História, histórias e curiosidades
Não é fácil perceber como se posicionaram os camacheiros nas diferentes facções políticas que foram existindo ao longo dos tempos. Se é verdade que a grande maioria da população era iletrada e basicamente preocupada com a sua subsistência do dia a dia, aos poucos o número daqueles que se podiam dar ao luxo de avaliar criticamente a sociedade da sua época foi crescendo e no início do século vinte já se encontram evidências desse facto. Se antes do 5 de Outubro de 1910 existiam já republicanos na Camacha é algo que até agora não foi possível apurar. Sabe-se que a República foi aclamada na Camacha, mas apenas em 11 de Fevereiro de 1912 por “uma turba de divertidos expandiu o seu peito em estos de enthusiasmo doido em favor da liberdade e em honra da Christina... Effectivamente depois de aquecidos os membros e a garganta com o precioso Madeira novo, andaram até altas horas da noite em digressão pelas ruas mais frequentadas dando vivas à Liberdade, à República e não sabemos quantos à Maria Christina... Foi uma festa de arromba, em que à falta de bombo não faltou o fundo da cartola... o povo que dormia não está contente com os ajustes dessa democrática festa... Felizmente chegou à Camacha a República”[i] Em 1918, já com outra seriedade, os camacheiros manifestaram nas eleições gerais de vinte e oito de Abril, as suas escolhas políticas. Curiosamente os 517[ii] eleitores entregaram o seu voto aos candidatos republicanos, apresentados pelo governo de Sidónio Pais, para a Presidência da República e para o Senado. Mas para a Câmara dos Deputados, para além de votarem apenas num dos republicanos propostos, votaram também em Aires de Ornelas, apesar de este se apresentar como candidato monárquico. Também elucidativa quanto ao exercício de cidadania de forma mais activa, é a lista publicada pelo Partido Republicano Português em Julho de 1921 que apresenta o número de 69 cidadãos camacheiros filiados neste partido. Na lista de candidatos a procuradores da Junta Geral em 1922, apresentada pelo PRP surge o nome de Alfredo Ferreira de Nóbrega, como terceiro candidato pelo círculo de Santa Cruz. Em Fevereiro de 1923 nasceu o Partido Republicano Nacionalista e em Junho do mesmo ano organizaram-se e elegeram-se as comissões paroquiais na Madeira. Pela Camacha foram eleitos como efectivos José Quintal Júnior, Aires Victor de Jesus e António Ernesto Martins e como substitutos João Conceição Martins, Manuel da Mata e Manuel Araújo. Este partido teve uma curta existência e logo em 1926 conheceu o seu fim, suplantado pela efervescência política e social que então se vivia no país. As consequentes ditaduras adormeceram a actividade política dos camacheiros, até que 74 trouxe novo vigor e liberdade de escolha. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com)
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É facto conhecido que os cidadãos britânicos, instalados na Madeira, adoptaram a Camacha como sua, tanto quanto se sabe a partir da segunda década do século dezanove. Para além do testemunho que deixaram nas suas quintas, quer em património edificado quer em património natural, com a introdução de variadíssimas plantas que trouxeram para os seus jardins, aqui e ali vão-se encontrando relatos de visitas, estadas mais ou menos longas que nos vão retratando a Camacha desses tempos. Mas houve quem levasse a sua paixão pela Camacha um pouco mais longe (e sem ser propriamente camacheiro). Camacha, Chine Road, Bournemouth, era o endereço de um Reverendo Phelps, no sul de Inglaterra pelos finais de 1800. O endereço hoje já não existe e nada mais se conseguiu apurar quanto ao porquê desta escolha, mas não deixa de ser uma nota curiosa que nos apela ao orgulho bairrista. E Camacha é também uma melodia composta em 1919, por Benjamin Mansell Ramsey (1849-1923), professor de música na Bournemouth Grammar School[i]. Aqui conseguiu-se um pouco mais de informação e que até, curiosamente, vem completar um artigo já aqui antes publicado. Ramsey compôs esta música no ano em que morreu o seu filho Lawrence e ao que tudo indica a ele dedicada. Lawrence, o mais novo de seis, nasceu em 1886 e tinha já trinta anos quando na Primeira Guerra integrou o 5º Batalhão de Fuzileiros de Londres. Em 1916 embarcou para França onde foi ferido no rosto e numa mão. Esteve hospitalizado, voltou para Inglaterra, tendo sido dispensado ainda nesse ano, por apresentar distúrbios de origem nervosa. Faleceu em Janeiro de 1919 num hospital psiquiátrico. Não se sabe quando, na sua curta vida, terá estado pela Camacha, mas presume-se que esteve e que a levou para sua casa em Bournemouth, a qual baptizou com o mesmo nome. A sua irmã Lilian Fairbrother Ramsey (L.F. Ramsey-1877–1974) terá sido a autora do conto anteriormente aqui publicado Pansies for Thoughts https://camacha.weebly.com/camacha/amores-perfeitos) o qual constitui um interessante testemunho da vida camacheira, pelos inícios do século vinte e atribui a esta família uma efectiva e afectiva ligação à Camacha. A melodia Camacha pode ser ouvida aqui Teach Me Thy Way, O Lord (CAMACHA) - YouTube Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Desconhece-se em absoluto a posição dos camacheiros