestir-se de excecional brilhantismo a Festa do Espírito Santo na Camacha, que se realiza este ano nos próximos dias 9, 10 e 11 de Junho. O povo daquela localidade— animado pelo seu incansável vigário, o reverendo padre Medeiros, acha-se possuído de um invulgar entusiasmo, para que aquela tradicional festa atinja o maior esplendor. Nos vários sítios estão a organizar-se romagens registando-se já valiosas oferendas em gado, produtos da terra, artefactos, vestuário, etc. que no domingo 9 formarão um grande cortejo que deverá chegar ao campo da Achada pelas 11 horas da manhã. Essas ofertas serão depois recolhidas em numerosas barracas, representativas dos respectivos sítios, armadas naquele vasto recinto, afim de serem leiloadas, umas, sorteadas outras, e cujo produto se destina a favor da igreja. Nesse mesmo dia, à tarde, será organizado um outro cortejo com as oferendas, pão, doces, géneros alimentícios, etc.— que constituirão o bodo dos pobres. Nos dias 9 e 10 tocarão duas bandas de música, havendo profusas iluminações, devendo ser queimado muito fogo de estrondo. Tosos os esforços se conjugam para que aquelas populares festas atinjam o máximo do brilhantismo, em tudo digno da fama que gosam em toda a ilha. As cerimónias religiosas também se revestirão de excecional pompa, apresentando-se a igreja ricamente decorada com flores e lumes.”[i] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias
Mais sobre esta festa neste bloque em Segunda feira da Camacha e Imperador e Mordomos
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Por motivos que não foi possível apurar, uma onda de associativismo percorreu a Camacha em 1904. Já antes aqui se falou da Sociedade Santa Isabel que surgiu no Rochão em Novembro de 1904. Antes de isso, no mês de Agosto e com sedes no extremo oeste e centro da freguesia, tinham surgido duas outras sociedades dentro do mesmo espírito e objectivos. O facto de no mesmo ano, nesta pequena localidade, terem surgido três associações comerciais com o objectivo principal de abrirem uma mercearia para fornecimento dos seus sócios, ultrapassa o mero apontamento intrigante e curioso, dado que das suas escrituras consegue-se extrair um apanhado das principais actividades da freguesia no início do século vinte. Com sede no sítio do Ribeiro Fernando, junto ao Ribeiro do Pinheirinho, na casa de João Rodrigues de Sousa nasceu a Sociedade de S. João. Apesar de situada no extremo da freguesia os seus sócios fundadores vieram de quase todos os sítios da freguesia: Semião de Nóbrega, Manuel de Andrade, Manuel de Jesus, Manuel de Gois, José de Gois Júnior, José de Gois, João de Gois, António de Nóbrega, José de Rodrigues, todos lavradores do sítio da Ribeirinha; Manuel Teixeira, António de Ornelas, João de Quintal, Francisco de Freitas, Manuel de Andrade, António de Freitas, João de Ornelas, lavradores; Manuel de Quintal, sapateiro, todos do sítio da Nogueira; José Correia, João Correia, José Pedro Gonçalves, Manuel de Gouveia, lavradores dos Casais d’ Além; Manuel de Freitas, Manuel Teixeira, lavradores da Achadinha; Manuel de Freitas, José Paulo Teixeira, António Rodrigues, António Teixeira Júnior, lavradores do Vale Paraíso; João Rodrigues de Sousa, guarda de levada, João Fernandes, Manuel Fernandes, lavradores do Ribeiro Fernando; Pedro de Andrade do Rochão. A este grupo de trinta e um camacheiros juntaram-se ainda dois indivíduos do Caniço, faltando ainda sete sócios para perfazer o objectivo da sociedade que era alcançar os quarenta sócios com quotas de doze mil reais, para perfazer um total de quatrocentos e oitenta mil reis de capital social. A gestão da sociedade funcionaria com base em mandatos de três meses dos eleitos por dois terços dos sócios. A primeira direcção foi assumida por: Manuel de Quintal, presidente; António Teixeira Júnior, secretário; Manuel de Andrade, tesoureiro; Manuel de Goes, João Fernandes, Manuel Fernandes, Vogais e João de Ornelas seria o Vendeiro. No centro da freguesia, no sítio da Igreja, na mesma data nasceu outra sociedade congénere cujos sócios fundadores foram: João Barreto Sénior, João Martins, Francisco Martins, João de Andrade Sénior, José Januário Gonçalves, José Martins, Manuel de Nóbrega, José de Andrade, João Teixeira, industriais (de obra de vimes?)[i], Manuel Teixeira Júnior, proprietário e João de Freitas, oficial de obra de vimes, todos do sítio da Igreja. José Ferreira Júnior, Júlio Fernandes Teixeira e António Pereira Júnior, industriais da Achadinha. Manuel Teixeira Feijão, industrial, José João de Freitas, proprietário e Jesuíno de Miranda, cozinheiro, todos dos Casais d’Além. Manuel dos Santos, proprietário dos Salgados. A data da sua constituição aparenta ter sido um pouco forçada, dado que aquando da escritura de constituição não estava ainda definido um nome para a sociedade nem local exacto para o seu funcionamento. O seu capital seria de trezentos e oitenta mil reis, sendo que cada sócio entraria com a quantia que pudesse. Assim como a outra sociedade os mandatos seriam de três meses sendo que a primeira direcção foi assumida por: José Ferreira Júnior, presidente; Manuel Teixeira Júnior, Secretário; João Barreto Sénior, tesoureiro e Manuel Teixeira Feijão, José de Andrade, José Teixeira Júnior, vogais. Qual a durabilidade e eficácia destas sociedades e o seu impacto na freguesia são dados que, infelizmente, até o momento não se encontraram quaisquer fontes de informação. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] A escritura apenas refere Industriais
Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Notariais, Cartório Notarial: Santa Cruz Desde há muito que os nossos emigram e a comunidade, embrenhada no decorrer do seu dia a dia, rapidamente os deslembra. Quem são ou foram, quando partiram, qual o seu destino, as suas lutas e conquistas, são informações que, no geral, vão ficando registadas apenas nos seus núcleos familiares. Esporadicamente essa informação chega à comunidade e quis a mera casualidade que me deparasse com o projecto Lighting the Way: Historic Women of SouthCoast, do New Bedford Whaling Museum[i]. Trata-se de um projecto que pesquisa o impacto histórico das mulheres na comunidade, da região da costa sul de Massachusetts, nos Estados Unidos. Foi lá que encontrei a história de Josefina Teixeira, a qual merece ser aqui partilhada. Josefina Baptista Teixeira nasceu a 24 de Novembro de 1911 no Ribeiro Serrão, filha de António Baptista, do Ribeiro Serrão e Genoveva Neves, do sítio da Igreja. Foi a mais nova de sete irmãos, cinco rapazes e uma rapariga. O seu pai era carpinteiro e foi um dos trabalhadores que construiu a casa de Alfredo Ferreira de Nóbrega, no início do século vinte. Em 1920 o pai e o irmão mais velho, José, emigraram para os Estados Unidos. No ano seguinte Josefina, a mãe e os restantes irmãos seguiram o mesmo rumo. Josefina foi a única da família que frequentou a escola em New Bedford. A nova língua não constituiu obstáculo tendo chegado, com bons resultados, até o sexto ano, quando teve de deixar a escola para ajudar a família, trabalhando no negócio familiar Liberty Super Market. Casou-se com José Teixeira em 11 de Fevereiro de 1935, na Igreja Nossa Senhora do Monte Carmelo, em New Bedford. Teve dois filhos, William e Lawrence e enquanto criava os filhos pequenos em casa, aprendeu a arte tradicional de cortar silhuetas à mão. Nessa época frequentou a Swain School of Design para aperfeiçoar a sua arte. Quando regressou ao mercado de trabalho foi balconista em diversas lojas, utilizando os colegas e clientes como fonte de inspiração para as suas pequenas obras. Tornou-se conhecida por fazer as silhuetas em recortes de papel ou feltro, tendo o seu trabalho sido exibido em exposições de arte em New Bedford. Faleceu em 18 de Dezembro de 2008. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Lighting the Way, Historic Women of the SouthCoast (historicwomensouthcoast.org)
