História, histórias e curiosidades
Manuel Filipe Gomes não nasceu na Camacha mas ao casar com uma camacheira, Genoveva de Nóbrega dos Casais d’Além em 1853, aqui ficou a residir e adoptou-a como sua. “Empregado nas obras públicas” extravasou o seu serviço à comunidade, tendo se dedicado durante quarenta anos a servir a freguesia, como vereador na Câmara de Santa Cruz e como regedor, cargo do qual foi exonerado com a idade de oitenta e um anos. Aquando do abandono, forçado, das funções de regedor “Um camacheiro”[i] fez publicar na imprensa regional uma lista das principais obras de Manoel Filipe Gomes, ao longo da sua extensa carreira: “Camacha e Caniço 1º- Estrada desde o Palheiro do Ferreiro até á egreja da Camacha. 2º- Estrada do Palheiro pelo sítio dos Tanques até o Valparaíso. 3º Estrada do Caminho do Meio, pelo Pico da Silva, Figueirinha, até á Ponte de João do Prado acima dos Lamaceiros para o Porto da Cruz. 4º- Estrada desde a Pedra Molle (Caniço até a Camacha). (1) 5º- Reforma das Estrada dos Reis Magos, pelo Pico do Arvoredo até a Camacha. 6º Estrada desde a Egreja da Camacha, pelo Pico da Silva até a fonte das Moças a leste do Poiso. 7º Estrada da Camacha pelo Porto Novo, Aguas Mansas, S. Pedro, chamado caminho da Lombada até á villa de santa Cruz, e calcetamento a seu pedido feito pela Camara. 8º - Concerto do caminho que vae da Achada Diogo Dias até o Pico da Silva. 9º Concerto do caminho da Madeira que vae do mesmo Pico da Silva e todos os demais que ahi vão dar. 10º- Concerto do Caminho do Palheiro do Ferreiro que vae dar à ponte da Aleguaria, (freguesia do Caniço). 11º- Caminho da Levadinha, freguesia de Gaula. 12º- Empenhou-se muito pela conservação da Achada da Camacha como logradoiro comum. 13º - Construiu a ponte sobre a ribeira do Porto Novo na freguesia da Camacha e por varias vezes a tem mandado concertar. 14º- Construiu a ponte dos Salgados sobre a mesma ribeira que vae dar á freguesia de Gaula. 15º- A fonte de S. Lourenço ao sitio da Egreja, de grande utilidade. (1)– Dirigiu esta estrada, sob as ordens do chefe das obras publicas municipais, hoje o sr. Conde do Ribeiro Leal (2)Todas estas obras foram feitas por sua iniciativa e a maior parte d’ellas por meio de subscripção, entre nacionais e estrangeiros promovida pelo sr. Manuel Filipe Gomes. Pagaram lhe bem! “ Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Colecção de Jornais - Arquivo e Biblioteca Regional da Madeira
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Até o início do século dezanove a freguesia era uma divisão eclesiástica, estando a sua administração na alçada da igreja. Com o liberalismo surgiu o conceito de paróquia civil e com ele a criação do cargo de Regedor, como responsável pela aplicação das leis e autoridade policial da freguesia. O cargo foi criado em 1836 sendo a primeira referência com relação à Camacha, encontrada até ao momento, datada de 1838, indicando como regedor-substituto Agostinho Albino do Rego, natural do Caniço e lá residente, dado nessa altura a Camacha ainda não ter ainda conquistado completamente o seu estatuto próprio. Logo no início da década seguinte o cargo passou a ser entregue a camacheiros, tendo sido José Teixeira das Neves o primeiro a exercer esse cargo. Pela mesma altura foi criado um uniforme para os regedores, contudo desconhece-se se algum camacheiro terá chegado a envergar tal garbo: “casaca azul, com um ramo de carvalho de ouro bordado em cada uma das golas, colete de casimira branca, calças azuis, botas e chapéu redondo. A casaca e o colete teriam botões com as Armas Reais. O chapéu teria o laço nacional e uma presilha preta, na qual estaria gravado o nome da freguesia”[i]. As funções foram se adaptando ao decorrer dos tempos e a partir de 1940 os regedores ficaram subordinados aos presidentes de câmara, sendo nomeados por estes para fazer cumprir, essencialmente, as normas municipais sem descurar, contudo o papel enquanto auxiliares das forças policiais e judiciais. A função foi extinta em 1976 aquando da implementação da nova Constituição. Durante os seus cento e quarenta anos de existência foram diversos os camacheiros que a exerceram. A lista que se apresenta abaixo é representativa de uma investigação ainda em curso e reflecte apenas as referências encontradas até o momento: 1845- José Teixeira das Neves 1862 – Joaquim de Sá - substituto 1868 - Joaquim de Sá 1874 - Manoel Filipe