História, histórias e curiosidades
Da leitura das actas das vereações da Câmara Municipal de Santa Cruz, ao longo do século XIX, retira-se que, apesar de nem sempre os camacheiros estarem presentes na estrutura da administração local, não se demitiram de assumir as responsabilidades a que foram chamados.
Enquanto Vereadores, a Camacha contou com três, entre 1822 e o final do século. Os Vereadores de então eram escolhidos entre os membros da elite local e esse papel coube, maioritariamente, a António Leandro de Vasconcelos que o desempenhou intermitentemente entre 1822 e 1875, quase até o fim da sua vida, uma vez que faleceu com a idade de oitenta e quatro anos, em Março 1877. Os seus mandatos foram variando ao sabor das diversas reformas administrativas que se verificaram no decorrer do século XIX e alternaram entre um e três anos, intercalados com alguns períodos em que a Camacha perdeu o seu representante. Para além de Vereador, António Leandro assumiu também o cargo de Juiz (vede Juízes de outrora), de Juiz Almotacel[i] em 1825, de Presidente da Junta da Paróquia em 1869. Ocasionalmente foi também chamado a desempenhar esporádicas funções, como a de Jurado de Abuso da Liberdade de Imprensa, em 1851. Em 1875 o seu filho, Filipe Júlio de Vasconcelos, assumiu o papel de Vereador e eventualmente, a exemplo António Leandro, manter-se-ia largos anos nesse cargo não fora a sua morte precoce, com a idade de cinquenta e dois anos, em Julho de 1877, quatro meses após o falecimento do seu pai. Ainda em 1876 Manuel Filipe Gomes assumiu o cargo de vereador até o final do século, tendo desempenhado também nesse período os cargos de Vice- Presidente e Presidente da Câmara. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com)
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Para além de juízes e regedores, outros cargos de serviço público foram desempenhados por diferentes camacheiros, ao longo dos tempos. É um desses cargos de outrora que hoje é objecto neste artigo: o Multador do Finto[i]. O Finto foi um imposto criado em 1668, originalmente destinado a custear as despesas militares do Reino. Em 1722 esse imposto foi restruturado para o Finto dos quatro e meio, fixando um valor de 9000 cruzados anuais, que a Madeira deveria pagar ao Reino. Esse valor deveria ser repartido pelos diferentes concelhos e freguesias, mas ao que tudo indica toda a ilha foi bastante relapsa quanto a essa obrigação. Este imposto foi abolido em 1832, tendo se mantido, a sua colecta na Madeira, até 1861. A cobrança era da responsabilidade das câmaras que faziam eleger nas suas vereações dois Multadores por freguesia. Ao Multador competia repartir pela freguesia os valores estipulados calculando quanto é que cada contribuinte deveria pagar. Os contribuintes eram os cabeças de casal, homens casados ou solteiros e viúvas, que possuíssem rendimentos, ficando parte da população fora destes encargos. Das actas das vereações da Câmara de Santa Cruz, retirou-se a lista que se apresenta abaixo, na qual constam os camacheiros eleitos para desempenharem estas funções em diferentes anos, apenas entre 1814 e 1833, não se tendo encontrado mais, quaisquer, outras referências relativas a este tema que nos permitissem apresentar um quadro mais completo. 1814 – José Miranda e Manuel de Freitas Feitor; 1815 – João Teixeira das Neves e Sebastião Teixeira; 1818 – Francisco Teixeira; 1820 – José de Gouveia, dos Salgados; 1822 – António Emidio de Sousa e Manuel Silvério Baptista; 1823 – José de Miranda; 1826 – Manuel Silvério Baptista, José de Freitas Feitor; 1828 – José Freitas Gonçalves e José Teixeira das Neves; 1829 – José Freitas Gonçalves e José Teixeira das Neves; 1833– José de Freitas Gonçalves, Casais de Além. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] https://www.researchgate.net/publication/327042804_Poder_Municipal_e_Poder_Central_A_Camara_do_Funchal_e_a_Cobranca_do_Finto_na_Segunda_Metade_de_Setecentos
O-DEVE-E-O-HAVER-DAS-FINANCAS-DA-MADEIRA-Vol-I-Financas-Publicas-e-Fiscalidade-na-Madeira-nos-Seculos-XV-a-XXI.pdf (researchgate.net) ABM - Actas das Vereações da Câmara Municipal de Santa Cruz O primeiro que, se tem notícia[i], foi Domingos de Freitas, Juiz da Vintena, em 1796. Estes juízes não necessitavam ter formação, eram eleitos pela Câmara Municipal para exercerem nas pequenas aldeias, com mais de vinte fogos. Em regra julgavam apenas verbalmente e apenas causas de pequeno valor. Nas duas primeiras décadas do século dezanove, surgem-nos referências a Juiz Pedâneo. Assim como o Juiz de Vintena, o Juiz Pedâneo não era, ou não necessitava ser letrado, bastava-lhe ter reconhecimento na sua terra e muitas vezes pertencia à elite das pequenas aldeias onde exercia. Pedâneo advém do facto de julgar de pé, ou seja não existia nas aldeias um local específico para a o juiz exercer a sua autoridade. Sob esta designação surge-nos em 1818 Francisco Teixeira e em 1820 José de Freitas, da Achadinha eleito nesta data para substituir António Emídio de Sousa, também da Achadinha. A Carta Constitucional de 1826 criou a função de Juiz de Paz que veio substituir as anteriores designações e cuja principal competência era a de tentar reconciliação entre partes, a fim de evitar o recurso aos tribunais. Ao longo do século dezanove a função ganhou e perdeu poderes, ora