História, histórias e curiosidades
No dia 31 de Outubro de 1928 foi inaugurado na Camacha o Dispensário de Santa Isabel, com o objectivo de proporcionar serviços médicos à população menos abonada da localidade. A iniciativa deste estabelecimento partiu da antiga directora do hospital do Instituto Pasteur, em Paris, Mère Catherine de Jésus-Christ, nome religioso adoptado por Augusta de Ornelas e Vasconcelos, irmã, três anos mais nova, de Aires de Ornelas Vasconcelos. Necessidade desde há muito sentida, teve apoio local, tendo Alfredo Ferreira de Nóbrega posto uma das suas casas à disposição[i]. Dois médicos do Funchal: Wiiliam Clode e Antonino Costa, prestaram-se a vir semanalmente à Camacha, à vez, a fim de prestarem serviços “tanto de medicina como de cirurgia, fazendo-se o respectivo clínico acompanhar duma enfermeira do hospital”. William Clode levou ainda mais longe a sua colaboração,..propondo aos proprietários de desnatadeiras que cedessem, cada um deles, uma pequena quantidade de leite (Gota de Leite),[ii] a ser distribuído pelas crianças de maior carência, pela Confraria de S. Vicente de Paulo. Em Março de 1930, a imprensa regional publicou um balanço referente à actividade do Dispensário no ano de 1929: “Doentes atendidos no Dispensário………………..... 462 Visitas médicas domiciliarias …………………………....... 10 Intervenções cirúrgicas…………………………………….......... 25 Doentes hospitalizados …………………………………..............13 Injecções no domicílio dos pobres, cerca de ….100 Também foram aplicadas injecções e feitos pensos a centenas de doentes” A notícia refere ainda que para além dos serviços médicos e fornecimento de medicamentos previstos inicialmente, juntara-se uma enfermeira, Irmã da Congregação fundada por Miss Wilson, que diariamente atendia doentes. Desconhece-se quanto tempo terá perdurado esta instituição. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Não se encontraram mais dados sobre o assunto, sendo apenas possível equacionar a possibilidade de ter sido no edifício da Estrela da Manhã ou no edifício onde hoje funciona a Farmácia da Camacha.
[ii] Segundo a imprensa da época, já tinha instituído o mesmo em Santana. ABM - Colecção de Jornais * Augusta Ornelas Vasconcelos nasceu em 1869 e professou em 1899. A foto deve ser anterior a ter tomado votos.
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Entre 1901 e 1947 foram emitidos mais de novecentos passaportes[i] a pessoas naturais da Camacha, sendo, na sua grande maioria, camacheiros que procuravam, além-mar, uma vida melhor. Nos primeiros anos do século, até 1910, o Havai foi o destino mais requerido com 67 passaportes, seguido América do Norte (USA) com 42 e do Brasil com 37. A perfazer os 150 dessa década figuram ainda África do Sul e Angola. Na década seguinte, entre 1911 e 1920, a grande leva teve por destino a América do Norte (USA) com 213 pedidos. Seguiu-se o Brasil com 80 e os restantes 39 distribuíram-se por Havai, África do Sul, Canárias, Antígua, Trindade e Tobago e Suíça, sendo este último, claramente, destinado a uma viagem recreativa, uma vez que foi concedido a Aires de Ornelas e Maria de Jesus de Sousa Holsteim. De 1921 a 1930 foram solicitados 137, sendo 57 para o Brasil, 22 para América do Norte (USA) e os restantes distribuídos por África do Sul, Argentina, Canárias, Curaçau, Europa, UK, Guiana, Uruguai e Trindade e Tobago. Neste conjunto encontram-se diversos que terão sido, muito possivelmente, para viagens recreativas para a Europa, no caso de Alfredo Ferreira de Nóbrega, e de Frederico Rodrigues para Canárias. Nos anos trinta, com excepção de 1932, ano em que não foi emitido qualquer passaporte a camacheiros, o Brasil voltou a ser o destino mais procurado com 72, seguido do Curaçau com 45. Os restantes 36 distribuíram-se por USA, África do Sul, Argentina, Antígua, França e Europa. Entre 1941 e 1948[ii] tomou dianteira o Curaçau com 68, seguido do Brasil com 39. A Venezuela surge pela primeira vez na lista de países de destino, com 14 pedidos de passaporte, sendo os restantes para USA, África do Sul, Argentina, América do Sul, Caribe e Europa. Em1943 não houve também camacheiros a emigrar. No somatório final, os Estados Unidos acolheram o maior número de passaportes emitidos neste período, 364 (Havai incluído), seguidos pelo Brasil, 281 e pelo Curaçau 110. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Parte destes passaportes eram familiares o que se traduziu em duas ou mais pessoas a viajar.