A construção civil de infra-estruturas públicas é uma actividade essencial para o desenvolvimento económico de qualquer região e todos temos a noção que essas obras, de que beneficiamos, infelizmente, são acompanhadas por acidentes de trabalho, muitas vezes fatais. Da história da Camacha também fazem parte essas ocorrências que aumentam o custo humano e enodoam o benefício advindo das obras públicas na localidade. Até ao final do século vinte a obra pública de maior impacto no desenvolvimento da Camacha foi a estrada de ligação entre a Camacha e o Funchal, iniciada a meados da década de vinte e inaugurada 1936 ( vide A-inauguracao). A imprensa da altura deixou-nos diversos testemunhos de alguns reveses a ela associada. No dia sete de Maio de 1926, José de Vasconcelos e Manuel Ferreira, ambos do Ribeiro Serrão, enquanto partiam pedra para a nova estrada na zona do Vale Paraíso, ficaram ambos feridos com alguma gravidade, devido à «broca» ter explodido no momento em que a introduziam na pedra. José de Vasconcelos ficou com uma mão esfacelada e o olho esquerdo ferido e Manuel Ferreira com diversas feridas nos braços. Foram levados para o Hospital Civil onde ficaram internados. De maior gravidade foi o acidente que vitimou José de Nóbrega Lacharte, morador no Vale Paraíso, em treze de Setembro do mesmo ano. Na sequência de um desmoronamento de um barranco, aquando procurava pedra para a estrada, conjuntamente com outros indivíduos, ficou soterrado ao fugir por ter tropeçado num carro de mão. Foi levado em rede para o Hospital Civil no Funchal onde lhe foi amputado o pé direito. Pai de cinco filhos deve, eventualmente, ter recebido algum amparo financeiro uma vez que se encontrava segurado pela companhia «A Mutualidade». Passado mais de um ano, em dezasseis de Novembro de 1927 ocorreu outro grave incidente, desta feita fatal para o trabalhador. João de Agrela, de quarenta e cinco anos, morador no Palheiro Ferreiro, na parte de S. Gonçalo, foi atingido por um carvalho que caiu quando cavava em seu redor, para preparar o derrube da árvore que ficava no trajecto da nova estrada. Foi socorrido pelos colegas que o transportaram, em rede, para o hospital, não sem antes passar, a seu pedido, por sua casa onde pôde se despedir de sua mulher e filhos. Chegou já cadáver ao hospital tendo sido imediatamente transferido para o necrotério do cemitério das Angústias. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) ABM- Colecção de Jornais
Vinte e cinco anos separam as datas da chegada do primeiro automóvel à Madeira e a data de registo do primeiro automóvel camacheiro. Apesar da proximidade geográfica ao Funchal e de certa abertura das mentes, graças ao contacto com os estrangeiros que desde a segunda década do século dezanove tinham adoptado a Camacha como sua estância favorita e pelos inícios do século vinte ainda aqui se hospedavam por largos períodos, esta revolução dos meios de transporte tardou a chegar à freguesia, sobretudo devido à falta de estradas adequadas (vide Viacao acelerada e A-inauguracao )
A primeira viatura camacheira chegou pelas mãos de Frederico Rodrigues, um proprietário empreendedor que contribuiu significativamente para o desenvolvimento da localidade (vide Central-electrica-da-camacha e O-hotel-do-sr-frederico). Frederico Rodrigues nasceu na Achadinha, Camacha em dois de Outubro de 1877, filho de José Rodrigues, oficial de obra de vimes e de Alvina Júlia Escórcio e foi baptizado na igreja local tendo por padrinhos João de Andrade, oficial de obra de vimes e Mary Evelin Reynold, criada de servir em casas estrangeiras. Na mesma igreja casou com Amélia Augusta de Miranda, também natural da Camacha, em 1899. Assim como outros proprietários camacheiros Frederico Rodrigues residia no Funchal, onde geria os seus negócios. Em quinze de Maio de 1928 registou na Direcção dos Serviços Industriais, Eléctricos e de Viação da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, um automóvel ligeiro da marca De Lion Bouton[i], referindo apenas a morada funchalense. O registo com morada na Camacha surge só em 1929 através da licença atribuída pela Câmara Municipal de Santa Cruz conjuntamente com a licença à Empresa Camachense de Automóveis e, atendendo a que não há registo outra viatura, pode se presumir que seria o mesmo automóvel nº 740. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Marca de carros francesa que existiu entre 1883 e 1953 ABM - Direcção dos Serviços Industriais, Eléctricos e de Viação da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal Os primeiros jornais surgiram na Madeira, na década de vinte do século dezanove e, felizmente, ao longo da sua existência foram deixando registados pequenos apontamentos que se tornam valiosos na construção da nossa história. José Marciano da Silveira, proprietário do jornal a Voz do Povo, nascido na Camacha; Luís de Ornelas Pinto Coelho, redactor do Diário de Notícias, aquando passava férias na Camacha; Manuel de Jesus d’ Antas de Almeida, professor de ensino primário, deixaram-nos, se bem que com alguma subjectividade, preciosos testemunhos da Camacha da segunda metade do século dezanove. A entrar no século vinte, vão surgindo esporadicamente outros relatos nos diferentes jornais e embora assinados apenas por «correspondente», constituem também fontes de informação relevante. É o caso do texto apresentado abaixo, junção de dois artigos “O Diário da Madeira na Camacha” durante o mês de Abril de 1920 que relatam, de forma mordaz, diferentes aspectos de uma Camacha a viver na ressaca da primeira grande guerra: “Tempo esplendido! O sol continua a aquecer os campos! Os prados e os vales produziram mimosas e aromáticas flores! Bandos de passarinhos entoam trinados de alegria! a monotonia que invadia o solo transformou-se em primores, em alegria, como que a convidar os admiradores da bela paisagem, a uma agradável digressão por estes pitorescos lados, a gosarem as delícias que a natureza nos oferece. Pena é, que aos touristes não se lhes depare aquela frondosa arborização que, outrora, nos suavisava com a sua abençoada sombra, preservando-nos do calor torrificante e que, presentemente, surge triste e despida dos atrativos que lhe eram tão peculiares, devido à tarefa destruidora a que o implacável machado se tem dedicado derrubando tudo sem dó nem piedade, daqueles que, tendo só em mira a ganancia, não plantam novas arvores para substituição das derrubadas, nem fazem a mais pequena ideia da influencia que a arvore exerce na suavização dos climas, na distribuição das águas, na produção das riquezas naturais, na higiene das populações, na estética da paisagem e na educação do sentimento…” “A estrada e caminhos desta freguesia são intransitáveis e apenas no inverno «navegáveis», devido ao abandono a que tem sido lançada esta pitoresca freguesia, uma filha engeitada do concelho de Santa Cruz… e nós, pobres camachenses vamos caminhando aos encontrões ou servindo-nos de «tanks» para nos dirigirmos as nossas casas…” “A falta de géneros de primeira necessidade continua a sentir-se e duma forma assustadora nas mercearias desta localidade, valendo-se os seus habitantes, para não morrerem de fome, do intragável milho que, como é do domínio publico, foi até julgado improprio para alimentação dos animais. Açucar, isto é coisa que por cá não aparece desde há muito tempo apesar de já ter sido distribuído o que foi desembarcado ultimamente, vindo de Africa… Para completar este triste quadro de fome, consta que também não é permitido o fornecimento de massa…” “Nesta localidade, actualmente, duas padarias que, segundo o parecer de muita gente melhor seria que não existissem, pelos seguintes motivos: Numa, se o pão é regularmente manipulado, falta-lhe o pêso regulamentar; noutra, se tem o pêso, é pessimamente manipulado com a sua partesinha de milho, de sóda… Agora só faltava a crise do tabaco! Querendo-se fumar um cigarro não se encontra à venda, não porque ele não seja fornecido pelo respectivo deposito, pois, vem até aos sacos, mas sim devido à ganancia cada vez mais devoradora dos nossos mercieiros…” “O ubérrimo torrão, a mãe querida que nos dá o sustento, jaz abandonado sem um braço amigo e protector que o amanhe regando com o seu suor o sulco profundo que é o único recurso a que podemos lançar mão para atenuar a fome… Mas não; largam-se as enxadas a enferrujar nos «pugulhais» como instrumentos indignos… e amarrando-se todos os poucos homens validos que nos restaram, ao mister da obra de vêrga, que é paga por preço excessivo devido à gananciosa exportação de vimes, e os que são ambiciosos, emigram em bandos para a America e Brasil, em busca de uma fortuna, suficiente para descansadamente admirarem o aspecto tragico e de desolação que, daqui a poucos ânos se lhes deparará a terra que lhes foi berço…” Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais
Não terão sido os primeiros camacheiros a procurar outra vida fora da Madeira, todavia são aqueles que os registos de passaporte guardam memória. Entre 1870 e 1879 foram oito a requerer passaporte: um para Canárias, dois para Demerara, quatro para o Havai e um para Inglaterra. Na década seguinte, entre 1880 e 1889, o número de requerimentos aumentou para quarenta e quatro, sendo a maior fatia com destino ao Havai, vinte e seis. Os restantes distribuíram-se por Argentina, um; Brasil, três; Canárias, cinco; Demerara, cinco; Europa, um; Estados Unidos, um e dois cujo documento não indica o destino. A fechar o século foram quarenta e uma solicitações. O Brasil foi o destino mais procurado, dezasseis. Os restantes distribuíram-se por Africa do Sul, sete; Argentina, um; Antígua, um; Canárias, quatro; Demerara, dois; Europa, um; Havai, um; S. Cristóvão e Nevis, um; Trindade e Tobago, um; Estados Unidos, seis e ainda dois cujos passaportes que não identificam destino. De salientar que estes números não reflectem a totalidade de pessoas que na época daqui saíram à procura de uma vida melhor. O requerente do passaporte podia levar outras pessoas em sua companhia e no grupo dos camacheiros havaianos, por exemplo, aos trinta e um requerentes juntaram-se, na maioria dos casos, cônjuge e filhos, somando mais do triplo, num total de noventa e quatro pessoas. O Havai não terá sido caso único, contudo foi o mais expressivo, atendendo essencialmente a dois factores: a abertura das entidades oficiais havaianas, que encorajavam essa prática, e a viagem de cerca de trinta mil quilómetros que descia o Atlântico, dobrava o temível cabo Horn e subia o Pacifico até chegar ao seu destino. Eram à volta de quatro meses, em condições de navegação, acomodação, saúde e salubridade muito difíceis que desencorajariam meras viagens exploratórias, empenhando desde logo toda a família no processo de mudança de vida. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) ABM - Governo Civil do Funchal - Registos de Passaportes
Quando, como e porquê são questões que levantamos frequentemente, a propósito de tradições há muito estabelecidas. Das visitas pascais sabemos que se realizam há muito tempo, mas quando se iniciaram na Camacha, o porquê da sequência dos sítios, como terão evoluído ao longo dos tempos, são quesitos de difícil esclarecimento, devido à falta de testemunhos. Sabe-se que por meados do século dezanove (vide Segunda Feira da Camacha) era celebrada a Festa do Espírito Santo num modelo que, basicamente, sobreviveu até os nossos dias e podemos facilmente conjecturar que por essa data as visitas pascais já se realizavam nos moldes que temos por tradicionais. No início do século vinte, através de uma publicação dos horários da Semana Santa, no Diário de Notícias em Abril de 1927, constatamos que, assim como hoje, o sítio dos Salgados era o primeiro a receber as visitas Pascais: “No domingo de Páscoa haverá missa solene com sermão ao Evangelho pelo mesmo Rev. Em seguida à festa haverá a respectiva procissão, saindo depois as insígnias do Espírito Santo que percorrerão os sítios dos Salgados e do Ribeirinho[i].” Sendo que uma das particularidades, que diferenciavam as visitas Pascais na Camacha, era a Segunda-feira da Ribeirinha, no dia seguinte ao Domingo de Páscoa, um costume que perdurou até o início da segunda década deste século, presume-se que, eventualmente, terá surgido mais tarde, uma vez que aqui é referenciado como sendo no domingo, no entanto até o momento não foi possível apurar exactamente quando se terá dado essa alteração. Mais pormenorizada é a descrição de Filipe Mota, no Diário de Notícias em Junho de 1973, num pequeno artigo a propósito da Festa do Espírito “Esta festa marca o fim das visitas pascais, do ano em curso, visitas estas que constituem uma longa tradição religiosa e também com certos aspectos de diversão e atracção populares. Claro que o folclore do tempo dos nossos avós, introduzido nestas visitas pascais, ou acorridas do Espírito Santo, há muito acabou. Tende-se agora a tornar estas visitas, uma expressão de amizade e união, da qual devem comungar as pessoas da freguesia. Aliás, enraiza-se o costume das pessoas se visitarem umas às outras, para tomar parte num beberete ou então para ver as novas obras feitas em casa e até para conversar um pouco, cada qual sobre os assuntos que lhes interessam mais! Assim vemos grupos de adultos e jovens encaminharem-se para os sítios onde as insígnias do Espírito Santo estão a visitar, e os encontros das várias pessoas possibilitam uma maior aproximação e elevação social” Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] No original lê-se “Ribeirinho”, um lapso do DN, sendo Ribeirinha o correcto
Ao longo de 1928 uma onda solidária percorreu as principais freguesias da ilha concretizando-se na realização de um evento, em cada uma delas, denominado de Festa da Flor. O conceito fora criado em 1917, em Lisboa, por proposta da escritora Genoveva da Lima Mayer Ulrich à associação Cruzada das Mulheres Portuguesas e destinou-se a apoiar as vítimas da 1ª Grande Guerra. Consistiu na venda de pequenas flores artificiais, para colocar na lapela, realizada nas ruas de Lisboa pelas senhoras casadas e jovens raparigas, das classes sociais mais altas. Posteriormente foi adoptado pela Cruz Vermelha Portuguesa. Na Madeira, em 1928 o produto da venda foi dividido entre a Cruz Vermelha e outras “instituições de caridade”, nomeadamente o Orfanato do Santo da Serra, Colégio de Preservação de Câmara de Lobos e ainda os pobres da Camacha. À boleia da festa do Santíssimo Sacramento, a Festa da Flôr na Camacha aconteceu no dia vinte e seis de Agosto. Nesse Verão a Camacha revivia os bons tempos antigos, com muitas famílias a virem gozar a sua frescura, fugindo do calor opressivo do Funchal. Já não eram os ingleses que ao longo da segunda metade do século anterior aqui veraneavam, mas sim famílias funchalenses, de classe média alta que vinham se instalar no Hotel da Camacha, inaugurado em Agosto do ano anterior. Foi criada uma comissão da qual foi destacado colaborador o padre João Augusto Faria que em troca do seu apoio negociou parte do proveito em favor dos velhinhos pobres da freguesia. Seguindo o conceito original, a venda das flores foi efectuada por “senhoras e meninas” da sociedade. Foram elas: “D. Vera Bettencourt da Câmara, D. Amélia de Freitas, do Funchal, D. Maria Augusta Miranda Rodrigues, da Camacha e as meninas desta freguesia: Maria da Paz Faria, Maria Conceição de Jesus, Maria Augusta de Nóbrega, Noemi do Carmo Morais, Celestina de Nóbrega, Maria Olívia Quintal, Áurea de Morais e Maria Clara de Nóbrega.” [i] O valor apurado na Camacha foi 1.858$10 escudos, tendo o evento no conjunto de freguesias madeirenses, propiciado um total de sessenta mil escudos. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Diário da Madeira- Arquivo Regional da Madeira
