História, histórias e curiosidades
Tanto quanto se conhece e como testemunham os investigadores[i] que se debruçaram sobre a matéria, não existem relatos de tremores de terra na Madeira, anteriores ao século dezoito. Não, com certeza porque não os tenha havido, mas porque a probabilidade da sua ocorrência é média-baixa e o seu risco moderado[ii], ou seja felizmente têm sido na sua maioria e ao longo da história, eventos sem grande dano e gravidade. Do primeiro que há memória, terá sido também o maior que se viveu na Madeira desde o seu povoamento, ocorreu na madrugada de 31 de Março de 1748, “da uma para as duas horas da manhã, sentiu-se na Madeira um forte abalo de terra, que foi seguido de outros dois”[iii] Pela mesma fonte sabe-se que foram quatro as vitimas mortais e que a população assustada recorreu à protecção divina, tendo nos dias consequentes acorrido em massa aos diversos ofícios nas igrejas, a fim de acalmar os humores da Natureza. Quanto a prejuízos materiais apenas se sabe os que constam da relação[iv] elaborada em dezassete de Maio do mesmo ano, a expensas da Real Fazenda. Dessa relação constavam todos os prédios públicos afectados pelo sismo: igrejas, fortalezas e casas. E é por esta que se tem conhecimento do que aconteceu na Camacha : « A Igreja de S. Lourenço da Camacha_ Deve-se-lhe acudir com prompto remedio, quando não será de grande consequencia, por quanto a sua ruina excede as antecedentes» As antecedentes que a relação refere eram a Sé, a de Santa Maria Maior do Calhau, a de S. Pedro, a de Santa Luzia, a de Nossa Senhora do Monte, Santo António, S. Roque, S. Martinho, São Gonçalo, Espírito Santo e Santo Antão, ambas do Caniço. Todas estas igrejas apresentavam danos, mas consideravelmente menores que a da Camacha, cuja capela-mor acabou por ruir, destruindo o retábulo de talha dourada que então possuía[v] Entre esta data e meados do século vinte foram cerca de vinte as vezes que a Madeira tremeu, contudo só voltamos a ter notícia de um evento dessa natureza sentido na Camacha, às cinco da tarde do dia vinte e seis de Novembro de 1941. Este sismo, apesar de não se encontrar entre os maiores verificados na ilha e ser mesmo de menor intensidade que o verificado esta semana (16-02-22), foi sentido em toda a ilha, conforme se pode constatar no Diário de Notícias do dia seguinte. Em relação à Camacha diz a notícia que “Na Camacha há apenas a registar, além de telhas caídas, o susto causado pelo abalo de terra”. Em 1975 às 9 horas, 13 minutos e 4 segundos” do dia 26 de Maio, voltou a suceder um terramoto de maior intensidade, o terceiro em maior valor de entre os que se tem registo na Madeira. Por ser mais recente e na altura a Camacha contar com um correspondente do Diário de Notícias, ficou assentada uma descrição mais alargada do sucedido. “O SISMO TELÚRICO SENTIDO COM GRANDE INTENSIDADE NA CAMACHA E PROVOCOU ALGUNS ESTRAGOS CAMACHA, 26_ O sismo sentido na Ilha da Madeira provocou nesta localidade, como é natural, a maior expectativa e ansiedade. A parte baixa da Camacha (Ribeirinha, Salgados e Nogueira) foi aquela onde os efeitos se fizeram sentir com maior intensidade. De facto algumas casas abriram fendas, os tectos caíram, houve certos prejuízos em louças e móveis. A Escola da Ribeirinha. também foi afectada, impossibilitando que as aulas continuem ali, até que seja feita uma. vistoria pela Câmara. Municipal de Santa Cruz, o que se deve fazer hoje ainda, para se verificarem até que ponto os estragos na parede central do referido edifício e no tecto, poderão constituir ou não sério perigo. Também alguns muros ruíram, arrastando terra e pedregulhos. As pessoas, na sua maioria, tomaram um valente susto e ainda estão inquietas, pensando que em breve se sentirão novos abalos. Alguns boatos e mesmo a exploração feita à ignorância de determinadas pessoas, contribui para um maior medo e expectativa. Filipe Mota “ Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] (Revista_Girão_4.pdf) (uc.pt)
[ii] 162.pdf (uc.pt) [iii] SILVA, Padre Fernando Augusto da- MENEZES, Carlos Azevedo- Elucidário Madeirense, OZ [iv] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Voz do Povo- Abril 1879 [v] Igreja velha de São Lourenço, 1680 e 1790 (c.), Camacha, ilha da Madeira. – Arquipélagos (arquipelagos.pt) Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias
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Numa localidade tão pequena quanto a Camacha não é de forma alguma espectável a elevada actividade cultural que esta apresenta, especialmente atendendo à sua ruralidade que naturalmente a manteve apartada dos núcleos mais propícios ao desenvolvimento deste tipo de movimentações culturais. A Camacha é sobejamente conhecida pela preservação da alma popular através das danças, cantigas e demais tradições que os diversos grupos de folclore têm assegurado e divulgado um pouco por todo o mundo. Não tanto na ribalta, mas com raízes, talvez igualmente, profundas no passado da localidade, são as diferentes orquestras que foram existindo ao longo dos tempos e que naturalmente contribuíram para o enriquecimento cultural dos camacheiros. No poema que Marciano da Silveira publica na sua Voz do Povo em 1860[i] encontra-se uma referência que testemunha que este tipo de prática musical, certamente mais erudita, fazia parte da vida camacheira. Na igreja uma bella orchestra Acompanhava o louvor, Que seis ou sete cantores Erguiam a nosso Senhor: É também através da imprensa que se tem conhecimento da existência, no decorrer da segunda década do século vinte, de uma tuna na Camacha de reconhecida qualidade musical, conforme aqui anteriormente já referido no artigo A festa da arvore Mas será nos anos vinte que esta prática conhecerá outro fulgor sob a batuta de Jorge Soares de Gouveia. Apesar de ter perdido o concurso em 1921 para o lugar de professor de ensino primário da Camacha, em 1924 Jorge Gouveia era o professor oficial da Camacha e extravasou o seu papel docente criando primeiramente a Orquestra Camachense (vide foto em A Festa da árvore) que se estreou no dia 5 de Outubro, aquando dos festejos da implantação da República. No dia oito de Dezembro, na Festa de Nossa Senhora da Conceição do mesmo ano, estreou-se o Grupo Musical Jorge de Gouveia que tinha em comum apenas alguns elementos da referida tuna. Por meados dos anos trinta os documentos indicam outro professor e pode-se presumir que estes grupos musicais hão-de ter esmorecido com a partida de Jorge Gouveia. A música, essa ficou, voltou a brilhar através da tuna das décadas de 40/50 e voltando a renascer na segunda metade dos 70. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, A Voz do Povo
Exactamente um século após a petição, na qual o padre Gaspar Pinto Correia e a população requereram ao rei uma igreja maior, a Camacha viu ser, finalmente, satisfeita essa aspiração. Por provisão real de D. Maria I, de sete de Maio de 1783, sobre a velha capela de Francisco Salgado foi construída a Igreja Matriz, ao que tudo indica no Outono do mesmo ano[i]. Sabe-se que a qualidade da construção não foi a melhor e estando implantada num ponto desabrigado, quanto a eventos climáticos mais extremos, nomeadamente fortes ventos ocasionais, ao longo de todo o século seguinte foram recorrentes as chamadas de atenção para a degradação do imóvel. Apesar das diversas intervenções que foram sendo feitas ao longo de 1800, só no início do século vinte, por iniciativa de um pároco mais empreendedor, é que a igreja iria receber significativos melhoramentos que a iriam enriquecer do ponto de vista artístico. Para além dos melhoramentos já aqui antes referidos Obras na Igreja Matriz, o Padre João Augusto Faria dedicou também a sua atenção à torre, contratando o engenheiro Sequeira, director da empresa Madeira Supply, para projectar os seus melhoramentos. Na mesma empresa foram feitos três sinos para colocar na nova torre, os quais foram estreados no Sábado de Aleluia, em 15 de Abril de 1922. Na madrugada de 16 de Dezembro de 1977, durante a primeira missa do parto desse ano, caiu uma parte da cúpula da torre, gerando pânico entre os presentes. Segundo uma notícia inserida no Diário de Notícias do dia seguinte, houve desmaios, pessoas a passar por cima de outras e diversos feridos. Após esse evento a torre adquiriu o aspecto que mantém até hoje[ii] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Os livros paroquiais não dão conta de interrupção prolongada o que indicia que as obras não foram significativas. Mais sobre este assunto Da Ermida à Igreja De S Lourenço Da Camacha (calameo.com)
[ii] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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