História, histórias e curiosidades
Quando, como e porquê são questões que levantamos frequentemente, a propósito de tradições há muito estabelecidas. Das visitas pascais sabemos que se realizam há muito tempo, mas quando se iniciaram na Camacha, o porquê da sequência dos sítios, como terão evoluído ao longo dos tempos, são quesitos de difícil esclarecimento, devido à falta de testemunhos. Sabe-se que por meados do século dezanove (vide Segunda Feira da Camacha) era celebrada a Festa do Espírito Santo num modelo que, basicamente, sobreviveu até os nossos dias e podemos facilmente conjecturar que por essa data as visitas pascais já se realizavam nos moldes que temos por tradicionais. No início do século vinte, através de uma publicação dos horários da Semana Santa, no Diário de Notícias em Abril de 1927, constatamos que, assim como hoje, o sítio dos Salgados era o primeiro a receber as visitas Pascais: “No domingo de Páscoa haverá missa solene com sermão ao Evangelho pelo mesmo Rev. Em seguida à festa haverá a respectiva procissão, saindo depois as insígnias do Espírito Santo que percorrerão os sítios dos Salgados e do Ribeirinho[i].” Sendo que uma das particularidades, que diferenciavam as visitas Pascais na Camacha, era a Segunda-feira da Ribeirinha, no dia seguinte ao Domingo de Páscoa, um costume que perdurou até o início da segunda década deste século, presume-se que, eventualmente, terá surgido mais tarde, uma vez que aqui é referenciado como sendo no domingo, no entanto até o momento não foi possível apurar exactamente quando se terá dado essa alteração. Mais pormenorizada é a descrição de Filipe Mota, no Diário de Notícias em Junho de 1973, num pequeno artigo a propósito da Festa do Espírito “Esta festa marca o fim das visitas pascais, do ano em curso, visitas estas que constituem uma longa tradição religiosa e também com certos aspectos de diversão e atracção populares. Claro que o folclore do tempo dos nossos avós, introduzido nestas visitas pascais, ou acorridas do Espírito Santo, há muito acabou. Tende-se agora a tornar estas visitas, uma expressão de amizade e união, da qual devem comungar as pessoas da freguesia. Aliás, enraiza-se o costume das pessoas se visitarem umas às outras, para tomar parte num beberete ou então para ver as novas obras feitas em casa e até para conversar um pouco, cada qual sobre os assuntos que lhes interessam mais! Assim vemos grupos de adultos e jovens encaminharem-se para os sítios onde as insígnias do Espírito Santo estão a visitar, e os encontros das várias pessoas possibilitam uma maior aproximação e elevação social” Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] No original lê-se “Ribeirinho”, um lapso do DN, sendo Ribeirinha o correcto
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Ao longo de 1928 uma onda solidária percorreu as principais freguesias da ilha concretizando-se na realização de um evento, em cada uma delas, denominado de Festa da Flor. O conceito fora criado em 1917, em Lisboa, por proposta da escritora Genoveva da Lima Mayer Ulrich à associação Cruzada das Mulheres Portuguesas e destinou-se a apoiar as vítimas da 1ª Grande Guerra. Consistiu na venda de pequenas flores artificiais, para colocar na lapela, realizada nas ruas de Lisboa pelas senhoras casadas e jovens raparigas, das classes sociais mais altas. Posteriormente foi adoptado pela Cruz Vermelha Portuguesa. Na Madeira, em 1928 o produto da venda foi dividido entre a Cruz Vermelha e outras “instituições de caridade”, nomeadamente o Orfanato do Santo da Serra, Colégio de Preservação de Câmara de Lobos e ainda os pobres da Camacha. À boleia da festa do Santíssimo Sacramento, a Festa da Flôr na Camacha aconteceu no dia vinte e seis de Agosto. Nesse Verão a Camacha revivia os bons tempos antigos, com muitas famílias a virem gozar a sua frescura, fugindo do calor opressivo do Funchal. Já não eram os ingleses que ao longo da segunda