* No final do Verão de 1928 o Hotel da Camacha entrou em obras para ampliação **A 1ª Festa da Flor em Lisboa – Crónicas 2 (wordpress.com) “Na Camacha Na sua capela ao sítio da Achada realiza-se, amanhã, a festa do glorioso S. José, com sermão ao evangelho pelo Rev. padre João Augusto de Faria, vigário daquela freguesia. De tarde sairá a procissão que será acompanhada pelo Grupo Musical da Camacha.” Esta pequena notícia inserida no Diário da Madeira, em dezoito de Março de 1927, dá-nos conta da dimensão desta celebração pelos inícios do século vinte. Inserida no período temporal da Quaresma, naturalmente que não se incentivariam grandes festejos profanos. A sua criação relativamente recente, em relação a outras celebrações, também não lhe acarretaram a força da tradição. Em 1921 tinham-se comemorado os cinquenta anos da instituição de S. José como padroeiro da Igreja Católica, pelo Papa Pio IX e, sobretudo, a partir dessa data encontram-se várias referências à celebração desta festa, em diversas freguesias da Madeira. Por esses anos o dia de S. José era considerado dia Santo e o comercio fechava as portas. Nesse mesmo ano, de 1921, Abel Ferreira de Nóbrega procurou o apoio do Bispo do Funchal, D. António Manuel Pereira Ribeiro para concretizar o seu projecto da construção de uma escola e uma capela (vide Capela de S. José), o que nos leva a presumir que a efeméride, atrás referida, terá tido relevância na denominação atribuída à capela. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias
Em Novembro de 1938 a Câmara Municipal de Santa Cruz recebeu um ofício do Governo Civil do Funchal, no qual era instada a colaborar com o responsável pela publicação do Anuário Comercial Português que estava a preparar um Anuário Turístico da Madeira[i], para ser integrado na referida publicação para 1939/1940, em forma de separata. Tendo colocado como condições a publicação de uma fotografia de cada freguesia e a promoção dos respectivos pontos turísticos (o que não se concretizou), a Câmara de Santa Cruz aceitou as condições propostas pela publicação. Desconhece-se qual o processo de recolha de informação que resultou no quadro que abaixo se reproduz e que, mesmo não abarcando o todo da freguesia, reporta alguns dados curiosos: Camacha: S. Lourenço (a 10 k. de Santa Cruz); População: 4:530 habitantes; Regedor: Manuel Plácido de Freitas; Posto de Registo Civil: Frederico Rodrigues Júnior; Pároco: Daniel N. de Sousa; Médico: Dr. João M. Rodrigues; Parteiras: Maria de Jesus, Matilde Teixeira, Rosa de Jesus; Professores: Carlos Marinho Lopes, Ludovina R. de Jesus, Maria C. R. Nóbrega, Maria da Paz e Sousa, Umbelina das Neves, Vicente F. de Nóbrega; Correio (Encarregado do): Guilherme Abel Teixeira; Transportes- Camionetas (Passageiros): Frederico Rodrigues. Esta freguesia mantém um serviço diário de camionetas de passageiros com a cidade do Funchal, tendo diversas viagens de ida e regresso; Hotel: Frederico Rodrigues; Casa de espectáculos e recreios: Salão Cinema do Hotel da Camacha; Gado (Negociantes de): António de Ferreira Barbosa, Francisco de Freitas Barbosa, Manuel de Freitas Barbosa; Manteiga (Fabricantes de): Alfredo Ferreira de Nóbrega, António Vieira Cardoso, José Baptista Nóbrega, José Quintal Júnior; Madeiras (Negociante de): Frederico Rodrigues; Mercearias: Alfredo Ferreira de Nóbrega, António Ernesto Martins, António Gomes (Herdeiros de), António Vieira Cardoso, António Vieira Cardoso Júnior, Francisco Barreto Jorge, Gregório de Freitas, Guilherme Abel Teixeira, João G. Gonçalves, João Nóbrega Boleu, João Rodrigues, João Teixeira Júnior, José A. Gonçalves, José G. Poeira, José Vieira Prioste, Pedro da Mota, Manuel Barreto, Maria de Nóbrega, Nóbrega & Nóbrega; Proprietários: Aires de Ornelas e Vasconcelos (Herdeiros de), Aires V. de Jesus, Alfredo Ferreira de Nóbrega, António G. Ribeirinha, António G. Salgados, António João de Freitas, António N. Lacharte, Francisco de Quintal, Frederico Rodrigues, João Ferreira, João Manuel Teixeira Neves, John Ernest, Blandy (Herdeiros de), José João de Freitas Júnior, José Lobo, José N. Vieira, José Nunes, José de Quintal, José de Quintal Júnior, Júlio de Quintal, Manuel Gomes, Manuel N. Vieira, Manuel Plácido de Freitas, Manuel de Quintal, Rui Bettencourt da Camara, Visconde de Valparaíso (Herdeiros de); Verga e vime (Manufactores de artigos diversos): António de Andrade, António Goncalves, António Joaquim Ferreira, António Teixeira Júnior, Cristiano Vieira, Francisco de Quintal, Francisco Rodrigues, Francisco Sebastião Barreto, João António Baptista, João Baptista Veleiro, João de Freitas, João Manuel Teixeira das Neves, João Martins Sobrinho, José da Costa, José Gomes Lucas, José João Baptista, José Martins Vermelho, José Rodrigues Júnior, José de Sá, José Teixeira, José Teixeira Júnior, José Teixeira Pedras, Manuel Ferreira, Manuel da Mota, Manuel de Quintal, Manuel Silvino Miranda, Pedro Jorge. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Anuário Turístico Madeira 1939_1940 - ABM
Arquivo e Biblioteca da Madeira- Câmara Municipal de Santa Cruz No dia 25 de Agosto de 1939 chegou à Madeira um grupo de dezoito dirigentes do Corpo Nacional de Escuteiros para realizar um Congresso, com o objectivo de conhecer a realidade do escutismo insular. Nesse dia ficaram-se pelo Funchal, participando em diversas cerimónias a propósito da sua vinda. No dia 26 todos os participantes no congresso deslocaram-se para a Camacha, onde se instalaram num acampamento montado da quinta de Aires de Jesus. O acampamento “abriu portas” às seis da tarde e segundo as informações veiculadas pela imprensa “O campo está modelarmente apresentado, destacando-se as magnificas tendas, cozinha, refeitório e etc. Foi também erguido um pequeno altar onde se tem celebrado diariamente missa.”[i] Na tarde de Domingo, dia 27, a partir das duas horas da tarde, realizou-se uma “festa de campo que foi extraordinariamente concorrida por numerosas famílias dos escutas, veraneantes e povo da Camacha. Os diversos grupos de C.N.E. na Madeira fizeram algumas curiosas demonstrações escutistas que despertaram o maior entusiamo entre a assistência, que aplaudiu todos os números. Foi, finalmente, em que todos deixou as melhores impressões”. A concentração terminou no dia 1 de Setembro, quando já todas as atenções se concentravam nas tensões europeias que desembocaram na Segunda Grande Guerra, espoletada pela invasão alemã à Polónia. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo e Biblioteca da Madeira- Colecção de Jornais- Diário de Notícias
* A foto está identificada no ABM como sendo na Camacha, no entanto a disposição da paisagem, natural e urbana, não coincide com a do local. O início dos anos setenta do século vinte, foram anos ricos para a Camacha. Ricos, nem tanto no sentido de prosperidade financeira, mas mais no sentido da multiplicidade de actividades que a pequena aldeia serrana pode usufruir. Quer na cultura quer no desporto, foram se sucedendo iniciativas que, sem dúvida, foram uma mais-valia para a população. Enquanto na cultura a chave terá sido o factor humano, no aspecto desportivo o recém-inaugurado ringue da Achada desempenhou, também, um papel fulcral. (vide Esquisita modalidade e Voleibol ) Sem envolver directamente camacheiros, durante o mês de Maio de 1972, disputou-se um torneio de Basquetebol entre quatro equipas, todas de fora da freguesia: Marítimo, Nacional, União e Lazareto. Segundo o Diário de Notícias, este torneio despertou grande interesse da parte do público que ocorreu em grande número a ver os jogos. Apesar do pouco, ou nenhum, impacto que terá tido no apreciar, e eventualmente desenvolver, a prática da modalidade na Camacha, os desafios terão representado, durante esse mês, uma forma diferente de entretinimento, a preencher o ócio dos fins de semana. Um ócio que nas décadas seguintes iria ser parcialmente ocupado pela TV, mas que na época as poucas televisões que existiam na localidade apenas captavam, quando o tempo o permitia, as emissões de Canárias ou Marrocos, dado a RTP Madeira estar ainda a iniciar as suas emissões experimentais. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Arquivo Regional da Madeira- Colecção de Jornais
Infelizmente nem os nossos antepassados nem os visitantes que por aqui passaram, nos deixaram testemunhos escritos que elucidem quanto a diversos aspectos da vida na Camacha de outrora. Uma dessas faltas de informação recai sobre a forma como os camacheiros tratavam os problemas relativos à saúde, mais especificamente onde adquiriam os remédios para as suas maleitas.
