História, histórias e curiosidades
No dia vinte e oito de Dezembro de 1676 D. Pedro de Bragança, Príncipe Regente em nome do rei Afonso VI, anuindo a um pedido do Bispo do Funchal D. Frei António Telles da Silva, decretou a criação da freguesia de S. Lourenço da Camacha, juntamente com diversas outras novas freguesias. Esse despacho ficou registado no livro da Chancelaria da Ordem de Cristo[i] cujos estratos se apresentam abaixo. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Torre do Tombo, Chancelaria da Ordem de Cristo, liv. 54, p. 182.
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Na toponímia antiga da Camacha existem nomes de lugares que remetem para antigos habitantes da freguesia. Esses nomes persistiram no tempo, mas a memória já não guarda informação sobre essas pessoas antigas. O próprio nome da Camacha é um bom exemplo deste facto pois não se sabe ao certo quem foi e onde habitava em concreto a senhora que deu o nome à nossa terra. Apenas se conjectura que se chamaria Camacha por ser filha de um Camacho ou viúva de algum. Muitos mais topónimos desta natureza se poderiam apontar como, por exemplo, Ribeiro [do] Fernando, Eira [da] Salgada, Lombo Barreto, entre outros. A Achada de Diogo Dias, logo abaixo do cruzamento das Carreiras, é um caso desta natureza, sendo possível atribuir a origem do topónimo a um certo Diogo Dias Saldanha, também referido como Diogo Dias da Serra, que viveu em finais do século XVI. Diogo Dias tinha o cargo de Ouvidor (Juiz) na capitania de Machico e provinha de uma família que Luís Peter Clode (1952, p. 287) refere ser uma importante proprietária no Santo da Serra onde ergueram a primeira igreja paroquial. Embora referido como "da Serra", tudo indica que não fosse residente na Camacha, mas no Caniço onde casou, em 1586, com Dona Maria Catanho. Sem uma pesquisa documental que o informe, não é possível ter uma ideia clara da extensão e importância das suas propriedades na Camacha, então ainda considerada a serra do Caniço. Além da dita Achada, teria outras propriedades como parece sugerir a construção da capela de N. S. da Piedade pelo cónego teologal João Saldanha, um seu descendente, que a erigiu, por alturas de 1686, "no sítio onde chamavam o Pereiro". Que outras histórias existirão por detrás dos nomes dos nossos sítios e lugares? Álvaro Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Referências:
Clode, Luís Peter (1952). Registo genealógico de famílias que passaram à Madeira. Tipografia Comercial: Funchal.p.287. Em 26 de Maio de 1937 decorreu, no salão Nobre dos Paços do Concelho do Funchal, um concurso promovido pela Comissão Administrativa da Câmara do Funchal. Tratou-se de escolher a florista que, de entre as muitas que circulavam pelo Funchal, melhor representasse os ideais impostos pelo concurso, sendo o factor de exclusão o limite máximo de trinta e cinco anos de idade. A eleita receberia um prémio no valor de mil escudos. Os jornais da época estiveram presentes no evento, tendo o Diário de Notícias publicado uma descrição mais alargada: “Festa simples, mas encantadora, alegre e vivificante. Ia realizar-se o anunciado concurso entre as vendedeiras de flôres. Camacheiras na sua grande maioria, caniceiras as outras, todas elas se apresentaram com os fatos com que, pelas ruas, em dias de movimento turístico exercem o seu mister. No entanto à nota de beleza e de colorido dos trajes e das flôres faltou um pormenor- podemos dizer o mais interessante- a mocidade ingenus, alegre e preparada para a função que às vendedeiras de flores cumpre desempenhar adentro do movimento turístico e cultural da nossa terra... Cerca das 16h30 estando presentes algumas dezenas de vendedeiras de flôres reuniu-se o juri no salão nobre... o prémio pecuniário de mil escudos foi atribuído em partes iguais às seguintes cinco floristas: Helena de Aguiar, de 26 anos, do sítio do Vale Paraizo, Camacha; Maria José de Goes, de 22 anos, Nogueiras, idem; Rosa Baptista, 27 anos, Nogueiras, idem; Adelaide Fernandes, 25 anos, Abegoaria, Caniço e Maria de Andrade, 31 anos, sítio das Nogueiras, Camacha. A concorrente Rosa de Aguiar, do sítio do Rochão, Camacha, teve um voto de louvor por se ter apresentado com o traje mais completo e dentro do rigor da tradição... Antes de se retirarem as premiadas num gesto de delicadeza- simples e cativante- foram aos seus açafates e tiraram lindos ramos de cravos e outras flôres, ofertando-os ao ilustre Presidente da Câmara. “ Desconhece-se quando exactamente terão as mulheres da Camacha começado esta actividade, de vender flores pelo Funchal. Sabe-se que os jardins camacheiros foram