metade do século anterior aqui veraneavam, mas sim famílias funchalenses, de classe média alta que vinham se instalar no Hotel da Camacha, inaugurado em Agosto do ano anterior. Foi criada uma comissão da qual foi destacado colaborador o padre João Augusto Faria que em troca do seu apoio negociou parte do proveito em favor dos velhinhos pobres da freguesia. Seguindo o conceito original, a venda das flores foi efectuada por “senhoras e meninas” da sociedade. Foram elas: “D. Vera Bettencourt da Câmara, D. Amélia de Freitas, do Funchal, D. Maria Augusta Miranda Rodrigues, da Camacha e as meninas desta freguesia: Maria da Paz Faria, Maria Conceição de Jesus, Maria Augusta de Nóbrega, Noemi do Carmo Morais, Celestina de Nóbrega, Maria Olívia Quintal, Áurea de Morais e Maria Clara de Nóbrega.” [i] O valor apurado na Camacha foi 1.858$10 escudos, tendo o evento no conjunto de freguesias madeirenses, propiciado um total de sessenta mil escudos. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Diário da Madeira- Arquivo Regional da Madeira
* No final do Verão de 1928 o Hotel da Camacha entrou em obras para ampliação **A 1ª Festa da Flor em Lisboa – Crónicas 2 (wordpress.com) “Na Camacha Na sua capela ao sítio da Achada realiza-se, amanhã, a festa do glorioso S. José, com sermão ao evangelho pelo Rev. padre João Augusto de Faria, vigário daquela freguesia. De tarde sairá a procissão que será acompanhada pelo Grupo Musical da Camacha.” Esta pequena notícia inserida no Diário da Madeira, em dezoito de Março de 1927, dá-nos conta da dimensão desta celebração pelos inícios do século vinte. Inserida no período temporal da Quaresma, naturalmente que não se incentivariam grandes festejos profanos. A sua criação relativamente recente, em relação a outras celebrações, também não lhe acarretaram a força da tradição. Em 1921 tinham-se comemorado os cinquenta anos da instituição de S. José como padroeiro da Igreja Católica, pelo Papa Pio IX e, sobretudo, a partir dessa data encontram-se várias referências à celebração desta festa, em diversas freguesias da Madeira. Por esses anos o dia de S. José era considerado dia Santo e o comercio fechava as portas. Nesse mesmo ano, de 1921, Abel Ferreira de Nóbrega procurou o apoio do Bispo do Funchal, D. António Manuel Pereira Ribeiro para concretizar o seu projecto da construção de uma escola e uma capela (vide Capela de S. José), o que nos leva a presumir que a efeméride, atrás referida, terá tido relevância na denominação atribuída à capela. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias
Em Novembro de 1938 a Câmara Municipal de Santa Cruz recebeu um ofício do Governo Civil do Funchal, no qual era instada a colaborar com o responsável pela publicação do Anuário Comercial Português que estava a preparar um Anuário Turístico da Madeira[i], para ser integrado na referida publicação para 1939/1940, em forma de separata. Tendo colocado como condições a publicação de uma fotografia de cada freguesia e a promoção dos respectivos pontos turísticos (o que não se concretizou), a Câmara de Santa Cruz aceitou as condições propostas pela publicação. Desconhece-se qual o processo de recolha de informação que resultou no quadro que abaixo se reproduz e que, mesmo não abarcando o todo da freguesia, reporta alguns dados curiosos: Camacha: S. Lourenço (a 10 k. de Santa Cruz); População: 4:530 habitantes; Regedor: Manuel Plácido de Freitas; Posto de Registo Civil: Frederico Rodrigues Júnior; Pároco: Daniel N. de Sousa; Médico: Dr. João M. Rodrigues; Parteiras: Maria de Jesus, Matilde Teixeira, Rosa de Jesus; Professores: Carlos Marinho Lopes, Ludovina R. de Jesus, Maria C. R. Nóbrega, Maria da Paz e Sousa, Umbelina das Neves, Vicente F. de Nóbrega; Correio (Encarregado do): Guilherme Abel Teixeira; Transportes- Camionetas (Passageiros): Frederico Rodrigues. Esta freguesia mantém um serviço diário de camionetas de passageiros com a cidade do