[ii] ABM – dados disponíveis na Pesquisa online Mais sobre este tema vede Os emigrantes do último trinténio do século dezanove Camacheira in New Bedford Os jornais constituem uma importante fonte de informação na reconstrução histórica das diferentes épocas salvaguardando, naturalmente, as devidas cautelas. Assim como hoje, uma parte substancial das notícias nos jornais do passado, retratam o que de pior sucedia no decorrer da vida em sociedade do seu tempo. O caso que aqui hoje se traz, é um crime ocorrido em Janeiro de 1912, o qual em nada honra a nossa memória colectiva, apenas aconteceu, foi objecto de várias notícias na imprensa e o destaque que nos merece é, em grande parte, pela forma romanceada, como o mesmo foi relatado no Diário da Madeira[i]: “Accentuadamente criminoso é o caso que passamos a narrar, sob uma impressão de revolta pela sua natureza… No sítio do Ribeiro, à freguezia da Camacha, numa pitoresca estancia verdejante d’arvores e flores, há uma pequena palhosca, mal cuidada, onde reside uma mulher que há 16 anos, por este tempo vivia inconsolável pela falta de um filho, de nome José ***, que se auzentara para o Brazil, levado na onda dos patrícios aventureiros, sonhadores do ouro luzente que dizem haver por essas terras. A mulher, dia e noite, vertia lagrimas pelo filho, esperando o momento em que ele se correspondesse, noticiando a sua boa saúde que ela mais ambicionava do que o dinheiro que tilinta nas suas mãos emagrecidas d’um arruinado da saúde. O espinho da saudade curtia-o ella a sós, e de portas a dentro do lar a tristeza vem substituir a alegria d’essa desolada mãe. Decorria ligeiro o tempo até que foram aparecendo as cartas do filho, traçadas n’uma linguagem rude, mas onde uma ou outra palavra tinha o poder de atenuar o sofrimento da mãe que se não cançava de invocar o nome do filho que partira. Desasseis annos passaram e José *** julga poder realizar o seu plano de adquirir dinheiro sem trabalho nem canceiras… Seduzido pela economias da mãe o *** pensava em vender os bens do casal do seu falecido pae, aconselhando a família a que emigrasse para o Brazil… Ritta, decrepita e acabrunhada pela velhice, respondeu que tinha já os seus dias contados, preferindo acaba-los na sua terra onde possue recordações d’aquelles que lhe foram pedaços do coração. Mas as palavras do filho dominaram tanto a pobre velhinha que um certo dia consente que seu filho lhe reduza a dinheiro a pequena habitação e terreno e as colheitas guardadas do anno findo, para seguirem ella, elle e uma irmã para o Brazil. Até aqui a familia não podia ser tratada com melhor carinho pelo filho… Possuidor da importância de reis 700.000 José sahe de casa com destino ao Funchal dizendo à mãe que vinha tratar das passagens, e em sua companhia traz a irmã Roza tendo-se hospedado n’um hotel à rua da Alfandega até que dali seguiu ao seu destino. Ritta*** estranhando a demora dos filhos resolve procura-los no Funchal, onde ao ser-lhe comunicada a notícia da sua sahida cae desfalecida.” Notificadas as autoridades, o Comissário da Polícia contactou as autoridades de S. Vicente, em Cabo Verde, contudo o telegrama chegou uma hora após a saída do barco Amazon que levava os dois irmãos com destino ao Brasil. Em meados de Abril do mesmo ano, o mesmo jornal informa do regresso de Rosa à Madeira, sem contudo juntar mais qualquer informação quanto ao seu destino. Quanto à mãe[ii], “ reduzida ao maior dos infortúnios, sem lar, sem uma pequena moeda para matar a fome, a desconsolada mulher teve de pedir agasalho em casa d’uma filha cazada que reside na Camacha”. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) *Título da notícia no Diário de Notícias [i] Por consideração a eventuais descendentes foram omitidos da notícia os sobrenomes [ii] O Diário de Notícias refere mais um irmão, que ficou com a mãe e que se pode presumir ter sido propositadamente ignorado pelo Diário da Madeira, eventualmente para ampliar o drama do romance. ABM Colecção de Jornais No dia 7 de Julho de 1840 saiu do porto de Toulon, França, uma expedição com destino à ilha de Santa Helena, com a incumbência de extraditar os restos mortais de Napoleão Bonaparte que se encontravam sepultados nessa ilha. Comandada por François Ferdinand Philippe Louis Marie d'Orléans, Príncipe de Joinville e filho do rei Louis-Philippe Ier (primeiro), levava a bordo alguns dos mais próximos colaboradores de Napoleão que com ele tinham compartilhado o exílio, até a sua morte em 1821. Composta por duas fragatas, La Belle Poule e Favourite, a expedição fez escala na Madeira. Chegou à baía do Funchal no dia 24, do mesmo mês, tendo o Príncipe Joinville, segundo a imprensa da altura[i] “feito uma corrida pela parte leste da ilha” e “ se fez a véla no dia 26 de manhã” Dessa “corrida” fez parte um almoço na quinta de James Bean na Camacha[ii]. Num testemunho da época, Fanny Anne Burney[iii] refere no seu diário “Mr. Bean entertained the Prince at his pretty country house at Camacha; the Ladies of the neighbouring Quintas assembled near the house, where they were introduced to his “Altesse Royale,” and Marshal Bertrand saluted them all with great gallantry! The Prince presented Mr. Bean with a gold Snuff-Box,” (o Sr. Bean recebeu o Príncipe na sua bonita casa de campo na Camacha, as senhoras das Quintas da vizinhança reuniram-se perto da casa, onde foram apresentadas a sua “Alteza Real”, e o marechal Bertrand saudou a todas com grande galanteria! O Príncipe presenteou o Sr. Bean com um caixa de rapé de ouro). O Diário de Bordo de La Belle Poule[iv] faz, também, referência a esse acontecimento “Le lendemain (25), une vingtaine de passagers et d’officiers partent à 5 heures du matin dans une longue promenade à cheval pour découvrir la riche nature de l’île de Madère sous la conduite de M. Montero. On s’arrête pour un déjeuner bien arrosé des vins locaux dans la magnifique propriété d’un riche Anglais.” (No dia seguinte, 25, cerca de vinte passageiros e oficiais partiram às 5 horas da manhã para um longo passeio a cavalo, à descoberta da rica natureza da ilha da Madeira sob a orientação do Sr. Monteiro. Parámos para um almoço, bem regado com vinhos locais, na magnífica propriedade de um rico inglês.) Que a presença do príncipe e respectiva comitiva provocou algum alvoroço entre as senhoras das quintas, muito provavelmente maioritariamente inglesas, depreende-se deste pequeno texto, como terá reagido a população camacheira, infelizmente, não se localizaram, até o momento, quaisquer testemunhos. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] ABM- colecção de jornais – O Defensor
[ii] SARMENTO, Alberto Artur – Freguesias da Madeira [iii]A Great Niece's Journals: Being Extracts from the Journals of Fanny Anne Burney from 1830-1842 [iv] Faire revenir Napoléon en France : reportage exclusif à bord de la Belle Poule en 1840 - napoleon.org * Foto - Por Sophie Lienard - https://www.slam.org/collection/objects/33721/, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=121508011 |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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