História, histórias e curiosidades
Em trinta de Agosto de 1894 a Câmara de Santa Cruz, em sessão ordinária aprovou por unanimidade, proceder a obras de melhoramento de um antigo caminho que ligava o sítio da Igreja ao Poiso. Considerando que o dito caminho não respondia às necessidades, uma vez que era a principal via de ligação, de todo o concelho de Santa Cruz, ao concelho de Santana e consequentemente ao norte da ilha, o então presidente Joaquim José de Gouveia propôs-se efectuar obras de melhoramento, para transformar o velho caminho numa estrada condigna. Foi também por proposta sua designá-la por Estrada Par do Reino Agostinho d’Ornelas Vasconcelos, considerando os grandes benefícios que este tinha trazido ao concelho e por ser um dos seus filhos mais ilustres. O projecto, assinado pelos engenheiros Carlos Roma Machado de Faria Maia e Adriano Augusto Trigo foi apresentado em quatro de Dezembro de 1894 e assim descrevia a nova estrada: “Este lanço de estrada da Camacha ao Poizo começa em frente do portão da quinta do Morgado Agostinho d’Ornellas[i] e termina no caminho do Porto da Cruz, seguindo quasi sempre a estrada antiga excepto entre os perfis 4 a 11- 36 a 49 e 73 a 90, entre os quais attendendo ao grande declive os desviamos formando no segundo um novo lancete e o terceiro passando na vertente do Lombo das Urzes, opposta ao caminho antigo. Desde o perfil 0 ao perfil 11 segue em rampa de 0,13 c, o pequeno desvio dos perfis 4 a 11 é devido a que além da estrada antiga seguir em curva muito apertada tinha um grande desnivel a vencer, este desvio tornou mais suave a rampa mas tivemos que cortar a casa e propriedade de José Vieira, no sítio do Lombo do Moinho. O desvio entre os perfis 36 e 46 segue a meia encosta passando do nivel a levada do Furado[ii] e tem a rampa maxima de 0,185 em 212,28m de extensão. O desvio entre os perfis 73 a 90 segue egualmente a meia encosta e a sua rampa mais aspera é de 0,243 em 74,00m sendo esta a mais aspera de todo o traçado. As restantes rampas são portanto inferiores a esta, sendo a minima entre os perfir 55 a 57 de 0,03 em 84,00m e rasando num pequeno patamar entre os perfis 31 a 34. Os muros de suporte de alvenaria são apenas entre os perfis 0 a 2,4 a 6, 11 a 15- 17 a 20- 31 a 35- 82 a 84. Nas restantes há terra e escavações pequenas sendo o maximo aterro de 1,67m e a maxima escavação de 1,79.”[iii] Quanto a custos as terraplanagens e transporte de terras em carro de mão, orçaram em 128.865 reais, a calçada à portuguesa custou 375.050 e os muros de suporte, em alvenaria de pedra seca, 762,750. Juntando outros custos burocráticos o valor final da obra ficou em 1:389.000 reais. Por finais de 1899, o quilometro que ligava o Lombo do Moinho ao sítio das Eiras foi dado por concluído e a obra aprovada pela direcção de Obras Públicas. Esta aprovação era fundamental para a Câmara poder obter um subsídio outorgado pelo rei que cobria uma terça parte dos custos, através do Ministério de Obras Públicas e Minas. Tratou-se de um longo processo burocrático que conheceu o seu final em Março de 1901, após o deputado Alberto Botelho o ter apresentado em sessão da Câmara dos Deputados. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com)
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Neste mesmo dia vinte de Agosto, mas em 1919, os principais jornais da Madeira publicaram um pequeno artigo, à laia de anúncio, sobre uma comemoração que iria se realizar na Camacha. Muito castigada pela primeira guerra, dado uma grande parte da sua população ter perdido rendimentos, devido à falta de procura dos artigos de vimes, a Camacha celebrou efusivamente o fim da mesma. Logo no dia treze de Novembro de 1918, dois dias após a assinatura do armistício, um grupo de jovens camacheiros, liderados por Aires Filipe de Jesus, José Quintal, Carlos Jesus e João de Nóbrega, organizou uma manifestação onde foram lançados foguetes e dados vivas aos Aliados, à imprensa do Funchal, à Cruz Vermelha Portuguesa e Americana, ao Exercito e à Pátria. No mês seguinte o comércio local, também para comemorar o fim da