História, histórias e curiosidades
Os primeiros médicos, oficiais, eram partilhados entre a Camacha e o Caniço. Designavam-se por Partidos Médicos e eram pagos pela Câmara. Apesar de desde 1837 existir na Madeira uma Escola Médico-cirúrgica, só após a publicação do Código Administrativo de 1886[i] é que a população rural pode usufruir de assistência médica, dado as Câmaras terem sido obrigadas a promover concursos para contratar médicos que atendessem gratuitamente a população. Foi assim que em 1900 foi contratado Francisco Peres que, por imposição das regras do concurso, deveria residir no Caniço, ter uma botica e deslocar-se à Camacha duas vezes por semana. Para isso ganhava duzentos e quarenta mil reis. Reformou-se no final de 1940, contando catorze mil e seiscentos dias de serviço[ii]. Esta prática manteve-se no país até o final do Estado Novo e por meados do século vinte o Facultativo da Camacha ainda tinha sede na Vargem, no Caniço, o que deveria ser, manifestamente, insuficiente para uma localidade em franco crescimento.
Felizmente, para a Camacha, a Junta Geral decidiu em 1941 custear as despesas de um Centro Sanitário, criado em Fevereiro do mesmo ano, junto à Casa do Povo e dirigido pelo médico Henrique Vieira da Luz.[iii] Em 1947, a Direcção das Obras Públicas da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal promoveu concurso para obras de construção de um prédio, exclusivamente destinado ao Centro de Sanidade da Camacha. Esta empreitada foi adjudicada pelo valor de trezentos e vinte e sete mil, seiscentos e dez escudos e noventa e oito centavos (327610$98) em vinte e cinco de Novembro do mesmo ano. Para o efeito a Direcção de Obras Públicas adquiriu um terreno a Manuel Plácido de Freitas que confinava pelo Norte com o caminho municipal, pelo Sul com a Capela de S. José, pelo Este com Manuel da Mota e pelo Oeste com o caminho da Achada. Em Outubro de 1950 a obra foi dada por finalizada e o edifício mantém-se até hoje nas mesmas funções. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com)
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Não se conhece a data exacta da opção dos ingleses pela Camacha. Contudo sabe-se que pela segunda década de 1800 já diversos cidadãos britânicos tinham adquirido terrenos na localidade e a meados do século dezanove um significativo número aqui passava os meses de Verão. Numa carta enviada em 1856 para Inglaterra um Pastor da Igreja Inglesa, Alexander J. D. D’Orsey, relatava “ I rejoice to admit that I officiate in the house of one of my congregation, at Camacha, a place where during summer, there are often sixty English” [i]( É com alegria que admito que fiz uma missa na casa de um dos meus congregantes na Camacha, um lugar onde durante o Verão estão normalmente sessenta Ingleses). Atendendo que a população local era, por esses anos, à volta de mil e duzentas pessoas a quantidade de cidadãos britânicos era significativa. Em 1860, no British Medical Journal[ii] traz um artigo assinado por C. Bahram no qual dedica um pequeno espaço à Camacha: “ The scenery is wonderfully beautiful, and the air so light and elastic that mere existence is a luxury... We had a cottage in Camacha; but we lived , I may say, in the open air, seldom going into the house in the day time. Nobody ever caught cold or was hill in those happy summers” ( A paisagem é lindíssima e o ar tão leve e elástico que a mera existência é um luxo ... Tínhamos um chalé na Camacha; mas vivíamos, posso dizer, ao ar livre, raramente entrando em casa durante o dia. Nunca ninguém ficou constipado ou doente naqueles Verões felizes). Quase trinta anos mais tarde vimos encontrar mais um testemunho, desta vez não assinado mas inserido na Blackwood's Edinburgh Magazine de Março de 1888. “At Camacha, which I mention because I spend a summer