História, histórias e curiosidades
Perdeu-se no tempo o saber de que por quem e quando terá sido construído o Moinho. Aquilo que se sabe, com toda a certeza é que aos vinte e um dias do mês de Maio de 1775 baptizou-se António, filho de Quitéria Maria e Manuel Vieira, moradores no Lombo do Moinho. Esta simples informação diz-nos que já então existia o Moinho e pelo facto de este designar um núcleo habitacional, pode-se inferir uma, ainda maior, antiguidade do mesmo. Por finais do século dezoito e inícios do século dezanove, são diversas as referências a lombo, bairro, levada e água do poço, todas referentes ao dito Moinho. Referências estas que se podem encontrar, quer nos livros paroquiais quer nos livros notariais sem, contudo, nada revelarem em relação à identidade dos seus proprietários. Somente em 1839, numa escritura patente num livro do 2º Cartório Notarial do Funchal[1], se vem encontrar uma referência clara quanto à propriedade do Moinho. Com a assinatura desse documento, António Leandro de Vasconcelos vendeu a Manuel Silvério Baptista o Moinho no sítio da Igreja, deixado pelo seu pai, Francisco Martins Teixeira de Vasconcelos e por sua tia Isabel de Nóbrega e Sá. A partir daí consegue-se seguir o seu percurso. Em 1872, José Elias Baptista vendeu a José Martins que por sua vez o vendeu a António Martins em 1875. E é este António Martins, casado com Virgínia Baptista que o vai vender a Agostinho de Ornelas Vasconcelos em 1879, sendo que é apenas nesta data que o Moinho passa a pertencer à Quinta, cujos terrenos até então eram uma parte do Lombo do Moinho. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [1] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Livros Notariais, 2º Cartório Notarial do Funchal, António Henrique Teles
Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Registos Paroquiais
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A freguesia da Camacha nasceu porque um dos moradores nas serras do Caniço, Francisco Gonçalves Salgado, decidiu construir uma capela e oferecê-la ao Rei a fim de garantir a colocação de um padre as expensas reais[i]. Ultrapassados todos os tramites de alvarás, de criação e delimitação de freguesia, em 22 de Maio de 1680[ii] foi nomeado um primeiro pároco, Manuel de Sá e Sousa, com direito de casa de mantimento de dez mil reis, um moio e trinta alqueires de trigo e pipa e meia de vinho, anuais. Na realidade quem primeiro ocupou esse cargo foi o padre Gaspar Pinto Correia que manteve a posse da igreja até esta ser entregue, em 1738, ao Padre Manuel Simão de Gouveia, com exatamente as mesmas condições[iii]. A partir daí foram se sucedendo os párocos e se pouco se sabe sobre a igreja, ainda menos se consegue saber sobre as condições que a mesma oferecia aos padres colocados na Camacha. No relato da sua visita à Camacha em 1813, o Bispo de Meliapor[iv] fez uma descrição da igreja na qual incluiu a residência: “tem um quarto regular com 2 janellas, outro com janella para leste, outro também com uma janella para a mesma parte e outro com janella para o sul. No andar de baixo tem uma cosinha e outro quarto. Necessita de concerto...”. Apesar de sucinta permite-nos concluir que, pelos menos desde a construção em 1783, a casa paroquial estava acoplada à igreja. Na planta[v] do projecto da autoria do desenhador das Obras Públicas, Joaquim António de Carvalho, feita em 1883 e destinada à realização das obras que a igreja então carecia, visualiza-se aquilo que foi descrito pelo Bispo, setenta anos antes. Esta residência ter-se-á mantido até meados do século vinte, quando foi construída aquela que hoje consideramos ser a antiga casa paroquial. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Apesar de se sustentar em alguns factos, a afirmação de que seria essa a intenção é meramente uma especulação.