guerra, abriu uma subscrição a fim de alegrar o Natal dos mais aflitos. Na mesma ocasião um grupo de senhoras organizou uma novena “Te Deum” e sermão seguindo-se animação no adro pela Filarmónica Artística Madeirense. Em Agosto, do ano seguinte estavam ainda muito presentes as consequências do conflito e naturalmente a vontade de festejar o seu fim fazia todo o sentido. Até porque o típico inverno camacheiro também, não seria muito convidativo para realizar a festa que então se concretizou. “Na Camacha Festa comemorativa da Paz Na pitoresca estancia da Camacha realisa-se no próximo domingo uma grande festa para comemorar a terminação da guerra que tantos males causou áquela freguesia, cuja população, em avulto numero, vive exclusivamente da industria da obra de vimes que sofreu uma completa paralisação durante o terrivel conflito. Na respectiva igreja paroquial celebra-se a festa do Sagrado Coração pelas 8 horas da manhã, havendo por essa ocasião a 1.' comunhão a numero de crianças. Às 11 horas realisa-se uma missa campal na Achada, com sermão pelo distinto orador rev. padre José Marques Jardim. Nesta festa tocarão tres filarmonicas até as 11 horas da noite do domingo, havendo vistosas iluminlções e sendo queimado bastante fogo de artificio. Pelas 4 horas da tarde será organisada uma grande procissão na Achada que Irá até ao sitio do Vale Paraiso, recolhendo em seguida à igreja paroquial. Neste cortejo, segundo se espera, encorporar se hão mais de 600 pessoas de ambos os sexos. No largo da Achada funcionarão dois bazares, cujo produto reverterá em beneficio da pobreza envergonhada da localidade. É de esperar que esta festa faça afluir enorme concorrencia á freguesia da Camacha”[i] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário da Madeira
Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais Agosto é o mês dos arraiais e na Camacha é tido por certo que no último Domingo do mês é a festa do Santíssimo Sacramento. Mas nem sempre foi assim. Em 1862 festejou-se em vinte e dois de Julho, em 1872 em quatro de Agosto, em 1878 passou para vinte do mesmo mês. Na década seguinte andou por Setembro e nos anos noventa regressou ao final de Agosto. Não se sabe quando terá surgido o Cortejo do Fogo, mas numa notícia do Diário de Notícias, de vinte e oito de Agosto de 1896, pode-se constatar que então já se fazia algo semelhante “Consta-nos que se fazem grandes preparativos para esta Festa, que é uma das mais apreciadas dos habitantes da localidade, e concorrida pelos povos das freguezias circumvisinhas, Tocará no arraial a philarmonica Recreio dos Lavradores, depois de ter acompanhado, no sábado, o fogo d'artificio desde a freguezia de S. Martinho até a da Camacha... Arcos de verdura e bandeiras decoram o trajecto da procissão, e o frontespicio do templo será profusamente illuminado” Entrou-se no século vinte celebrando esta festa com “desusado esplendor”[i] e nem a guerra, que tanto afligiu os camacheiros, quebrou o ímpeto ao arraial, aproveitando-se a afluência de visitantes para socorrer os que passavam por dificuldades: “Por occasião d' esta festa, que se effectuará com muito luzimento, haverá um bazar nas immedilações do templo, cujo producto reverterá a favor dos pobres pella Conferencia de S. Vicente de Paulo d'aquella freguezia.”[ii] Em 1923 a festa conheceu outro fulgor com “iluminação a focos eléctricos, fornecida pela fabrica de electricidade do senhor Frederico Rodrigues”[iii] tanto no adro como na Achada, uma realidade que só a meados do século se iria vulgarizar no resto da ilha. A festa decorreu a expensas da Confraria do Santíssimo Sacramento, então dirigida por Manuel Plácido de Freitas e Pedro Laxarte. Uma vez que esta confraria não surge na lista de confrarias legalizadas na Madeira em 1912, pode-se inferir que terá sido criada ou recriada depois dessa data. Desconhece-se a data da criação da primeira Confraria do Santíssimo Sacramento contudo sabe-se que já existia em 1787 através de uma petição dirigida à rainha D. Maria I. Nessa petição o Reitor, António Correia Jarves de Attoguia[iv], residente no Funchal e o Tesoureiro, António Teixeira residente em Igreja Camacha, pediam quatro arrobas de cera e trinta e seis canadas de azeite para “alampada emcada hum anno”[v] alegando só assim poder celebrar a solene festividade do Santíssimo, o que indicia a antiguidade desta festa. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com)
