História, histórias e curiosidades
A tradição do Imperador na Festa do Espírito Santo foi criada na Alemanha medieval, foi introduzida no nosso país em 1295 pela Rainha Santa Isabel e trazida para a Madeira pelos primeiros colonos. Na Camacha no primeiro quartel do seculo XX o Imperador percorria todas as casas da Freguesia durante as visitas pascais.
Precede à solenidade do Espírito Santo a visita das respectivas insígnias a todos os casais na freguesia com o objectivo de recolherem esmolas em dinheiro. Antigamente este encargo competia a quatro mordomos um dos quais era o Imperador, que era consagrado no domingo da Trindade. Após o sorteio era-lhe dedicada uma quadra: Está coroado e bem coroado O nosso imperador Foi coroado e bem coroado Pelas mãos de Nosso Senhor Os mordomos, já então, levavam sobre o seu fato a opa de seda vermelha e luvas brancas. O Imperador transportava uma coroa em prata encimada por uma pombinha. Quanto aos outros mordomos, um levava o ceptro com igual insígnia, outro o pendão e o quarto a bandeira do Espírito Santo. Em 1929 foi o último ano em que os quatro mordomos percorreram toda a freguesia. Manuel Correia Pimenta, que foi Imperador, Manuel Ferreira de Nóbrega, João Correia e um quarto elemento cujo nome a tradição oral não preservou. Para a eleição do novo Imperador foram poucas as pessoas presentes na retirada das sortes e o papel coube novamente a Manuel Correia Pimenta. Como este já tinha tido muitas despesas, enquanto imperador desse ano, porque era o Imperador que assumia a responsabilidade das celebrações do Pentecostes e estes quatro mordomos tinham construído uma copa coberta a telha ( que posteriormente e durante muitos anos foi utilizada pela Igreja) o Padre Augusto Faria resolveu que em cada sítio da freguesia seriam nomeados quatro mordomos que o iriam percorrer e assim não seria tão dispendioso para o imperador. Nos anos trinta, do século vinte, na Camacha o fato branco das saloias foi substituído pelos fatos às riscas. Durante as visitas Pascais eram enviados presentes para casa das saloias: ovos, açúcar e vinho (para fazer gemadas) e outros produtos. No dia da Festa do Espírito Santo as saloias recebiam ainda de presente uns sapatos pretos de verniz e umas meias brancas. Gilda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] [i] textos não editados Comendadora Maria Augusta Correia de Nóbrega
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O culto do divino Espírito Santo veio para a Madeira com os primeiros povoadores. Apesar de serem escassas as fontes que se referem a este tema, conhecemos um pouco da sua disseminação através de um relato do século dezassete[i] que narra a tradição já instalada nas celebrações na Festa de Pentecoste. Com relação à Camacha contamos com uma descrição, provavelmente a mais antiga da ilha presente na imprensa regional, alusiva à vivência popular desta festa religiosa, na forma que hoje conhecemos. Em 1860 José Marciano da Silveira publicou no seu jornal, A Voz do Povo[ii], um poema dedicado à Camacha, no qual integrava algumas estrofes respeitantes à festa do Espírito Santo[iii]. Falava das duas saloias com seus vestidos singelos, do imperador, dos músicos; práticas que, com algumas interrupções pelo caminho, ainda se verificam nos dias de hoje. Perderam-se no tempo, talvez por se terem tornado demasiado obsoletas, a caridade aos doze pobres e os tiros para o ar[iv], mas a sua alusão, juntamente com outros pormenores, enriquece a descrição e dá-nos noção da grandeza da festa. O que o poema não esclarece é o dia da semana em que se realizava o arraial. Essa informação só vamos encontrar em 1880, no Diário de Notícias que publicita o evento previsto para o dia dezassete de Maio, uma segunda-feira. Não era só na Camacha, em que a segunda-feira era o dia escolhido para celebrar o Espírito Santo, mas foi onde adquiriu maior notoriedade regional. Entre as duas últimas décadas do século dezanove e as primeiras do século vinte, são muitas as notícias e anúncios, nos diversos jornais regionais, a falar deste arraial que atraía sempre muita gente das freguesias limítrofes e do Funchal em geral, como se pode constatar nesta publicação inserida no Diário de Notícias de onze de Maio de 1894: “Grande numero de cavallos e carros já estão alugados para àquella festa, pois, é uma attrahente