muito inculcados pela forte presença inglesa, a partir da segunda década do século dezanove. Foi essa influência que aumentou substancialmente a variedade de flores e incentivou o gosto pelo seu cultivo, entre a população local. Também se conhecem diversos documentos fotográficos, do início do século vinte, onde se podem observar mulheres a vender flores nas ruas do Funchal e que se pode presumir serem oriundas da Camacha, se atendermos à realidade descrita em 1937. José Marciano da Silveira, na sua Voz do Povo em Fevereiro de 1874, faz uma referência às camacheiras no mercado que sugere a possibilidade de nessa altura as mulheres da Camacha dedicarem-se já a essa actividade: “Do nosso amigo Tripancio Uma poesia hoje li A’ cerca lá no mercado: Achei-lhe graça e sorri; Aquelle estro sublimado Por todos é admirado Em nome das camacheiras Venho-lhe hoje agradecer O seu mimoso elogio Alcançado sem merecer; Na verdade são florinhas As lindas camacheirinhas” Contudo, sem mais documentos e nomeadamente sem o citado poema do Tripancio[i], que até o momento não foi possível localizar nenhum exemplar, tal hipótese carece de confirmação. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Pascoal Tripancio publicava no Jornal a Lâmpada (1872-1874)- ABM
II -Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias, Voz do Povo. Ao longo do século dezanove a Camacha popularizou-se entre os britânicos que a adoptaram como a sua estância de Verão. E por esse facto, encontram-se com alguma facilidade diversas descrições e menções em diários de viagens, jornais e outros tipos de documentos escritos.
A visita de estrangeiros de outras nacionalidades era menos frequente, mas também acontecia, como testemunha o relato de Luis de Ville[i] publicado nos “Annales des voyages”[ii] , da Sociedade de Geografia de Paris, em Janeiro de 1869. "...Nós deveríamos partir às sete horas da manhã, tomar o pequeno-almoço em casa do senhor d’Ornellas ... Apesar da incerteza do tempo, toda a gente foi pontual e seguimos rapidamente o caminho do Palheiro. Uma hora após a nossa partida chegámos à entrada do parque e meia hora depois descíamos dos cavalos em frente à casa do senhor d’Ornellas. Tínhamos vindo sempre a galope, excepto nas descidas difíceis que fazíamos a passo. Não nos preocupámos em admirar a paisagem, que de resto é soberba ao longo deste percurso que nós já tínhamos feito por diversas vezes. Os caminhos são de tal forma estreitos que apenas podem seguir dois cavalos a par... Mas o nosso anfitrião veio nos receber e com amável cordialidade fez-nos as honras de sua casa. A casa parecia-se com todas as outras que nós já tínhamos visitado na Madeira. Não é contudo, fora de propósito fazer uma descrição sumária, porque não terei outra ocasião de o fazer. Estas casas de campo têm o mesmo aspecto que as casas dos ingleses na India. Todas elas têm uma varanda guarnecida de plantas trepadeiras. Entrámos em diversas grandes salas onde encontrávamos uma lareira acesa. O que nos pareceu muito bem-vindo, porque tínhamos deixado a Primavera no Funchal e encontrámos o Outono na Camacha. Nós tínhamos andado junto à costa e agora estávamos numa montanha a 700 metros acima do nível do mar. É fácil gozar os incómodos do Inverno sem sair da Madeira, basta subir aos montes mais altos... nós que somos demasiado cautelosos para ter essa tentação preferimos simplesmente ir para a sala de jantar onde estava posta uma mesa, carregada de laranjas, peras, maçãs, bananas e ananases, enfim com todas estas deliciosas frutas colhidas na Madeira. O anfitrião, numa delicada atenção por nós, os franceses, ofereceu-nos taças cheias de Bordéus e peru trufado . Também saboreámos a cozinha portuguesa com apetite e não desprezámos, nem o Sercial nem o Malvasia. Estes respeitáveis vinhos contavam na verdade com mais de quarenta anos. Esta refeição de montanha pareceu-nos muito adequada e digna de ser servida numa velha porcelana do Japão que muito admirámos. Sobre este assunto o nosso anfitrião, com um pudor de bom gosto, explicou que o antigo serviço que parecíamos apreciar, era um resquício do antigo esplendor português. Parece de facto que a família dos Ornellas adquiriu este precioso serviço durante o século XV, ou seja, na época em que Portugal estendeu o seu império sobre a África e as Índias. Menos amável que o nosso anfitrião veio a chuva perturbar a nossa festa batendo, violentamente nas vidraças da sala de jantar. Teríamos que desistir da ida a Machico. Decidimo-nos acendendo um Havano e depois entre duas rajadas seguimos pelo caminho que ladeia a Ribeira...” tradução: Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) LES