[i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias [ii] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário da Madeira [iii] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias [iv] António Fernandes Correia Jervis de Atouguia. Os seus descendentes venderam uma grande quantidade terrenos no Vale Paraíso e na Nogueira, no decorrer do século dezanove e inícios do século vinte, é de presumir que, já então, fosse essa a sua ligação à Camacha. [v] Torre Do Tombo- Livro Primeiro De Registo De Ordens Expedidas Pelo Real Erário À Junta Da Real Fazenda, p.271 A primeira referência, encontrada até ao momento, à Confraria de S. Lourenço, surge no termo de óbito de Maria Vitória, no mês de Julho de 1689, a qual deixa em testamento um saco de trigo e centeio à dita confraria. Mas só depois do interregno, entre mil e setecentos e mil e setecentos e trinta e oito, em que a freguesia da Camacha esteve de novo sujeita ao Caniço, é que se voltam a encontrar referências, mais precisamente um documento de reconhecimento oficial[i]. É pois em vinte e quatro de Julho de 1742 que o Bispo Dom Frei João do Nascimento, acede ao pedido do Padre Manuel Simão de Gouveia e dos seus paroquianos da Igreja de S. Lourenço da Camacha no qual haviam solicitado autorização para a criação da Confraria e Irmandade de S. Lourenço. De entre estes paroquianos, pode-se presumir que se encontravam os descendentes de Francisco Salgado: Mathias de Freitas Spínola, Simão de Freitas, Francisco Gonçalves Spínola, António Gonçalves Salgado, os mesmos que testemunharam a posse da capela em trinta e oito, do Padre Manuel Simão de Gouveia, aquando do regresso da Camacha ao seu estatuto de freguesia[ii]. O processo de constituição só ficou terminado em oito de Agosto, do mesmo ano, após a sujeição do “Compromisso”, um documento com doze parágrafos ou capítulos que regravam os procedimentos da confraria. Já no final do século dezoito, mais precisamente em 1775, um documento do notário Francisco João Rebelo mostra uma confraria mais profana. Trata-se de um empréstimo de vinte e quatro mil reis, a ser ressarcido em pagamentos de juros de duzentos reis anuais que a Arca da Confraria, na pessoa do seu tesoureiro, Simão de Freitas Spínola um bisneto de Francisco Salgado, faz a Manuel Pires. Por meados do século dezanove, também num documento notarial de 1848, encontra-se uma menção, se bem que indirecta, ao património da Confraria, mais precisamente um terreno no sítio da Igreja. Esse mesmo terreno viria a ser vendido em hasta pública em 1908. O anúncio da repartição da Fazenda Pública do Distrito do Funchal, feito no Diário de Notícias em Julho de 1908 assim o descrevia: “Bens pertencentes à Confraria de S. Lourenço da freguezia da Camacha... 2,972 metros quadrados de terra de semeadura com alguns castanheiros e duas casas terreas, uma coberta de telha e outra de palha, no sitio da Igreja, da freguesia da Camacha: confronta do norte e nascente com a estrada real, sul com a Igreja e poente com Nicolau de Sousa e outros (v. 1) 186$OOO reis.“ E terá se dado, por esta altura, o fim desta primeira Confraria de S. Lourenço, uma vez que em 1912, quando na sequência da implantação da República todas as confrarias tiveram que reorganizar os seus estatutos, de acordo com as novas leis de separação da Igreja e Estado, não surge o nome da mesma na lista, então publicada, das confrarias que poderiam continuar a usufruir dos seus bens. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Diocese do Funchal, Câmara Eclesiástica
[ii] mais sobre este processo pode ser encontrado aqui- Da Ermida à Igreja De S Lourenço Da Camacha (calameo.com) Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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