A tradição oral reteve algumas receitas das mezinhas caseiras e, até por analogia com o que se verificava no resto do país, podemos deduzir que a maioria da população assim se trataria. A aguardente com que se lavavam as feridas, o vinho e o pão com que se faziam os pensos para cobri-las (vide O caso da Camacha), naturalmente, podiam ser adquiridos em qualquer "venda". A primitividade destes recursos não se traduzia, contudo, na recusa de tratamentos com base no conhecimento científico, como pôde testemunhar um cidadão inglês, num Verão que aqui passou, e do qual fez um relato publicado na Blackwood's Edinburgh Magazine em 1888: “Lembro-me dos domingos bem passados, um inglês gentil e amigo dos pobres, assistido por um médico inglês, para quem era uma festa, e por senhoras inglesas, a vacinar os aldeões em massa, quando a varíola afectava o Funchal. Era uma cena estranha— uma multidão de crianças de olhos escuros e bronzeadas, com as suas mães, ainda mais bronzeadas, reunida debaixo dos castanheiros— as crianças muito relutantes, arrastadas ou carregadas para o local da execução e felizes por de lá regressar com os seus membros completos. Os homens, com a sua pose de adulto masculino indiferente à dor, dificilmente disfarçavam os seus terrores”. Apesar da abertura em aceitar formas de tratamento, para além daquelas que aprendiam por tradição, nada indica que tenha existido uma botica, entre os cerca de trinta estabelecimentos comerciais da Camacha, no final do século dezanove e dos quais se tem algum conhecimento através das licenças emitidas pela Câmara de Santa Cruz. Quando, por imposição legal, a Câmara de Santa Cruz contratou, em 1900, um médico que servisse a população, fazia parte das condições do concurso que esse médico possuísse uma botica, mas uma vez que estava sediado no Caniço, a Camacha não beneficiou directamente desse serviço. (vide Centro Sanitário ) Segundo a acta da sessão da Câmara Municipal de Santa Cruz, em vinte e dois de Outubro de 1902, por essa data um médico teria fixado residência na Camacha, onde atendia doentes e possuía uma pharmacia. O médico foi Alfredo Maria Figueira, natural da Boaventura e que por aqui exerceu, tanto quanto se conseguiu apurar, até a década de vinte. Contudo nada mais se conseguiu saber, nomeadamente onde ficaria localizada a sua residência e local onde exercia. Só se volta a encontrar uma farmácia na Camacha em 1960, quando a Farmácia do Caniço abriu um “posto de dispensa de medicamentos”[i]. Esta sucursal funcionou até o ano de 1994, coexistindo desde 1982 com a Farmácia da Camacha que é a que se mantém até hoje. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) O dia vinte de Junho de 1971 foi mais um dia especial para a Camacha. Integrado no XXV Campeonato Nacional de Voleibol, disputou-se às dezoito horas, no ringue da Achada, o jogo Camacha- CTT, tendo o resultado sido favorável à equipa camacheira, a participar pela primeira vez nestas lides. Este campeonato acontecia desde meados dos anos quarenta do século passado e era da responsabilidade da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho.[i] Com jogos às terças e sextas-feiras no campo de jogos da Escola Industrial[ii] e aos Domingos no campo de jogos da Achada da Camacha, a fase de apuramento regional disputou-se entre seis equipas: Banco Madeira, Camacha, Cadastral, Santa Maria, CTT e Previdência. A equipa da Casa do Povo da Camacha agregou-se para participar neste torneio. Capitaneada pelo padre Pestana Martinho, conseguiu, apesar da sua pouca experiência, ter uma presença digna, tendo ficado classificada pelo meio da tabela. Quanto ao impacto deste evento na localidade, nada melhor que um testemunho da época, na voz do jornalista do Diário de Notícias em cinco de Julho de 1971: “Ficámos verdadeiramente surpreendidos com o interesse extraordinário que a população da freguesia da Camacha acompanhou o encontro. Previmos, realmente, que o povo da Camacha apoiasse a sua equipa. Contávamos com o entusiasmo de uma população que costuma vibrar com os acontecimentos em que está em causa a representação da sua freguesia, não esperávamos contudo, que toda «a freguesia» se deslocasse até o campo da Achada presenciar um jogo de voleibol. Ao vermos todo esse interesse e entusiasmos não podemos deixar de felicitar a decisão da Casa do Povo da Camacha em inscrever-se neste torneio.” Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] A FNAT foi criada em 1935 com o objectivo de criar infra-estruturas destinadas a actividades culturais, recreativas e desportivas para os trabalhadores. Nas freguesias rurais era representada pelas casas do povo.
[ii] Hoje Escola Secundária Francisco Franco Arquivo Regional da Madeira- Colecção de Jornais Assim como nas nossas vidas, nas localidades a linha do tempo pode equipara-se a uma montanha-russa, feita de momentos altos e baixos criados por diversas conjunturas, passiveis de alterar o decorrer da vida das suas populações. O início dos anos setenta do século vinte impôs-se na Camacha como um pico alto na vida da comunidade que, para além do basilar factor humano, resultou também da remodelação do parque da Achada e da construção do pequeno campo de jogos, inaugurados no final da década anterior. Segundo Filipe Mota, num artigo do Diário de Notícias em sete de Junho de 1973, a prática de hóquei-em-sapatilhas teve início na Camacha em Novembro de 1969. Luís Rodrigues, um outro correspondente camacheiro no mesmo jornal tinha já, no ano anterior, se debruçado de forma mais aprofundada sobre o tema: “O hóquei-em-sapatilhas apareceu quando entre os grandes jardins do Largo da Achada foi construído pela Câmara Municipal de Santa Cruz, um recinto de hóquei com as medidas regulamentares mínimas! Começou-se a olhar para aquilo reavivou-se o «hóquei-em-campo», com uma tradição pequena no tempo mas rica em recordações- jogaram-se desde 1957 até 1962 desafios do então chamado hóquei-em-campo, nuns poços onde se costumam pôr os vimes depois de apanhados para refilarem, viu-se que a despesa e manutenção de equipamentos para hóquei-em-patins eram demasiadas… então explorou-se aquilo que se podia fazer com não muito dinheiro e com maior rapidez: Uma camisola, uns calções, umas meias, umas sapatilhas e um stique foram as coisas mais acessíveis de uma juventude… ”. No mesmo artigo Luís Rodrigues minuciou ainda diversos aspectos da implementação da modalidade, atribuindo a Filipe Mota o papel de principal dinamizador, não descurando contudo a importância da Comissão Organizadora, nascida da iniciativa de um grupo de rapazes da Acção Católica. A quinze de Agosto de 1970 iniciou-se o primeiro Campeonato da Camacha, com um desfile das equipas participantes a sair do salão paroquial na igreja matriz até a Achada. Cerca de cento e sessenta jovens constituíam as quinze equipas participantes: Valparaíso, Operária, Boavista, Alegria, Salgueiros, Nogueirenses, Académica, Primavera, Esperança, Angola, Setúbal, Estrelas, Cova, Águias e Mercado dos Cestos. O jogo inaugural foi entre Águias e Valparaíso, seguido do jogo Cova e Operária. As restantes equipas só jogaram entre si no dia seguinte. Para além dos jovens desportistas este campeonato envolvia uma quantidade significativa da população local, desde a Comissão Organizadora com os seus diferentes departamentos, a Comissão de Árbitros da Camacha, dirigentes dos clubes, madrinhas e porta-estandartes. Os pequenos empresários da localidade tiveram também um papel de relevo subsidiando os diversos trofeus conquistados. Até a data não se encontraram referências que testemunhem a continuação do campeonato para além de 1973. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Título do artigo de Luís Rodrigues em Diário de Notícias- Junho 1972 - ABM