apenas conciliando ora tendo o poder de julgar e sancionar. Segundo o decreto 24º de 16 de Maio de 1832 deveriam ser eleitos pelo povo, em assembleia de chefes de família, ou pelas pessoas que governavam o concelho mas, ao que tudo indica, acabaram por ser “eleitos” nas sessões de vereação da Câmara de Santa Cruz. A sua jurisdição teve inicialmente a duração de um ano e a partir de 1841 teria, por decreto, a duração de dois anos. A avaliar pela lista abaixo, na prática isso não se verificou, para além de que os nomes dos eleitos acabaram por se concentrar, praticamente, num mesmo grupo de pessoas: 1844 - João da Mota, José Teixeira das Neves (1º substituto), José João de Freitas (2º substituto); 1846 – João Teixeira, do Pinheirinho, José João de Freitas Gonçalves, da Achadinha(1º substituto), António Emídio de Sousa, Achadinha (2º substituto); 1851- João Elias Baptista, José João de Freitas(1º substituto), José Teixeira das Neves (2º substituto); 1852 - José João de Freitas, Francisco Gouveia(1º substituto), João Elias Baptista(2º substituto); 1856 -João Ferreira Pinheirinho, António Emídio de Sousa(1º substituto), Francisco de Gouveia (2º substituto); 1857 – António Leandro de Vasconcelos, João Ferreira(1º substituto), Francisco Gouveia(2º substituto); 1859- José Teixeira das Neves, José Joaquim de Sá, Francisco de Gouveia(2º substituto); 1861- António Leandro de Vasconcelos, Manuel Gonçalves(1º substituto), José Teixeira das Neves (2º substituto); 1863 – Filipe Júlio de Vasconcelos, José Teixeira das Neves(1º substituto), José Joaquim de Sá (2º substituto); 1869 – Filipe Júlio de Vasconcelos, José Joaquim de Sá(1º substituto), Manuel Filipe Gomes (2º substituto); 1873- Manuel Filipe Gomes, José Joaquim de Sá (1º substituto). No final do século dezanove a Camacha perdeu o seu juiz devido à junção com o Caniço que sendo mais populoso impunha o seu candidato. Eventualmente terá recuperado com a implantação da República sendo esta função, desempenhada pelo regedor. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] A pesquisa para esta lista foi apenas realizada nas actas das Vereações da Câmara Municipal de Santa Cruz, pelo que este artigo traduz somente esses dados.
Vereações Câmara Municipal de Santa Cruz, Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira A primeira camacheira a colher as flores do seu jardim e a se pôr a caminho do Funchal, para as vender, com certeza nunca imaginou que com essa decisão estaria a lançar uma actividade que faria das suas seguidoras as “madeirenses mais fotografadas do mundo”, como as classificou o Diário de Notícias, num artigo em Julho de 1972[i]. Como já aqui antes referido (Vede Vendedeiras de Flores ) eventualmente essa actividade poderá ter nascido a meados do século XIX, tendo algumas camacheiras substituído a venda de lenha pela de flores. No entanto o suporte documental tem se revelado demasiado parco, para tal se afirmar com toda a certeza. Nas fotografias do Funchal, a partir do final do século XIX, encontram-se diversas que retratam mulheres a venderem flores e apesar de não estarem identificadas como camacheiras, existem outros indícios que nos permitem considerar que efectivamente o seriam. O Diário da Madeira, em Julho de 1913, dava conta numa pequena notícia que “Rufina de Jesus, natural da Camacha, apresentou hontem de manhã queixa no commissariado contra dois individuas que lhe roubaram um ramo de flôres e depois lhe applicaram um sõcco”, o que nos leva a supor que Rufina seria uma vendedeira de flores. Já o artigo no Diário de Notícias, em Setembro de 1929, não deixa margem para dúvidas com o seu apelativo subtítulo “APARECERAM AS PRIMEIRAS VIOLETAS NOS CESTOS DAS «CAMACHEIRAS»”. Conquanto fosse um artigo sobre a chegada do Outono, mereceu destaque o “já é uma nota alegre o cesto da Camacheira que ao sábado nos traz à porta a frescura das flores da sua região”. O artigo de Julho 1972 fornece, também, alguns testemunhos de interesse, nomeadamente o da octogenária que disse exercer a profissão há quarenta anos e que ”quando eu vim vender flores já havia velhinhas nisto! Mas não era aqui! Vendia-se pelos hotéis p’ra lá e pelas portas”. Outra das entrevistadas referiu que “já sou floreira desde os oito anos! Tenho quarenta e seis!”. O artigo não refere nomes das entrevistadas, apenas refere que são naturais da Camacha. Embora os testemunhos escritos sejam poucos a continuidade e prevalência da actividade, até os dias de hoje, fazem desta imagem de marca da Madeira um feito camacheiro, sem esquecer contudo a norma camarária imposta por Fernão de Ornelas[ii] que obrigou ao uso do traje regional, o que contribuiu fortemente para impor a imagem sui generis com que se impôs e a fez sobreviver ao longo dos tempos. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Título do artigo do Diário de Notícias em Julho 1972 da autoria de Luiz Rodrigues e Lurdes Fernandes
ABM – Colecção de Jornais [ii] A 17 de Dezembro de 1936 foi publicada uma Postura sobre vendedeiras ambulantes de flores- A Obra de Fernão Ornelas-MestradoAgostinho Lopes PDF | PDF | Portugal | República (scribd.com) *Foto-Flower seller, Funchal, Madeira, 20th century by Unbekannt (meisterdrucke.uk) |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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