diversão gosar um bello dia abrigado dos calores do sol sob as frondosas arvores da Camacha”. Uma outra notícia do mesmo jornal, já em 1895, diz que o arraial foi “ extraordinariamente concorrido” e que “A’s duas horas da tarde jà não havia ali que comer”. Em 1901 o Diário dizia que no dia da festa não havia um único cavalo na cidade para alugar, pois todos tinham sido alugados para a “ conducção de romeiros àquella festa” Interessante também é apreciar o papel da festa no desenvolvimento do comercio local[v] : Outra particularidade que decorria desta festa, era a espectativa que se criava no Funchal, mais exactamente no sítio da Rebela e estrada Conde Carvalhal onde ocorriam numerosas pessoas, ao final da tarde, para verem passar os romeiros que regressavam do arraial da Camacha. Esses romeiros vinham em veículos denominados “carradas”[vi], profusamente enfeitados com flores e apesar de a partir de certa altura se ter, também, começado a fazer no primeiro de Maio, a tradição nasceu em consequência das festas na Camacha. No Diário da Madeira do dia dezoito de Maio de 1921, uma crónica bem humorada reflecte a relevância da Segunda-Feira da Camacha na vida social de então, dando voz às lamentações de um marido que desequilibrou o seu orçamento mensal para trazer a família e as primas da mulher, à festa na Camacha: “O que quero é... que lá se foi todo o dinheiro dum mês! E depois quem leva no “sarrilho” sou eu. Ora vê lá: dois carros, 60$00; comidas e bebidas, 30$OO, carrada, outros 30S00; automovel para casa, 15$00. Ao todo 135$00”.
Apesar da festa do Espírito Santo da Camacha se ter mantido com todo o fulgor até a década de oitenta do século vinte, esta tradição das carradas há-se ter esvaído pelas primeiras décadas do mesmo século, na medida em que foram se impondo os veículos motorizados. Localmente, não obstante se terem renovado algumas das tradições, o arraial já não tem a envolvência e pujança de outros tempos. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] VIEIRA, Alberto AS FESTAS DO DIVINO, DAS ILHAS PARA O BRASIL- UM CAMINHO AINDA POR REVELAR THE CELEBRATION OF THE ATLANTIC ISLANDS DIVINE HOLY SPIRIT IN BRAZIL- A PATH TO UNFOLD | Alberto Vieira - Academia.edu [ii] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, A Voz do Povo [iii] vede neste blogue a publicação de 13 de Março. [iv] substituídos pelo fogo de artifício [v] Anúncio Diário de Notícias em 10 de Junho 1905- Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, [vi] Até hoje não se conseguiu localizar qualquer documento que descreva eficientemente o dito veículo Desde o primeiro momento da sua génese, a Camacha viu-se subordinada a dois centros distintos de administração, dado que se estabeleceram os limites geográficos “comesando pella Nogeira da jurisdissão desta cidade, buscando as casas das Amoreiras da jurisdição de Santa Cruz”[i]. Esta dualidade de pertença era meramente administrativa e pouco se reflectia na vida do dia a dia da população. A partilha entre as duas jurisdições manteve-se pacatamente até o início do século dezanove. Na sequência da revolução liberal de 1820, gerou-se a discussão nas cortes “geraes e extraordinarias da nacão portugueza”[ii] com o objectivo de elaborar uma Constituição, que viria a ser a primeira instituída em Portugal. Foi finalizada e aprovada em 1822 e neste âmbito a Comissão de deputados encarregada de preparar propostas para novas divisões administrativas, apresentou para a Madeira uma proposta, na qual se estabeleciam seis Julgados e catorze Concelhos. Nesta divisão a Camacha ficou no Julgado e Concelho do Funchal, juntamente com Caniço, S. Gonçalo, Funchal, Monte, S. Roque, Santo António e Curral e S. Martinho. Por cá também se falou no assunto e um artigo no Patriota Funchalense[iii] em Julho de 1822 assinado por um “Ilheo constitucional”, defendia a mesma divisão, atribuindo à Câmara do Funchal, todas as freguesias entre as ribeiras dos Socorridos e Porto Novo, deixando assim a Camacha e Caniço totalmente integradas neste concelho. A constituição de 1822 pouco durou, tendo sido abandonada logo em 1823. Em 1826 foi criada a Carta Constitucional, mas só com a reforma administrativa de 1835 se voltou à questão da divisão de concelhos. Apesar de acabar com a dualidade na pertença administrativa das duas freguesias, atribuindo-as