there, the temperature from July to September is 8 or 9 ( degrees ) lower than in Funchal. At mid-day it is often hot; but mid-day only a “ fool or an English-man” takes is active exercise. The word Camacha brings back to me many pleasant memories... playing «rounders» with us at the Achada _ the village common at Camacha_ to our great happiness, to delight of the Camacha boys, and the wonder and contempt of the Camacha elders, _ memories of the peasants on the Sundays _ endimanchès; _ the women and children in picturesque bright -colored garments ; the men not always sober, alas! They have few pleasures and the country wine is the kind of wich a man «get’s forr’arder»; nor is aguardiente wanting to make them happier” (Na Camacha, que menciono porque passei lá o Verão, a temperatura de Julho a Setembro é 8 ou 9 graus mais baixa do que no Funchal. Geralmente faz muito calor ao meio-dia; mas ao meio-dia apenas um “tolo ou um inglês” faz exercício activo. A palavra Camacha traz-me muitas boas recordações ... a brincar connosco «rounders» na Achada _ o logradouro comum da Camacha_ para nossa grande alegria, para deleite dos rapazes da Camacha, e para o espanto e desdém dos mais velhos da Camacha, _ memórias dos camponeses aos domingos _ endimanchès; _ as mulheres e crianças em trajes pitorescos de cores vivas; os homens nem sempre sóbrios, Ai-ai! Eles têm poucos prazeres e o vinho do campo é do tipo que um homem «get's forr'arder»; nem a aguardente espera torná-los mais contentes...).[iii] Em Agosto do ano seguinte o Diário de Notícias[i] trazia um anúncio a informar que a missa de Domingo da Igreja Inglesa iria se realizar na Camacha, o que sugere uma forte presença britânica a gozar o Verão na localidade. Esta tendência iria se manter até o final do século dezanove tendo se desvanecido pelos inícios do século vinte à medida que as viagens para Inglaterra foram se tornando mais fáceis e por cá surgindo acessos viários mais rápidos a outras localidades. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i]A Letter to the Churchwardens of the English Church, Becco dos Aranhas ... - Alexander James Donald D'ORSEY - Google Livros
[ii] British Medical Journal: BMJ. 1860 - Google Livros [iii] Blackwood's Edinburgh Magazine - Google Livros [iv] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias Por Setembro de 1882, a vida na Madeira decorria pacata. Pelo menos é isso que se depreende da leitura de alguns jornais, recheados de pequenos nadas. Entre anedotas e curtos anúncios lá vinha a notícia do aniversário da Dona Maria das Mercês, do Dr. Nicholas que saiu para Inglaterra, o talvez que o senhor Visconde da Calçada vá ser Governador substituto, a reabertura do Club Funchalense que deveria estar para breve... Mas, na Camacha, a pacífica monotonia viu-se de repente agitada por um incidente criminal que mereceu notícia de jornal: ROUBO DE CAMELIAS Há tempos um rapaz roubou alguns pés de camelias na quinta do Sr. Morgado Agostinho d’Ornellas, na Camacha; o quinteiro soube e avisou-o para que lh’os entregasse senão que... mas a mãe do dito rapaz, que é uma vibora, não deixou entregal-os, por malvadez, senão depois de as escaldar em agua quente! São testemunhas deste facto as familias de João Duarte e Nicolau de Souza d’aquella freguezia. Ainda ha pouco o ratoneiro insultou o dito quinteiro, que é um pobre velho e já depois d’este insulto houve outro furto de mato na referida quinta. Funchal, 23 de Setembro 1882[i] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias
A Achada da Camacha, graças às suas características algo raras na nossa ilha, foi ao longo dos tempos a opção ideal para as mais diversas actividades lúdicas de diferentes grupos de pessoas da sociedade civil. Mas não só. Os militares também recorriam ocasionalmente a este espaço para executarem os seus exercícios e no início do século vinte foi, em diversas ocasiões, a opção para ministrar instrução militar. Em 1916 os militares promoveram a Festa da Árvore que ocorreu no dia 27 de Fevereiro, em todas as escolas do distrito conjuntamente com alunos da instrução militar preparatória e guarda fiscal. A Camacha recebeu o evento principal, com direito a destaque nos jornais da época através da publicação do programa da festa[i], do qual se destaca o papel da Tuna Camachense no seu decorrer que nos traz um testemunho da qualidade e antiguidade desta actividade musical que, felizmente, ainda hoje perdura. A Festa da Arvore Na Camacha Domingo 27 do corrente 1ª PARTE 1º _ Concentração às 11 horas, no adro da Igreja dos alunos das escolas primárias de ambos os sexos, sendo cantados hinos, como inicio brilhante do grande momento civico. 2º_ Cortejo civico formado pelos mesmos alunos que partirão do referido local e seguirão para o amplo campo da Achada, onde serão recebidos entusiasticamente com canções patrioticas cantadas pelo “orfeon” do Nucelo dos alunos da I.M. Preparatoria, que aquela hora se achara ali devidamente formado. 3º_ Cerimonia solêne da incorporação do corpo de alunos da I. M. Preparatoria, da Bandeira Nacional, abrilhantada com a cooperação da Tuna Camachense que na ocasião executará o Hino Nacional. 4º_ Plantação das arvores pelos alunos e alunas das Escolas Primarias e I. M. Preparatoria. _ Discursos alusivos à festa._ Recitações de poesias pelos alunos e alunas das escolas. _ Hinos e canções patrioticas. 2ª PARTE 1º_ Exercicios de ginástica suéca executados pelos alunos da escola do sexo masculino e I. M. Preparatória. Jogos a prémio 2º _ Na Berlinda_ Diversão disputada pelos alunos da escola do sexo feminino. 3º_ Corrida do ovo pelos alunos da escola do sexo masculino. 4º_ Saltos em altura pelos alunos da I. M. Preparatoria. 5º_ Saltos em extensão, idem. 6º _Corrida de sacos, idem. 7º_ Lançamento da bola ou barra, idem. 8º_ Luta de tracção, idem. 9º_Corrida de tres pernas, idem. 10º- Corrida de velocidade. 11º_ Corrida de obstáculos naturais e artificiais. Durante a festa a Tuna da Camacha executará vários trechos do seu reportório. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias
Desde os primórdios do povoamento que construir e manter estradas transitáveis na Madeira constituiu um desafio hercúleo. Durante quase seis séculos as estradas eram poucas e de parca qualidade. Em meados do século dezanove Manuel José Júlio Guerra, Major do Corpo de Engenheiros elaborou um “Mapa descriptivo do estado em que se achão as communicações da Ilha da Madeira, os melhoramentos que percisão e as quantias que se julgam necessarias para se levarem a effeito. Funchal 9 de Fevereiro de 1846.”[i] Nesse estudo o autor resumiu os pontos principais das diversas estradas. A estrada entre o Funchal e a Camacha foi assim descrita: S. Filipe, Ponte e Fonte do Farrobo, Tanquinhos, Ponte de Madeira, Palheiro do Ferreiro, Ladeira Grande, Achada dos Barreiros, Igreja da Camacha, Ribeira de Pedro Lourenço. O percurso até a Camacha media três léguas e gastavam-se quatro horas para o realizar. Apesar desta estrada estar sob a alçada das Obras Públicas, ao longo dos tempos foram diversas as iniciativas de privados para efectuar reparações ao longo da mesma. James Bean e outros cidadãos britânicos contribuíram significativamente para as reparações da estrada aquando da aluvião de 1842 e Robert Taylor em 1861 promoveu uma subscrição com o mesmo objectivo visto a mesma estrada estar intransitável[ii]. Até meados do século vinte e sofrendo pequenos melhoramentos ao longo dos tempos, esta foi a principal estrada a ligar a Camacha ao Funchal. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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