O mês de Janeiro é o mês do frio. A lembrar que a Festa terminou, as temperaturas outonais que, habitualmente, se vivenciam no período natalício, baixam drasticamente levando-nos a procurar o aconchego do lar. Esta será, eventualmente, a principal razão por que a festa de S. Antão nunca terá alcançado o fulgor de outros arraiais camacheiros. Como tantas outras coisas, a voz popular diz que esta festa é tradição antiga, o quão antiga é que não se torna fácil descortinar. A devoção a este Santo remonta aos tempos do povoamento e crê-se terem sido os primeiros colonos a trazê-la para a Madeira. Conquanto o seu dia seja dezassete de Janeiro, data da sua morte, na Camacha, tanto quanto se sabe, foi sempre festejado no último domingo do mês de Janeiro, provavelmente para não coincidir com os festejos em outras freguesias, nomeadamente no Seixal onde é padroeiro e a festa é mais expressiva. Em vinte e três de Janeiro de 1878 o Diário de Notícias[i], numa pequena nota, anunciava a realização, no dia vinte e sete, da Festa de S. Antão. Informava também de que haveria arraial e que o sermão estava a cargo do reverendo vigário Machado, sendo esta a referência mais antiga encontrada até ao momento. Na mesma fonte, nos anos seguintes e até os finais da década de vinte do século passado, vão-se encontrando pequenas notícias anunciando a sua realização e destacando a presença de diferentes filarmónicas no arraial: Santacruzense, Artístico Madeirense, Recreio Artístico Funchalense, Artistas Funchalenses e Recreio Camponês. É curiosa também a alusão ao coro e “orquestra grande instrumental”, regida por Cesar A. Rodrigues do Nascimento, que abrilhantou a cerimónia religiosa em 1918. Sendo uma festa menor, épocas houve que deixou de ser celebrada. Foi recuperada em 1998 por Maria Augusta Correia de Nóbrega, Oficial da Ordem de Instrução Pública que dedicou importante parte da sua vida à conservação e recuperação das tradições e da cultura popular. Por seu legado, desde então foi sendo celebrada por iniciativa do Grupo Romarias e Tradições, do qual foi fundadora. Nesse âmbito a Associação Grupo Romarias e Tradições assumiu financeiramente, não só a realização da festa como também o restauro da imagem do santo (a qual presume-se ser do século XIX) e execução do seu pendão. Nos últimos anos a paróquia chamou a si a iniciativa. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais
Durante muitos anos foram uma peça fundamental na estrutura de comercialização do ganha-pão de muitas famílias camacheiras, no entanto poucas referências se encontram sobre essas fortes mulheres camacheiras que diariamente se deslocavam a pé ao Funchal, para entregar os diversos artefactos produzidos pelos artesãos. Ellen M Taylor, uma visitante inglesa que em 1882 escreveu Madeira its Scenery, and how to see it, insere na sua descrição da Camacha uma pequena alusão a esta profissão sem, contudo, fazer qualquer apreciação: “This is quite a village of wicker chair and basket makers they work at their cottage doors and we overtook many women carrying piles of chairs and little tea tables into Funchal” (Esta é uma aldeia, basicamente, de cadeiras de vime e cesteiros que trabalham à porta das suas casas e ultrapassámos muitas mulheres a carregar pilhas de cadeiras e mesinhas de chá para o Funchal) Noutra publicação da mesma autora, desta feita na revista inglesa Good Words[i], em 1888 vimos encontrar uma nova referência que nos apresenta uma imagem um pouco mais aprofundada das nossas carreteiras: “Passing through with rapid steps are some strong peasant girls with loads of wicker work chairs and tables on their heads looking fresh and active even after their walk of seven miles from Camacha the mountain village where this industry gives employment to many.” (A passar, em passos rápidos, vão algumas fortes camponesas, carregando muitas cadeiras e mesas de vime à cabeça, parecendo frescas e activas, mesmo depois da sua caminhada de sete milhas da Camacha, a aldeia serrana onde esta indústria emprega muita gente.) No início do século vinte, a terminar a primeira década Lilian Fairbrother Ramsey alude à sua existência no seu conto Amores Perfeitos , testemunhando dessa forma a continuidade desta profissão nessa época. Em 1934 a revista The National Geographic Magazine faz-lhes também referência, admirando a sua força e perícia. Dois anos mais tarde, em 1936, a inauguração da nova estrada de ligação ao Funchal terá ditado o fim desta profissão que, muito provavelmente, foi desaparecendo com o surgimento de outras formas de transporte de mercadorias. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] https://books.google.pt
No Verão de 1892 apareceu na Madeira uma doença que vitimava cães e por mordedura destes terão sidos infectadas e falecido algumas pessoas. Suspeitou-se de raiva, mas os clínicos madeirenses ficaram divididos, atribuindo causas divergentes aos casos com que lidaram. Assim que se estabeleceu a relação entre a mordedura dos cães e a doença fatal de algumas crianças, a população ficou em estado de alerta, a imprensa regional dedicou bastante atenção ao assunto e o governador civil do distrito, engenheiro Luís Merens de Távora, pediu apoio ao governo nacional, o qual enviou o director do Laboratório de Bacteriologia, o veterinário António Roque da Silveira, encarregado de estudar a doença e de indicar o meio de a extinguir. Tendo chegado à ilha no início de Outubro, logo procedeu a diversos estudos de diferentes casos, tendo chegado à conclusão que, de facto, decorria na Madeira um surto de raiva afectando, para além de cães e pessoas, também gatos e a raça caprina. Na sequência desse diagnóstico apresentou um conjunto de medidas que, com elevada colaboração da população e da imprensa, resultaram na completa erradicação da doença, tendo sido considerada extinta em Dezembro de 1893. Apesar de não ser referida nos casos oficiais, a Camacha terá tido também a sua quota de casos. O Diário de Notícias de oito de Setembro desse ano relata o caso de uma cabra que após ter matado duas crias e mordido outras cabras, investiu “com verdadeira ferocidade” contra o dono que teve de a abater. Ainda nesse mês, sabe-se pela mesma fonte, foram abatidos quarenta e seis cães com sintomas desta doença, no conselho de Santa Cruz, sendo que dois eram da Camacha. Mas é do final de Outubro a notícia mais funesta, a qual nos dá conta do falecimento de uma criança, que tendo sido mordida por um cão em Agosto, veio a falecer nessa data. Fazendo o cruzamento com os registos paroquiais de óbito, o nome mais provável é de Manuel de Miranda, que terá falecido no dia vinte e três, com treze anos, filho de José de Miranda e Maria de Nóbrega, moradores nos Casais de Além. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) ABM – colecção de Jornais e Registos Paroquiais
MENDES, António Martins- Notas Históricas- A Raiva na Ilha da Madeira Em dia de mais um aniversário abaixo se transcreve o Alvará inscrito no Livro da Chancelaria da Ordem de Cristo através do qual D. Pedro autoriza a criação da freguesia da Camacha:
“Eu o Principe como Regente, e Governador dos Reynos de Portugal, e Algarves, e do Mestrado, Cavalaria, e ordem do nosso Senhor Jesus Christo, fasso saber aos que este meu Alvará virem que o Reverendo Bispo da Se da cidade do Funchal da Ilha da Madeira, do meu Conselho D. Frei António Telles da Sylva me representou por sua petição a urgente necessidade que havia no dito bispado de se criarem novas paroquias, em rezão de muitos anos a esta parte depois da criação das ultimas que foram as de Sam Pedro, e Sam Martinho, haver cresido tanto o Povo dentro do limite de algumas freguesias, que por este… e pella distancia das Igrejas não sam os freguezes moribundos assistidos com aquela presteza que se requere, principalmente em tempos de Inverno com ribeiras caudolozas, aspereza de caminhos, rochas e montes de que a ilha sé abundante, e ainda os saons não poderem sem perigo, e dificuldade assistir aos ofícios divinos, e frequência dos mesmos sacramentos; pedindo-me como Mestre que sou da dita ordem, que por ser conveniente ao serviço de Deos, e bem das almas, lhe desse meu consentimento, e faculdade para criar e erigir de novo alguas Igrejas Parochias e ministros competentes para ellas nas partes onde sam necessárias. No território da Camacha freguesia do Canisso uma vigairia, aplicando ao novo vigairo o mantimento de um Beneficiado da dita Igreja do Canisso… Hei por bem, e me praz, e faculdade como com efeito dou, e consedo por este meu Alvará para que o dito Bispo possa criar e erigir as ditas novas parochias… António de Oliveira de Carvalho a fez em Lisboa aos vinte e oito de Dezembro de seiscentos setenta e seis anos Antonio Sousa de Carvalho a fez escrever Principe”[i] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com Cantemos todos um hino Que já nasceu em Belém O Nosso Jesus Menino[i] Faz parte da memória de gerações aquele momento entusiasmante em que finda a Missa do Galo começam as desfilar os grupos de Pastores, entrando na igreja entoando louvores ao Menino, trazendo presentes e cultivando uma saudável concorrência