ao concelho de Santa Cruz, esta reforma integrou-as na Comarca e Julgados do Funchal deixando-as sempre divididas pelos dois pólos. Esta solução não agradou, nem a Camacheiros nem a Caniceiros e em Janeiro de 1843 fizeram chegar à rainha, D. Maria II, um abaixo-assinado, que publicaram também no jornal O Imparcial[iv]: “Senhora. Ao pé do Alto, e poderoso Throno de Vossa Magestade se prostão submissos os povos das freguezias da Camacha, e Caniço... Metade das duas freguezias supra dictas era sujeita ao Concelho, e Justiça da Capital da Provincia, em razão de proximidade, conveniencia dos povos. Veio a lei para a divisão de districtos, e territorios, e então com não pequeno erro, assim comercial, como Geografico, foram as dua freguezias detalhadas para a parte do Districto e Concelho de Sancta Cruz... Divididos assim os districtos, logo na pratica se conhecea o erro, e então se determinou que ficassem as duas freguezias sojeitas ao fôro Contensioso da cidade do Funchal... ficamos assim mais accommodados, e melhor servidos, porque mesmo nenhumas relaçoes intimas, e comerciais temos com similhante districto de Santa Cruz por quanto todas temos com a cidade do Funchal, que nos è mais proxima e as estradas mais transitaveis”. Os signatários, apesar de gratos pela reinclusão na Comarca do Funchal, dado que para além da difícil fronteira natural que era a ribeira do Porto Novo, em Santa Cruz a justiça dependia de Juízes leigos e nem tinha sequer um advogado que os aconselhasse, queriam mais, queriam a inclusão no concelho do Funchal “que tem estabelecido escollas nas differentes freguezias para educação da mocidade e cemiterios para jasigo dos mortos, e que por modo nenhum poderemos obter do Concelho da Villa de Sancta Cruz” Todavia a rainha não foi sensível à argumentação destes seus súbditos e a situação manteve-se inalterada até 1867, já no reinado de D. Luís, em que uma revisão no mapa dos concelhos voltava à fórmula proposta em 1822, integrando a Camacha e o Caniço no concelho do Funchal e anexando Santa Cruz a Machico. Contudo, nem houve tempo para festejar pois, se em Dezembro foi decretada logo em Janeiro de 68 foi revogada, antes de ser verdadeiramente aplicada. Certo, é que ainda nos dias de hoje, a população das duas freguesias mantem uma maior ligação à cidade do Funchal. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Torre do Tombo, Cabido da Sé do Funchal, Documentos relativos ao Bispado, Maço 2, Carta de D. António Teles da Silva para a criação das novas igrejas e curados do bispado - A palavra jurisdição está conforme o original que utiliza as duas formas
[ii] Diario das cartes geraes e extraordinarias da nacão portugueza: May 1, 1822 ...https://books.google.pt/ [iii] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais [iv] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais TOMÁS, Ana, VALÉRIO, Nuno - Autarquias locais e divisões administrativas em Portugal 1836-2013 No mapa estatístico das obras públicas do Distrito do Funchal, relativo ao segundo trimestre de 1844, publicado em cinco de Outubro do mesmo ano pelo jornal O Defensor[i] pode ler-se: “ Ribeira de Pedro Lourenço, freguesia da Camacha_ construcção d’uma Ponte_a mesma authorização_orçamento 300$000 fóra a estrada contígua_ J[ii] 17$554, M[iii]3$980, T.[iv]21$530_ continua a sua construcção _ Principiou-se a abertura do alicerce e a preparar-se a pedra. Esta Ponte é construida por conta da Commissão d’ Auxilios.”
A mesma notícia refere ainda que a despesa realizada com a ponte na Ribeira de Pedro Lourenço não entrava no total das despesas realizadas pela Junta Geral do Distrito, uma vez que tinha sido paga, em parte pela Comissão de Auxílios e em parte por subscrições. As obras públicas desse ano foram dirigidas “pelo Snr. Major d’ Engenheiros do M. J. J. Guerra[v] coadjuvado pelos snrs. Cap. Azevedo e Tenente Blanc. O Tenente Tibério Augusto Blanc foi também responsável por obras efectuadas na Igreja da Camacha em 1839 [vi] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, O Defensor [ii] Jornais- de jorna pagamento de salários [iii] Materiais [iv] Total Reis [v] Manuel José Júlio Guerra [vi] Tibério Augusto Blanc- CARITA, Rui_ Aprender Madeira (aprenderamadeira.net) |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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