História, histórias e curiosidades
O culto do divino Espírito Santo veio para a Madeira com os primeiros povoadores. Apesar de serem escassas as fontes que se referem a este tema, conhecemos um pouco da sua disseminação através de um relato do século dezassete[i] que narra a tradição já instalada nas celebrações na Festa de Pentecoste. Com relação à Camacha contamos com uma descrição, provavelmente a mais antiga da ilha presente na imprensa regional, alusiva à vivência popular desta festa religiosa, na forma que hoje conhecemos. Em 1860 José Marciano da Silveira publicou no seu jornal, A Voz do Povo[ii], um poema dedicado à Camacha, no qual integrava algumas estrofes respeitantes à festa do Espírito Santo[iii]. Falava das duas saloias com seus vestidos singelos, do imperador, dos músicos; práticas que, com algumas interrupções pelo caminho, ainda se verificam nos dias de hoje. Perderam-se no tempo, talvez por se terem tornado demasiado obsoletas, a caridade aos doze pobres e os tiros para o ar[iv], mas a sua alusão, juntamente com outros pormenores, enriquece a descrição e dá-nos noção da grandeza da festa. O que o poema não esclarece é o dia da semana em que se realizava o arraial. Essa informação só vamos encontrar em 1880, no Diário de Notícias que publicita o evento previsto para o dia dezassete de Maio, uma segunda-feira. Não era só na Camacha, em que a segunda-feira era o dia escolhido para celebrar o Espírito Santo, mas foi onde adquiriu maior notoriedade regional. Entre as duas últimas décadas do século dezanove e as primeiras do século vinte, são muitas as notícias e anúncios, nos diversos jornais regionais, a falar deste arraial que atraía sempre muita gente das freguesias limítrofes e do Funchal em geral, como se pode constatar nesta publicação inserida no Diário de Notícias de onze de Maio de 1894: “Grande numero de cavallos e carros já estão alugados para àquella festa, pois, é uma attrahente diversão gosar um bello dia abrigado dos calores do sol sob as frondosas arvores da Camacha”. Uma outra notícia do mesmo jornal, já em 1895, diz que o arraial foi “ extraordinariamente concorrido” e que “A’s duas horas da tarde jà não havia ali que comer”. Em 1901 o Diário dizia que no dia da festa não havia um único cavalo na cidade para alugar, pois todos tinham sido alugados para a “ conducção de romeiros àquella festa” Interessante também é apreciar o papel da festa no desenvolvimento do comercio local[v] : Outra particularidade que decorria desta festa, era a espectativa que se criava no Funchal, mais exactamente no sítio da Rebela e estrada Conde Carvalhal onde ocorriam numerosas pessoas, ao final da tarde, para verem passar os romeiros que regressavam do arraial da Camacha. Esses romeiros vinham em veículos denominados “carradas”[vi], profusamente enfeitados com flores e apesar de a partir de certa altura se ter, também, começado a fazer no primeiro de Maio, a tradição nasceu em consequência das festas na Camacha. No Diário da Madeira do dia dezoito de Maio de 1921, uma crónica bem humorada reflecte a relevância da Segunda-Feira da Camacha na vida social de então, dando voz às lamentações de um marido que desequilibrou o seu orçamento mensal para trazer a família e as primas da mulher, à festa na Camacha: “O que quero é... que lá se foi todo o dinheiro dum mês! E depois quem leva no “sarrilho” sou eu. Ora vê lá: dois carros, 60$00; comidas e bebidas, 30$OO, carrada, outros 30S00; automovel para casa, 15$00. Ao todo 135$00”.
Apesar da festa do Espírito Santo da Camacha se ter mantido com todo o fulgor até a década de oitenta do século vinte, esta tradição das carradas há-se ter esvaído pelas primeiras décadas do mesmo século, na medida em que foram se impondo os veículos motorizados. Localmente, não obstante se terem renovado algumas das tradições, o arraial já não tem a envolvência e pujança de outros tempos. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] VIEIRA, Alberto AS FESTAS DO DIVINO, DAS ILHAS PARA O BRASIL- UM CAMINHO AINDA POR REVELAR THE CELEBRATION OF THE ATLANTIC ISLANDS DIVINE HOLY SPIRIT IN BRAZIL- A PATH TO UNFOLD | Alberto Vieira - Academia.edu [ii] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, A Voz do Povo [iii] vede neste blogue a publicação de 13 de Março. [iv] substituídos pelo fogo de artifício [v] Anúncio Diário de Notícias em 10 de Junho 1905- Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, [vi] Até hoje não se conseguiu localizar qualquer documento que descreva eficientemente o dito veículo
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Abril 2024
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