[ii] Arquivo Nacional da Torre do Tombo- Livro de registo das provisões e mais ordens da Fazenda e Contos da ilha da Madeira - [iii] Arquivo Nacional da Torre do Tombo- Livro de registo de ordens e mais papéis - [iv] ALMEIDA, Eduardo de Castro e, Archivo de Marinha e Ultramar, inventário: Madeira e Porto Santo, Coimbra 1909. Vol.II, doc.12465, p.333 [v] Biblioteca e Arquivo Histórico da Economia, Secretaria- Geral do Ministério da Economia, DROPM- DOP, Distrito do Funchal, Igreja Paroquial da Camacha, 1883./1895 - PT./DOP/31/1074 Ao longo do século dezanove são recorrentes as chamadas de atenção para o estado lastimável da igreja da Camacha. Construída em 1783, em terra e cal, logo no início de mil e oitocentos requereu obras que foram postas em concurso pela Junta Real da Fazenda. Desconhece-se exactamente os problemas que então apresentava, à excepção da racha na Pia Baptismal, da qual nos dá conta o Bispo de Meliapor, no seu relato de visita em 1813[i]. Em três de Novembro de 1839, o vigário da igreja da Camacha Dionysio Bettencourt Pimenta, enviou um oficio ao Vigário Capitular, informando de que no dia anterior tinha caído “um pano de parede da Igreja Parochial da Camacha para a parte Norte ameaçando uma total ruina”[ii] da dita igreja. Lembrando que não existia mais nenhum templo na Camacha, pedia obras urgentes para evitar um mal maior. Também em Novembro, mas já em 1861, José Marciano da Silveira escrevia no seu jornal, a Voz do Povo que a “egreja é um armazem indecente mesmo para cousas profanas”. Segundo o mesmo jornalista, em Julho do ano seguinte foram postas em praça obras para reparar a igreja. O Diário de Notícias de sete de Outubro de 1888 trazia uma pequena notícia a informar o início de obras na Igreja da Camacha. O que quer que tenha sido feito não foi, com certeza, um trabalho de fundo, pois logo em Janeiro de 1895, um abaixo assinado acolhia o apoio de um significativo número dos chefes de família da localidade, no sentido de solicitar ao rei D. Carlos I a sua intervenção junto ao Ministério da Obras Públicas, para que este providenciasse as obras há muito ambicionadas. Estas obras acabaram por efectivamente acontecer, mas prolongaram-se até aos primeiros anos do novo século e foram parcialmente suportadas pelas Obras Públicas a par com de apoios de particulares. Consolidadas as obras estruturais essenciais para a sobrevivência do edifício, o pároco João Augusto Faria tratou então de enriquecê-la artisticamente. Em dois de Julho de 1914 o Diário de Notícias informava que Luís Bernes iria efectuar pinturas na Igreja, sendo que assinou em Agosto desse ano a pintura do tecto da Capela Mor e pelos anos vinte os restantes trabalhos. Em 1922 o pintor Cirilo realizou alguns trabalhos que segundo o Diário de Notícias seriam decorativos, ao estilo do século XV. As duas capelas foram adicionadas ao corpo da igreja também por iniciativa do mesmo padre que para tal recorreu ao apoio dos seus paroquianos. A Capela do Santíssimo Sacramento é de 1925 e a Capela de Nossa Senhora do Rosário de Fátima em 1933[iii]. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] ALMEIDA, Eduardo de Castro e, Archivo de Marinha e Ultramar, inventário: Madeira e Porto Santo, Coimbra 1909. Vol.II, doc.12465, p.333
[ii] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Flor do Oceano [iii] GOMES, Filipa Catarina Gouveia, Inventário Artístico da Igreja Matriz da Camacha, Município de Santa Cruz. Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias, A Voz do Povo Em quinze de Julho de 1686 o padre Gaspar Pinto Correia, vigário na Igreja da Camacha recebeu uma incumbência do bispo D. Estêvão Brioso de Figueiredo, na sequência de um requerimento de alvará que havia recebido. Dizia o requerimento que “ o conego theologal João de Saldanha que considerando a falta de missa que tem os pastores do distrito da Camacha, por pastarem os seus gados na jurisdicam da villa de Sancta Cruz muito distanca da freguezia, fizera por sua devocam hun Hirmida da Invocacam de nossa senhora da Piedade e Sam Francisco de Xavier onde chamam o Pereiro a qual sta feita se cabada e perparada de todo o necessario para se poder dizer missa nela.”