História, histórias e curiosidades
Decorria o mês Julho de 1928 quando a Camacha começou a beneficiar de outro importante melhoramento. Ainda sem a estrada que ambicionava, mas já com velhos caminhos adaptados à circulação de automóveis, teve início, a dezanove do referido mês, o primeiro serviço de transporte colectivo devidamente promovido nos jornais da altura, através de um pequeno anúncio: “Carreiras de Horário entre o Funchal e Camacha O automovel nº 483, a partir d’amanhã, sai todos os dias da Camacha às 8 horas da manhã, e volta do Funchal áquela bela estancia ás 5 horas da tarde, saindo do Largo do Pelourinho.”[i] Desde o Verão do ano anterior que já existia um serviço de natureza semelhante, contudo não era diário e era destinado a turistas que adquirissem um pacote promovido pelo Hotel da Camacha. O serviço que então nascia, a exemplo do que já existia noutras localidades, seria realizado por uma viatura ligeira, do tipo das da foto com que se ilustra este artigo e destinava-se à população local. Também se pode presumir que o seu condutor e eventualmente proprietário residia na Camacha, uma vez que era daqui que saia logo pela manhã, no entanto não se conseguiu, até o momento, obter mais informações. O Horário, na forma de autocarro surgiu mais tarde, provavelmente no ano seguinte com a Empresa Camachense de Automóveis e, se bem, que tenha aumentado o número de passageiros em cada viagem, a limitação de horários condicionou a completa eficácia do serviço durante muitos anos. Recorde-se que, por exemplo, os rapazes estudantes no Funchal em finais de quarente e inícios de cinquenta, iam bem cedo pela manhã a pé até o Lombo da Quinta, para apanharem aí um autocarro que os levasse a tempo da primeira aula na Escola Industrial do Funchal. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais
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Aos onze dias do mês de Novembro de 1904 no sítio do Rochão, em casa de residência de João Vieira Cardozo, perante o notário público de Santa Cruz, Arsénio Alvares de Freitas, reuniram-se José Barreto Couto, Francisco de Quintal, Manoel de Quintal Sénior, Francisco de Freitas Semilhas, José Barreto Velho, José de Freitas Cai-Água, José Rodrigues, João Gonçalves, António Gonçalves, António de Freitas Ratão, António Vectúrio Baptista, Júlio de Vasconcelos, Júlio Rodrigues, António Barreto Vinagre, José Teixeira das Neves, João de Freitas Ratão, João Vieira Cardozo, João Teixeira Pedras, Manoel de Freitas Cai-Água, todos lavradores moradores no Rochão; António Pedro Vieira, António Caldeira, José António Ferreira, José Baptista, António de Gouveia Branco, igualmente lavradores moradores no Ribeiro Serrão e José da Mota e Nóbrega, morador no sítio da Igreja. O objectivo desta reunião foi o de fazer uma escritura para uma sociedade anónima por quotas que pretenderam constituir[i]. A Sociedade Santa Isabel teria sede no sítio do Rochão e tinha por objecto a compra e venda de géneros alimentícios e bebidas, pelo preço mais favorável. O artigo quarto deste pacto determinava o dia dezanove do mesmo mês de Novembro de 1904, como a data de início das suas práticas e previa a sua durabilidade enquanto a sua dissolução não fosse resolvida por deliberação de dois terços dos sócios em assembleia geral. O capital social foi constituído com quinhentos mil reis, dividido em vinte e cinco quotas de vinte mil reis, correspondentes a igual número de sócios e a divisão de lucros só seria considerada dois anos após a constituição da sociedade. A Gerência ficou a cargo de António Gouveia Branco, António Barreto Vinagre, José de Freitas Cai-Água, José da Mota e Nóbrega, Francisco de Quintal e Júlio Vasconcelos e a revisão das contas da responsabilidade de José António Ferreira, António Caldeira, António Pedro Vieira. António Gouveia Branco acumulou funções sendo também Presidente da Assembleia Geral, cujo secretário foi João Vieira Cardozo. Exerceriam estas funções até a assembleia geral decidir ao contrário e estavam obrigados a fazer prestação de contas de três em três meses. Os sócios estavam obrigados a comprar no estabelecimento social todos os géneros que necessitarem para o seu consumo e das suas famílias, sob pena de pagamento de multas: a primeira vez de dois mil e quinhentos reis; a segunda vez de cinco mil reis e à terceira perdia capacidade de sócio, revertendo as suas quotas para benefício da