Funchal, tendo diversas viagens de ida e regresso; Hotel: Frederico Rodrigues; Casa de espectáculos e recreios: Salão Cinema do Hotel da Camacha; Gado (Negociantes de): António de Ferreira Barbosa, Francisco de Freitas Barbosa, Manuel de Freitas Barbosa; Manteiga (Fabricantes de): Alfredo Ferreira de Nóbrega, António Vieira Cardoso, José Baptista Nóbrega, José Quintal Júnior; Madeiras (Negociante de): Frederico Rodrigues; Mercearias: Alfredo Ferreira de Nóbrega, António Ernesto Martins, António Gomes (Herdeiros de), António Vieira Cardoso, António Vieira Cardoso Júnior, Francisco Barreto Jorge, Gregório de Freitas, Guilherme Abel Teixeira, João G. Gonçalves, João Nóbrega Boleu, João Rodrigues, João Teixeira Júnior, José A. Gonçalves, José G. Poeira, José Vieira Prioste, Pedro da Mota, Manuel Barreto, Maria de Nóbrega, Nóbrega & Nóbrega; Proprietários: Aires de Ornelas e Vasconcelos (Herdeiros de), Aires V. de Jesus, Alfredo Ferreira de Nóbrega, António G. Ribeirinha, António G. Salgados, António João de Freitas, António N. Lacharte, Francisco de Quintal, Frederico Rodrigues, João Ferreira, João Manuel Teixeira Neves, John Ernest, Blandy (Herdeiros de), José João de Freitas Júnior, José Lobo, José N. Vieira, José Nunes, José de Quintal, José de Quintal Júnior, Júlio de Quintal, Manuel Gomes, Manuel N. Vieira, Manuel Plácido de Freitas, Manuel de Quintal, Rui Bettencourt da Camara, Visconde de Valparaíso (Herdeiros de); Verga e vime (Manufactores de artigos diversos): António de Andrade, António Goncalves, António Joaquim Ferreira, António Teixeira Júnior, Cristiano Vieira, Francisco de Quintal, Francisco Rodrigues, Francisco Sebastião Barreto, João António Baptista, João Baptista Veleiro, João de Freitas, João Manuel Teixeira das Neves, João Martins Sobrinho, José da Costa, José Gomes Lucas, José João Baptista, José Martins Vermelho, José Rodrigues Júnior, José de Sá, José Teixeira, José Teixeira Júnior, José Teixeira Pedras, Manuel Ferreira, Manuel da Mota, Manuel de Quintal, Manuel Silvino Miranda, Pedro Jorge. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Anuário Turístico Madeira 1939_1940 - ABM
Arquivo e Biblioteca da Madeira- Câmara Municipal de Santa Cruz No dia 25 de Agosto de 1939 chegou à Madeira um grupo de dezoito dirigentes do Corpo Nacional de Escuteiros para realizar um Congresso, com o objectivo de conhecer a realidade do escutismo insular. Nesse dia ficaram-se pelo Funchal, participando em diversas cerimónias a propósito da sua vinda. No dia 26 todos os participantes no congresso deslocaram-se para a Camacha, onde se instalaram num acampamento montado da quinta de Aires de Jesus. O acampamento “abriu portas” às seis da tarde e segundo as informações veiculadas pela imprensa “O campo está modelarmente apresentado, destacando-se as magnificas tendas, cozinha, refeitório e etc. Foi também erguido um pequeno altar onde se tem celebrado diariamente missa.”[i] Na tarde de Domingo, dia 27, a partir das duas horas da tarde, realizou-se uma “festa de campo que foi extraordinariamente concorrida por numerosas famílias dos escutas, veraneantes e povo da Camacha. Os diversos grupos de C.N.E. na Madeira fizeram algumas curiosas demonstrações escutistas que despertaram o maior entusiamo entre a assistência, que aplaudiu todos os números. Foi, finalmente, em que todos deixou as melhores impressões”. A concentração terminou no dia 1 de Setembro, quando já todas as atenções se concentravam nas tensões europeias que desembocaram na Segunda Grande Guerra, espoletada pela invasão alemã à Polónia. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo e Biblioteca da Madeira- Colecção de Jornais- Diário de Notícias
* A foto está identificada no ABM como sendo na Camacha, no entanto a disposição da paisagem, natural e urbana, não coincide com a do local. |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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