ENVIRONS DE FUNCHAL DANS L ILE DE MADÈRE Luis de Ville 1867 “On devait partir à sept heures du matin déjeuner à Camacha chez M d Ornellas luncher à Santa Cruz et diner à Funchal vers sept heures du soir Malgré l incertitude du temps tout le monde fut exact au rendez vous et nous gravimes rapidement le chemin du Palhiero Une heure après notre départ nous arrivions devant la porte du parc une demiheure plus tard nous descendions de cheval devant la résidence champêtre de M d Ornellas Nous étions venus toujours en galopant dans les montagnes n allant au pas que dans les descentes difficiles on ne paraissait guère se préoccuper du paysage du reste assez peu remarquable le long de cette route que nous avions tous parcourue plusieurs fois Les chemins sont tellement étroits que deux chevaux seulement peuvent marcher... Mais notre hôte vient nous recevoir el avec une aimable cordialité nous fait les honneurs de son habitation Elle ressemble à loutes les autres que nous avons depuis visitées à Madère Il n est donc pas hors de propos d en donner une sommaire description qu il n y aura du reste plus lieu de répéter Ces maisons de campagne présentent le même aspect que celles båties par les Anglais dans l Inde Elles sont précédées d une verandah garnie de plantes grimpantes On pénètre dans plusieurs vastes pièces où nous trouvons un grand feu allumé Il nous semble le bienvenu car nous avons laissé le printemps à Funchal et nous trouvons l automne à Camacha Nous nous promenions tout à l heure sur le rivage de l Océan et maintenant nous nous trouvons sur une montagne à plus de 700 mètres au dessus du niveau de la mer Voulez vous éprouver les désagréments de l hiver voilà qui est facile sans quitter l île de Madère il vous suffira de parvenir à la cime des sommités les plus élevées ... Nous qui sommes trop frileux pour avoir cette tentation nous préférons tout simplement passer dans la salle à manger où le couvert se trouve mis La table est chargée d oranges de poires de pommes de bananes et d ananas enfin de tous ces délicieux fruits cueillis à Madère Notre hôte par le attention délicate pour nous autres français nous offre le Bordeaux à pleine coupe et la dinde truflée qu expédia Chevet Nous goûtons aussi avec appétit la cuisine portugaise et ne dédaignons ni le bouquet du serciol ni celui du Malvoisie Ces respectables vins comptent il est vrai plus de quarante années de bouteille Ce repas de montagnard nous semble très convenable et bien digne d être servi dans une vieille porcelaine du Japon que nous admirons fort A ce sujet notre hôle avec une modestie de bon goût veut bien dire Ce vieux service que vous paraissez si fort apprécier est un reste de l ancienne splendeur portugaise Il parait en effet que la famille de Ornellas fit l acquisition de ce précieux service pendant le xv siècle c est à dire à l époque où le Portugal étendail son empire sur l Afrique et les Indes Moins aimable que notre hôte la pluie vient troubler notre festin en frappant avec violence les vitres de la salle à manger Il faudra renoncer à franchir les montagues qui nous séparent de Machico On en prend son parti en allumant un cigare de la llavane puis entre deux bourrasques on se rend sur le chemin qui borde la ravine de la Ribiera “ Em Março de 1921, a Junta escolar de Santa Cruz fez publicar um anúncio no Diário de Notícias[i], dando conta do final do prazo para candidaturas ao lugar de professor na escola primária masculina da Camacha. Apesar de reformado por doença em 1917, o professor Manuel de Jesus d’Antas d’Almeida continuou a deter a regência da escola masculina até a data do seu falecimento, em onze de Dezembro de 1920. Natural de São Martinho, filho e irmão de professores, foi contratado pela Câmara Municipal de Santa Cruz[ii] em 1889, para substituir Constâncio Rodrigues da Silva, exonerado pela mesma Câmara por habilitações insuficientes. Rapidamente se integrou na sociedade da Camacha, tendo casado logo em Outubro do ano seguinte com uma jovem camacheira, Carolina de Sousa, com a qual foi pai de oito raparigas. Para além dos vinte e oito anos de ensino, foi ainda correspondente esporádico do Diário de Notícias e por um breve período, responsável pelo posto de registo civil, até Julho de 1912. Após o seu falecimento, no início de 1921, o lugar foi posto a concurso e para uma pequena aldeia serrana, com pouco mais de três mil habitantes é deveras interessante notar a quantidade de candidatos e a sua diversa proveniência:
Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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