[i] Logo no dia seguinte o padre Gaspar deslocou-se à ermida, tendo achado a igreja capaz de se dizer missa e foi isso mesmo que comunicou ao bispo. Contudo desconhece-se efectivamente se esta ermida terá funcionado de acordo os desejos do seu fundador e se o fez, durante quanto tempo. Sabe-se que o cónego João de Saldanha instituiu um pagamento no valor de dois mil reis sobre a ermida, a qual deixou em testamento à Fábrica da Sé. E é através dessa condição que por um requerimento do reitor do Colégio da Companhia de Jesus, sobre um foro que deveria pagar à Fábrica da Sé, no caso de se extinguir a capela fundada no sítio do Pereiro, Camacha, que se toma conhecimento que a mesma em 1741 estaria em ruínas, não sabendo o reitor há quantos anos a capela estaria nesse estado. O local exacto da ermida, até hoje não foi possível apurar, dado não terem sido encontrados quaisquer indícios da sua edificação e nem se poder assegurar, com toda a certeza, que o nome do local corresponde à actual designação. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO – Cabido da Sé do Funchal:
Entre o final do século dezanove e o início do século vinte a Camacha foi um local de eleição, o favorito de muitos madeirenses e estrangeiros, para aqui gozarem os seus momentos de lazer. Esta preferência começou a ficar em risco quando o primeiro automóvel chegou à Madeira em 1904. Sem estradas que permitissem a sua fácil circulação, este novo meio de transporte levou o seu tempo a se generalizar, dado ter sido necessário construir novas estradas ou adequar as existentes, para permitir a sua utilização. À Camacha, chegou um automóvel, pela primeira vez, em 1912 e segundo a crónica da altura[i] foi uma viagem recheada de pequenas dificuldades atendendo ao mau estado dos caminhos. Entretanto, as freguesias junto à orla marítima foram sendo ligadas por novas vias, mais adequadas a este novo tipo de transporte. Aliando a novidade ao conforto, os visitantes que procuravam costumadamente a Camacha, foram se deslocando para outras paragens. A Camacha foi perdendo o comboio, até mesmo literalmente falando, porque o ambicioso projecto de um caminho de ferro que ligaria o Terreiro da Luta, Choupana, Camacha, Santo da Serra, Ribeiro Frio e Santana, apresentado em 1914 por um individuo chamado Francisco Augusto Rosa, nunca chegou a passar do pedido de concessão por 75 anos, solicitado pelo referido visionário à Junta Agrícola que então projectava uma estrada de turismo com o mesmo percurso[ii]. Ao longo dos anos a Camacha foi sempre demandando por melhores estradas que permitissem a circulação de automóveis e consequentemente recuperar, o estatuto de estância privilegiada que gozara no passado. Em 1923 foi apresentado um projecto pela Junta Geral que ligaria a Camacha ao Caniço, por uma estrada de “viação acelerada” contudo nada indica se ter concretizado. Em 1927, um grupo de camacheiros solicitou à Câmara que fizesse a adaptação de um caminho existente entre a Achada e a Pedra Mole, no Caniço, com o mesmo propósito. Em 1929 a Câmara emitiu uma licença para o automóvel nº. 740 , de Frederico Rodrigues e uma outra licença de funcionamento, à Empresa Camachense de Automóveis, pelo que se deduz que a ambicionada ligação que os camacheiros reivindicavam, desde o início da primeira década do século vinte, estava finalmente concretizada. Nos registos da Direcção dos Serviços Industriais, Eléctricos e de Viação da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal a primeira referência à Empresa Camachense de Automóveis é de 1935, como sendo propriedade de Frederico Rodrigues e destinando-se ao serviço e de transporte de pessoas e mercadorias, entre a Camacha e o Caniço. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] vede neste blogue o artigo de 27/02/2021 camacha - CAMACHA (weebly.com)
[ii] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias 1914 Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Câmara Municipal de Santa Cruz, Licenças. Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias, Diário da Madeira * aparenta ser resultado de alguma manipulação tendo em conta a desproporção do individuo em primeiro plano. |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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