relativamente à questão que se viveu no país e na Madeira na segunda e inícios da terceira, décadas de 1800. D. Miguel ou D. Pedro? Para que lado se inclinavam as preferências dos camacheiros é uma incógnita que, provavelmente, ficará sempre por esclarecer. Nem nos poucos jornais da época, nem em documentos oficiais, se encontram informações ou sequer indícios que elucidem nesse sentido. As actas das sessões da Câmara de Santa Cruz nada deixam transparecer. Inclusivamente no período mais crítico da invasão da facção miguelista, que desembarcou em Machico em Agosto de 1828 e veio se impor vencedora em toda a Madeira, as actas foram riscadas de tal forma que nada se consegue ler. Curiosamente foi na imprensa estrangeira que se encontrou primeiro alguma informação, não propriamente sobre a opinião dos camacheiros a propósito da questão, mas sobre aquilo que se passou na Camacha e que naturalmente terá afectado o pacato decorrer da bucólica localidade. O jornal London Evening Standard[i] de 24 de Setembro de 1828 publicou um artigo intitulado Lisbon Papers Official, o qual era uma tradução integral de um ofício do comandante da expedição miguelista enviada à Madeira, José António de Azevedo Lemos, remetido ao Estado Maior General, a dar conta do sucesso da diligência. No que diz respeito à Camacha sabe-se por este documento[ii] que José Lúcio Travassos Valdês, então governador, sendo fiel a D. Pedro e aos princípios Liberais, instalou nesta localidade parte das defesas, com o objectivo de bloquear o acesso das tropas invasoras ao Funchal. Segundo o testemunho do comandante invasor seriam “hum obuz no Palheiro do Ferreiro, tres peças (três canhões) no sitio da Camacha, lugares contíguos, com huma força de Infantaria, e que me esperavâo naquelles desfiladeiros”. O Southern Reporter and Cork[iii], jornal irlandês, na sua edição de 27 de Setembro trouxe um artigo que intitulou “Surrender of Madeira” no qual relata que Valdez, entalado entre os invasores e a facção miguelista em terra, optou por instalar o seu quartel-general na Camacha, com as ditas três peças de artilharia e cerca de mil homens de infantaria. Apesar de todo o aparato não chegou a ocorrer qualquer confronto dado que “então os rebeldes conhecendo, que hião ser cortados, começarão a retirar-se com as peças de campanha, puchadas a bois, não obstante o que continuei a marcha tomando o caminho que elles occupavão”. Fosse qual fosse a inclinação política dos camacheiros à época, com certeza ninguém há-de ter ficado indiferente a esta situação e terão vivido dias de sobressalto e inquietação. À falta de indícios, resta-nos a imaginação. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Atribuir nomes aos lugares é uma prática tão antiga quanto a própria humanidade e que resultou da necessidade de identificar os espaços através de uma linguagem comum. À medida que as comunidades foram se disseminando, foram-se multiplicando essas designações que se foram transmitindo, em muitos casos apenas verbalmente, ao longo dos séculos.
Muitas retiveram-se na memória colectiva e subsistem até hoje, outras perderam-se no tempo e apenas se encontram em antigos documentos, longe da vista das populações que hoje habitam os locais que outrora designaram. As referências toponímicas da Camacha não são excepção e abaixo apresenta-se uma lista de nomes que ao longo do século dezanove denominavam diversos sítios desta localidade. Foram recolhidas em documentos de actos notariais e naturalmente não representam a totalidade dos sítios da freguesia. Desconhece-se também quais é que, eventualmente, podem estar ainda em uso ou resistir em algumas memórias, mais cativadas pelas coisas antigas. Achadinha: Emoitadas, Fonte da Caldeira, Ribeira da Laranjeira (entre Achadinha e Sítio da Igreja), Richador. Igreja: Emoitadas (Lombo Barreto), Lombo do Moinho, Sítio do Miradouro (Achada), Sítio da Porta da Goleira, Sítio do Fojo. Nogueira: Fonte da Nogueira, Sítio da Horta. Ribeirinha: Ribeira do Miradouro, Fonte da Galinha, Ribeira da Galinha, Pico das Urzas, Ribeiro Fundo, Águas Vertentes, Água d'Alto (ribeira do lado oeste do Hotel ). Ribeiro Fernando: Sítio da Madre d'Água. Rochão: Lombo da Levada, Serra de Água, Achada do Furado. Salgados: Cova da Burra, Lombo da Eira, Sítio dos Saltos, Fajã. Vale Paraíso: Achada das Marcelas, Achada da Ginjeira, Lagoa ou Covão, Curral da Pedra, Sítio, da Achada do Pico, Ribeira d'Água, Sítio dos Barreiros, Lombo dos Barreiros, Sem identificação de Sítio: Achada do Barreiro, Alegracaens, Caldeira das Hortas, Cova da Moura, Covas Mouras, Cova do Carvão e Ervas Moiras( entre Ribeira Pedro Lourenço e Ribeira Porto Novo), Eira velha, Fonte do Cita Christo, Fonte do Forcado, Fonte da Freira, Fonte da Hortelã, Fonte do Junco, Fonte do Sabugo, Lombo dos Brabos, Lombo da Vinha, Passada da Ribeira, Pico Alto, Pico do Curral, Quebrada, Ribeira da Caldeira, Ribeira do Dobrado, Ribeira do Passinho, Ribeiro do Almagre, Ribeiro da Figueira, Rocha da Restinga, Sítio das Casas, Sítio da Cerquinha, Sítio do Pomar, Sítio das Figueiras, Sítio da Guteira, Sítio da Ribeira do Sabão. [i] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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