entre os diferentes sítios da freguesia, tentando cada um ser eleito na voz do povo, o melhor grupo, o mais afinado e com presentes mais luzentes. Sabemos que é uma tradição antiga, o quão antiga não é fácil estabelecer. Da década de trinta, do século vinte, sobreviveram uma marcha do Ribeiro Serrão e uma outra do Sítio da Igreja, ambas registadas na publicação Retalhos, de Maria Augusta Correia de Nóbrega, em 1994, colocando nessa data a certeza desta prática. Antes disso, até ao momento não se encontram facilmente referências a este costume na Camacha. No Diário da Madeira, no primeiro dia de Janeiro de 1914, pode ler-se que: Com muito brilho e esplendor realisou-se este anno a tradicional festa da noite do Natal: tendo o povo d'esta freguezia, no acto solemne da cerimonia religiosa oferecido valiosos presentes ao revº padre Faria, seu estimado vigario, o que constitue uma manifesta prova das sympathias que em pouco sua revª grangeou n'esta freguezia. Sem fazer, propriamente, alusão ao termo “Pastores”, esta notícia é a referência mais antiga, encontrada até o momento, sobre este costume que ainda hoje é vivido intensamente na localidade. No mesmo jornal, em vinte e dois de Dezembro de 1927, uma pequena notícia dá-nos conta do uso enquanto tradição: ” Realiza-se a festa do Natal á meia noite, havendo sermão pelo verº pároco João Augusto de Faria. O templo apresentar-se-á lindamente ornamentado. Como nos outros anos será queimado bastante fogo á entrada dos «pastores» e em seguida á festa.” Num conjunto de regras relativas à missa da noite de Natal que o Bispo do Funchal fez publicar nos jornais, também em Dezembro do 1927, destaca-se a que diz respeito à “tradicional entrada dos pastores na igreja” que sendo um “costume tão arreigado” continuaria a ser autorizado nas igrejas por toda a ilha. Infelizmente, até ao momento, não se encontraram testemunhos de camacheiros ou de visitantes que descrevam mais em pormenor o decorrer desta prática tão rica em pormenores etnográficos, desde os ensaios de preparação, o lote de presentes, as indumentárias, a romaria. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com)
A noção mais difundida e genericamente aceite é de que os ingleses procuraram a Camacha para fugir ao calor do Verão no Funchal. Efectivamente e com base nos diversos testemunhos escritos que se podem encontrar com relativa facilidade, assim terá sucedido maioritariamente. O testemunho que se transcreve abaixo[i] deixa antever outra realidade e fornece mais algumas pequenas peças do puzzle da história desta localidade: Recordações da Madeira durante o Inverno de 1844-45 “Mas nunca me esquecerei da minha primeira cavalgada até à Camacha, uma pequena aldeia a cerca de sete milhas do Funchal, lugar de duas ou três quintas inglesas. Depois de cavalgar por uma hora sobre o áspero pavimento da Madeira, descendo e subindo várias ravinas, contorcendo-me, virando e serpenteando entre belas colinas, cujos lados eram, então, uma massa de tojo amarelo, tendo atingido uma elevação de cerca de três mil pés, cheguei a uma estrada suave e macia que corre ao longo de um planalto, com terreno ondulado e selvagem em ambos os lados. Galopei alegremente, com a pequena aldeia diante de mim. O ar revigorante, tão diferente do clima enervante do Funchal, fresco, mas não frio e tão leve e doce. A atmosfera clara e brilhante, sem uma nuvem tingindo o céu, que, de um azul profundo, parecia incomum e magnificamente distante. A suavidade da estrada, o cenário aberto, as pequenas casas e a torre da igreja, empoleiradas, entre as árvores ao longe, era tudo muito inglês. O dia era inglês, fresco e outonal e os meus pensamentos, naquele momento, estavam nas coisas inglesas e em casa. A ilusão logo se dissipou, pois, virando por engano para a direita e fazendo uma ligeira subida da aldeia, encontrei-me num pedaço de relva macia e plana que parecia ser delimitada por uma descida íngreme. Galopei até a borda, e a Madeira, na sua característica glória, estava novamente diante de mim. Uma terra nobre estendia-se entre mim e a costa, quebrada e convulsionada num cenário soberbo. Rochas, vales e arvoredo, exibindo todas as variedades de cores sob o sol radiante e pitorescas cristas cinzentas que se erguiam aqui e ali, lançando sombras ousadas sobre a encosta da montanha. Em locais como estes os mercadores ingleses estabelecem pequenas e confortáveis quintas, rodeadas por belas plantações de castanheiros e abetos. Sendo a localização tão encantadora, a surpresa para mim sempre foi que as pessoas a trocassem pelas ruas fechadas e abafadas do Funchal. Claro, o clima (especialmente no Inverno) é, devido à elevação, extremamente variável, mas o que é isso para um inglês? Apesar das pesadas nuvens e nevoeiros que por vezes envolvem a localidade, apesar dos furacões que às vezes varrem as colinas, eu diria que o Inverno é a época ideal para desfrutar destes lugares: com o frequente céu sem nuvens e a atmosfera fresca do lado de fora, e uma lareira brilhante e bom ânimo dentro de casa. O hospitaleiro Sr. Bean, da Camacha, em cuja bonita quinta há sempre uma boxe para o seu cavalo e onde a sua lareira arde vivamente na época do Natal, é dos poucos que residem, mais ou menos, durante todo o ano na aldeia. A chama alegre na casa deste, verdadeiro, descendente da Velha Inglaterra, faz sempre bem ao coração de muitos homens, depois de uma longa cavalgada pelas colinas. Assim entre a casa de negócios e a quinta, entre o Funchal e a Camacha, Santo da Serra, Monte ou onde quer que seja que o mercador madeirense passa o seu tempo sem grande mudança, é, talvez, a mais agradável existência de monotonia que já pude observar” “RECOLLECTIONS OF MADEIRA DURING THE WINTER OF 1844-5 But I shall never forget my first ride to Camàcha, a small village, about seven miles from Funchal, and the locale of two or three English quintas. After an hour's riding over the rough Madeira pave, descending and ascending various ravines, twisting, turning, and winding through beautiful hills, the sides of which were then one mass of yellow furze, having reached an elevation of some three thousand feet, I came upon a smooth soft road running along a tract of table-land with wild undulating ground on either hand. I cantered gaily along, with the little village before me. The bracing air, so different from the enervating climate of Funchal,– fresh, but not cold, and so buoyant and sweet; the clear bright atmosphere, not a cloud tinging the sky, which, of a deep blue, looked unusually and magnificently distant; the smoothness of the road; the open down-like scenery, and the little cottages and church-spire perched among the trees in the distance, were all quite English. The day was English, fresh and autumnal; and my thoughts at that moment were of English things and home. The illusion was soon dispelled; for turning by mistake to the right, and making a slight ascent from the village, I found myself on a soft level piece of turf which appeared to be bounded by a precipitous descent. I cantered to the edge, and Madeira, in its characteristic glory, was again before me. A noble country stretched between me and the coast, broken and convulsed into superb scenery. Rock, glen, and wood, exhibiting every variety of colour under the gladdening sunshine: and quaint grey ridges that rose here and there, casting bold shadows over the mountain side. In such spots as these also do the English merchants lay out snug little quintas, surrounded by beautiful plantations of chesnut and fir. The situation being so charming, the surprise to me always was, that people should ever exchange it for the close, muggy streets of Funchal. Of course, the climate (in winter especially) is, on account of the elevation, an exceedingly changeable one; but what of that to an Englishman? In spite of the heavy clouds and fogs which sometimes envelope the country; in spite of the hurricanes that sometimes sweep over the hills; I should say winter was the time to enjoy such places– with the frequent unclouded sky and fresh atmosphere without, and a bright hearth and good cheer within. Hospitable Mr B_, of Camàcha, at whose pretty quinta there is always a stall for your horse, and whose bright fire burns bravely at Christmas time, is among the few who reside more or less all the year round in the country. The cheerful blaze at the house of this true scion of Old England has done many a man's heart good after a long ride across the hills. Thus between counting house and quinta between Funchal and Camàcha, the Serra the Mount, or wherever else it may be the Madeira merchant passes his time, and without any great change. It is, perhaps, the most pleasant existence of monotony that ever came under my observation.