sociedade. António de Gouveia Branco era a excepção a esta regra, ficando isento de lá comprar mas obrigado a manter uma desnatadeira em pleno funcionamento para usufruto dos sócios. O pacto impunha ainda a proibição de concorrência, decretando uma multa no valor de cinquenta mil reis ao sócio que abrisse Venda no Rochão. O estabelecimento funcionaria numa casa no Rochão pertencente a João Viera Cardozo, a qual a sociedade arrendou por cinco anos, renováveis por iguais períodos, e pelo valor de trinta e cinco mil reis. O vendeiro, João Vieira Cardozo, estava obrigado a manter a loja aberta todo o dia e no horário nocturno enquanto houvesse quem comprar, sob pena de pagamento de multa no valor de dois mil e quinhentos reis. Até o momento não foi possível apurar quanto tempo terá durado esta sociedade. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Alguns nomes de sócios podem não estar inteiramente correctos, dado o original estar redigido à mão e ter acontecido, da minha parte, uma leitura incorrecta
Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Notariais, Cartório Notarial: Santa Cruz - 1º Ofício A década de vinte, do século passado, foi na Camacha um período de crescimento e desenvolvimento. Apesar de ser, de certa forma, ignorada pelas opções de investimento dos governantes de então, entre a sua população as mentes mais empreendedoras animaram diversas vertentes que fazem dessa década rica em pequenos passos que impulsionaram a sua modernidade nas diversas áreas: económicas, culturais ou desportivas. Já na década anterior, de quando em quando tinham surgido clubes de futebol (vide Clubs de foot-ball), contudo os anos difíceis da primeira grande guerra terão vindo cortar o ímpeto desportivo. Com o regresso à normalidade, a finalizar o ano de 1921 surgiu o Restauração, o qual se promoveu publicando um anúncio no Diário da Madeira a convidar os clubes madeirenses de então para jogar. Mais informava o anúncio que o clube tinha “três teams”, só aceitava jogos no seu campo da Achada da Camacha e que para se inscreverem os clubes deveriam manifestar essa vontade escrevendo para Aires Ferreira, Sítio da Achadinha, Freguesia da Camacha. Desconhece-se o resultado desta iniciativa, todavia presume-se que o dito clube não terá durado muito pois em 1923 as referências que se encontram são ao Camachense que com a sua camisola preta e amarela, assinalou a sua presença, realizando jogos não só na Achada como também em Machico, onde sofreu uma infeliz derrota por oito a zero perante o Canicense e no Campo Almirante Reis, onde empatou a um golo contra a mesma equipa, em Maio de 1923. Em 1924 já só se encontram referências ao Esperança Foot-ball Club que logo em Janeiro solicitou, à Câmara Municipal de Santa Cruz, num ofício assinado pelo presidente da direcção Frederico Caldeira, licença para realizar melhoramentos no campo das Achada a fim de o tornar mais adequado aos jogos que ali se realizavam, o que denota capacidade de iniciativa e elevado grau de organização. Em 1926, a coexistir com o Esperança surge o Mocidade Foot-ball Club que contava com Manuel Campos como «aza» esquerda, António Gouveia, extremo direito e Jorge, «aza» direita. Para além de jogarem entre si, tanto um como outro realizavam, quer na Camacha quer fora dela, jogos com os diversos clubes madeirenses da época. Uma descrição de um jogo realizado em Março de 1926, em que o Mocidade enfrentou o Barreirense no “Stadium do Club Desportivo Nacional”, Campo dos Barreiros é deveras elucidativa do tipo de futebol que se praticava na altura. “Neste encontro o «Mocidade» foi forçado a abandonar o campo devido a má conduta seguida pelos jogadores adversários. Na primeira parte o jogo correu meio animado ainda que tivessem surgido algumas violências desagradáveis que obrigaram os homens do «Mocidade» a protestarem junto do juiz de campo, declarando que se o «Barreirense» continuasse nas suas deslealdades abandonariam o campo. Pois se a primeira parte não agradou a segunda foi peor, foi mesmo uma lástima. Os trucs aumentaram, o keeper ao tentar uma defesa foi derrubado e depois de se encontrar no solo, caíram-lhe os avançados do «Barreirense» em cima aos pontapés, resultando ficar aquele jogador com algumas contusões no corpo e com a face ensanguentada. O «Mocidade» perante tamanha violencia repetiu os seus protestos ao juiz de campo mas êste não tomou providencias precisas. Devido a isso, ao repetir-se nova avançada do «Barreirense» e quando o guarda-rede do «Mocidade» pretendia defender a bola, é aquêle de novo atirado ao chão aplicando lhe um jogador adversário um pontapé na cabeça. Em face a tudo isto e porque o arbitro nunca quis atender às reclamações do «Mocidade», êste abandonou o campo porque não estava disposto a continuar a jogar com gente que tão cabalmente demonstrou nada perceber de futebol. “[i] Em 1930 a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Santa Cruz proibiu a prática de futebol na Achada, sob pena de multa e procedimento criminal, o que naturalmente abalou a prática desta modalidade na Camacha. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário da Madeira
Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Actas da Câmara Municipal de Santa Cruz Na freguesia da Camacha já está montado um telefone, na propriedade do senhor Alfredo de Nóbrega, devendo esta ligação prestar os mais relevantes serviços à população daquela freguesia, sempre que haja necessidade de comunicar urgentemente com o Funchal. A Camacha que não dispõe de médico com residência fixa na localidade, fica assim habilitada em um período de tempo relativamente curto a poder chamar um medico em casos de urgência, tanto mais que já tem a servi-la uma estrada, via Caniço, sítio da Cruz, por onde podem transitar automóveis, como já tivemos ocasião de verificar. Pelo referido telefone pode se fazer ligação para o magnifico hotel que os srs. Frederico Rodrigues e José Rodrigues Vigia possuem na antiga quinta do doutor Grabham…”[i] Esta foi a notícia através da qual o Diário da Madeira, em 19 de Novembro de 1927, informou os seus leitores de mais este pequeno grande passo, dado pela Camacha no seu esforço de acompanhar o progresso tecnológico do início do século vinte. Assim como outras pretensões, foi uma espera longa até que a Camacha visse satisfeita a sua aspiração. A rede telefónica do Funchal foi inaugurada no dia 5 de Outubro de 1911 e em 1915 foi apresentado um pedido pela Câmara Municipal do Funchal para alargar a rede aos meios rurais. Vontade havia mas careciam os meios e em 1924 os 720 telefones existentes concentravam-se no Funchal. Tecnicamente falando, também terá sido nesse ano que à Camacha chegou o primeiro telefone, instalado pela Câmara Municipal do Funchal na casa de abrigo do Poiso, pelo que, na prática, não estava efectivamente a serviço da Camacha. Em 5 de Fevereiro de 1926 a Comissão Executiva da Junta Geral deliberou solicitar ao Chefe da Secção Eléctrica a instalação de um telefone na Camacha no entanto isso não se concretizou. Entretanto a Administração Geral dos Correios e Telegrafos estava a proceder à montagem de uma rede que apenas ligaria Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Calheta, Ponta do Pargo, Porto Moniz, S. Vicente, Ponta Delgada, Santana, Machico e Santa Cruz. A Junta Geral fez um pedido para que a Administração alargasse a outras freguesias, entre elas a Camacha, que considerava necessitarem desse melhoramento. A Administração do Correios acedeu a cobrir o custo de 25% tendo em Janeiro de 1927 apresentado um orçamento final no valor de 159.563$26, sendo que para trazer a linha de telefone até a Camacha previa um custo de 13.663$56. Entre as dezasseis freguesias que iriam beneficiar deste equipamento, a Camacha tinha o quarto custo mais caro, sendo superada pelo Seixal(14mil), S. Jorge(15mil) e Santo da Serra (17mil) e logo abaixo, em quinto, estava a Fajã da Ovelha com menos sessenta e um escudos. Os valores decresciam para 10 mil para Câmara de Lobos e Prazeres; nove para Canhas, Madalena e Faial; oito para o Campanário e Arco da Calheta; sete para a Boaventura; seis para o Estreito da Calheta e o mais barato foi o Caniço na ordem dos quatro mil. Pode-se presumir que nesse ano a rede terá ficado concluída. Em relação ao telefone instalado na Camacha, apesar de a notícia no Diário da Madeira não especificar em que parte da propriedade do Sr. Alfredo Ferreira de Nóbrega teria sido instalado o telefone, o mais provável é ter sido naquele que tinha acesso público livre, o edifício Estrela da Manhã (à esquerda na foto). Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário da Madeira
SILVA (Fernando Augusto da) & MENESES (Carlos Azevedo de)-Elucidário madeirense-3.vol |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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