[ii]” Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Há uns anos a esta parte deixou-se de ver e ouvir este nome vernáculo, tão madeirense, atribuído ao fruto da planta Sechium edule, também conhecida noutras partes por chuchu ou caiota. Generalizou-se o uso do nome “pimpinela”… nas etiquetas de supermercado, nas ementas dos restaurantes… influenciado provavelmente pelo corrector do dicionário português que só aceita “pimpinela”. Até mesmo as pessoas que desde sempre haviam usado o vocábulo pepinela começaram a duvidar da rectidão do termo. Começaram a achar que pepinela seria o termo … como se diz na Madeira com intenção de desprestigiar …” de campo”, “vilhão”. Não é de agora a confusão dos termos. Já Carlos Menezes, ilustre botânico madeirense e co-autor do Elucidário madeirense alertava para a incorreção do termo “pimpinela”: “Pepinela. Os madeirenses dão este nome ao Sechium edule, planta da família das Cucurbitaceas a que em Portugal se chama de chuchu ou caiota. Esta última designação era muito usada outrora na Madeira, mas hoje está abandonada tendo mesmo sido esquecida pelo povo. Algumas pessoas alheias a estudos botânicos costumam dar o nome de pimpinela à nossa pepinela, quando é certo que não existem relações algumas entre as duas plantas. A pimpinela de Portugal é uma rosácea (Sanguisorba minor) que já vimos cultivada na Madeira, mas não se vulgarizou, havendo também um género de umbelíferas denominado Pimpinela, no qual entram a Herva doce e outras espécies. (…) A pepinela já existia na Madeira nos princípios do século XIX, sendo os seus frutos conhecidos então de muita gente pelo nome extravagante de pepinos nelas, do qual derivou, segundo parece, a palavra pepinela”. O termo caiota, embora tivesse deixado de ser usado de forma generalizada, continuou, e continua, a ser usado por algumas pessoas na Camacha, embora na maioria sob a corruptela “canhota”. O termo pepinela continua a ser usado oralmente, mas infelizmente no registo escrito a luta está perdida…não há forma de convencer que “pimpinela” é outra planta. Além do mais, segundo origem “extravagante” do termo pepinela, para usar o adjetivo usado por Carlos Menezes, só seria pimpinela se os pepinos se passassem a chamar “pimpinos”! Aida Nóbrega Pupo @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Silva FA and Meneses CA (1946). Elucidário Madeirense (1998 fac-simile ed. Vol. III). Funchal: Direcção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC).
Realiza-se no próximo dia 8, na paroquia daquela aprazível estancia, a festa da Imaculada Conceição que, …” Numa linguagem um pouco menos arcaica, este poderia perfeitamente ser o parágrafo inicial de um anúncio em qualquer jornal ou rede social, a informar o que, eventualmente, irá decorrer na próxima semana, no referido dia, na Igreja da Camacha, dado que esta festa religiosa com data fixa, há muito que é celebrada com maior ou menor envolvência popular. O restante texto da notícia inserida no Diário de Notícias, em cinco de Dezembro de 1920, traça-nos um esboço de uma vivência diferente da dos dias de hoje: “…este ano reveste um brilhantismo desusado, sendo feita a expensas de 4 proprietários daquela localidade. Na véspera haverá vistosas iluminações a electricidade, para o que já se acha montada a respectiva máquina, e haverá muito fogo de artifício, como o de Viana do Castelo.” A notícia refere ainda os horários de missa com particular relevo para o nome do padre convidado, que iria fazer o sermão, e à banda que competia animar o arraial. Sendo uma festa de final de Outono, talvez por isso, nunca terá alcançado a notoriedade de outros arraiais camacheiros, contudo nas notícias encontradas entre o final do século dezanove e as primeiras décadas de vinte salientam-se, quase sempre, as diferentes bandas filarmónicas a animar o adro e o fogo de artifício, confirmando a existência da parte profana associada à festa religiosa. Apesar de ser um culto antigo, só depois de 1854, com a proclamação do dogma imposta pelo Papa Pio IX, em oito de Dezembro, é que se terá começado a celebrar esta data. Desconhece-se quando exactamente a paróquia da Camacha terá integrado esta celebração no seu calendário anual sendo que a referência mais antiga, encontrada, remonta a 1889. Uma notícia do Diário de Notícias em 1898 dá-nos conta, de forma mais pormenorizada, do decorrer dos festejos. “Teve este anno extraordinário luzimento a festa da Senhora da Conceição na freguezia da Camacha. Tocou no adro, desde o meio dia da véspera, a phylarmonica dos artistas, e à noite a iluminação produziu um bello efeito. A pequena igreja regorgitava de flores naturaes, dispostas com gosto,por entre os paramentos dos altares. Houve dois sermões de manhã à missa, pregou o revdº cura der S. Martinho, padre Correia; de tarde, à festa, foi orador o revdº João Mauricio Henriques, capelão de caçadores nº 12. A musica de côro foi executada pelos srs. Nunos, com a costumada proficiência. A festividade religiosa concluiu por uma procissão magnifica e extremamente sympathica, como costuma ser a de Senhora de Lourdes no Funchal. Uma multidão de creanças, vestidas de azul e branco, muito decentemente trajadas e enluvadas, pegavam às fitas dos pendões e emblemas, trazendo cada uma uma palma de flores artificiais. O andor da Virgem vinha primorosamente ornamentado; após a confraria da Conceição, seguia a do Sagrado Coração de Jesus, com pendão, paramentos, fitas e flores encarnadas e brancas, tudo na melhor ordem. Fechava o préstito religioso o paleo, levando a cruz o respectivo vigário com outros eclesiásticos, a phylarmonica e muita gente com cirios acesos. O dia correu esplendido, banhado de sol, tépido, como se estivessemos em plena primavera. À serenidade atmosférica, correspondia o socego e tranquiliadade publica, como é de praxe nesta localidade”[i] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Nesta data Fernando Augusto da Silva, o autor do Elucidário Madeirense, era o padre na Camacha e é muito provável que este texto seja da sua autoria, atendendo à riqueza de vocabulário, distinta das restantes notícias no mesmo jornal.
Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais Decorria o mês Julho de 1928 quando a Camacha começou a beneficiar de outro importante melhoramento. Ainda sem a estrada que ambicionava, mas já com velhos caminhos adaptados à circulação de automóveis, teve início, a dezanove do referido mês, o primeiro serviço de transporte colectivo devidamente promovido nos jornais da altura, através de um pequeno anúncio: “Carreiras de Horário entre o Funchal e Camacha O automovel nº 483, a partir d’amanhã, sai todos os dias da Camacha às 8 horas da manhã, e volta do Funchal áquela bela estancia ás 5 horas da tarde, saindo do Largo do Pelourinho.”[i] Desde o Verão do ano anterior que já existia um serviço de natureza semelhante, contudo não era diário e era destinado a turistas que adquirissem um pacote promovido pelo Hotel da Camacha. O serviço que então nascia, a exemplo do que já existia noutras localidades, seria realizado por uma viatura ligeira, do tipo das da foto com que se ilustra este artigo e destinava-se à população local. Também se pode presumir que o seu condutor e eventualmente proprietário residia na Camacha, uma vez que era daqui que saia logo pela manhã, no entanto não se conseguiu, até o momento, obter mais informações. O Horário, na forma de autocarro surgiu mais tarde, provavelmente no ano seguinte com a Empresa Camachense de Automóveis e, se bem, que tenha aumentado o número de passageiros em cada viagem, a limitação de horários condicionou a completa eficácia do serviço durante muitos anos. Recorde-se que, por exemplo, os rapazes estudantes no Funchal em finais de quarente e inícios de cinquenta, iam bem cedo pela manhã a pé até o Lombo da Quinta, para apanharem aí um autocarro que os levasse a tempo da primeira aula na Escola Industrial do Funchal. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais
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Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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