Gomes – exerceu durante 40 anos 1897- Januário Luiz Ferreira - substituto 1899 - Manuel Joaquim Nóbrega 1905 – José de Quintal Júnior 1905 - Alfredo Ferreira de Nóbrega – substituto 1906 – José António de Freitas 1906 – Frederico Rodrigues – substituto 1912 – José de Quintal Júnior 1912- António de Nóbrega Lacharte - substituto 1914 - José de Quintal 1923 – António Ernesto Martins 1923 – Manuel da Mota - substituto 1925 – Manuel Ferreira 1925 – Manuel Emídio Teixeira - substituto 1942 - Manuel Plácido de Freitas 1953 – António Ernesto Martins 1957 – José de Nóbrega Até 1976 - Adelino Gonçalves de Gois Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Regedor – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Actas da Câmara de Santa Cruz - Arquivo e Biblioteca Regional da Madeira Colecção de Jornais - Arquivo e Biblioteca Regional da Madeira * Na foto vê-se a casa paroquial concluída em 1957 No passado dia 6 de Julho perfizeram cinquenta e quatro anos de mais um dia grande para a Camacha, um soalheiro domingo em que foram inauguradas duas obras de grande valor para a freguesia: a Escola dos Eucaliptos e o Largo Conselheiro Aires de Ornelas. Foram dois projectos que levaram o seu tempo a se concretizar, a escola, incluída no Plano dos Centenários (vide Escolas do Plano dos Centenários ), começou a ser projectada em cinquenta e nove e a delineação da transformação da Achada num parque ajardinado teve início em sessenta (vide As metamorfoses da Achada), ambas por iniciativa do então presidente da Câmara de Santa Cruz, João Militão Rodrigues. O acto de inauguração foi efectuado pelo Governador Civil do Funchal, Coronel António Braamcamp Sobral, o qual no final do mês anterior já tinha vindo à Camacha conhecer as obras em questão. Depois de ter inaugurado alguns melhoramentos na, então, vila de Santa Cruz, chegou à Camacha ao final da manhã onde era aguardado por cerca de trezentas crianças, pelas professoras da nova escola, muitos populares, diversas entidades regionais e locais. Após uma breve visita às modernas instalações, houve lugar para uma pequena actuação de um grupo de folclore infantil, constituído apenas por alunas[i], por iniciativa da directora da nova escola, Maria Augusta Correia de Nóbrega[ii]. Findo este acto toda a comitiva dirigiu-se para o Largo da Achada onde foi recebida pela população local, pelo Grupo Folclórico da Casa do Povo da Camacha, pelo Grupo Folclórico da Boa Nova e por uma guarda de honra dos Bombeiros Municipais de Santa Cruz. Feito o corta-fitas sucederam-se o descerrar de um busto de Aires de Ornelas, a visita da comitiva ao novo parque e a inauguração do ringue com uma concentração de diversas equipas desportivas, um jogo de futebol entre o Marítimo e o Nacional e a finalizar a actuação do Grupo Folclórico da Camacha. Para além da massiva presença popular a imprensa assinalou a presença, não só, das diversas entidades do Concelho de Santa Cruz e do Funchal, como também alguns nomes da localidade: “Padre António Joaquim Pestana Martinho, pároco da Camacha, Aires Victor de Jesus, proprietário e antigo Presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, Álvaro de Nóbrega e José Goes, respectivamente Presidente da Direcção e da Assembleia Geral da Casa do Povo, José de Nóbrega, Regedor, Guilherme Abel Teixeira, João Cláudio de Nóbrega, dr. Alfredo Ferreira de Nóbrega, Gaspar de Andrade, José António Gouveia Andrade, Aires Tibúrcio da Mota, José Manuel Quintal de Jesus… Manuel Anastácio de Nóbrega”. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Ao longo do século dezanove e no decorrer do século vinte muitas foram as ocasiões em que a Camacha se encheu de forasteiros, mas o 21 de Maio de 1972, provavelmente, terá sido um dia record, pelo menos é o que se infere das reportagens na imprensa de então.
Integrado no programa da Festa do Espírito Santo, pelo terceiro ano consecutivo, realizou-se o Cortejo Folclórico e Etnográfico “por iniciativa do povo daquela freguesia, bairrista e voluntarioso”[i] . Segundo o repórter do Diário de Notícias “o cortejo constituiu um autêntico êxito superior, se possível, aos das edições anteriores”. Ao longo de vinte e cinco viaturas e ainda seis quadros a pé, o cortejo revisitou os diversos temas da cultura e tradição da vida quotidiana popular, traduzindo a “obra do esforço do povo da freguesia, um povo dinâmico e empreendedor, que esquece todas as agruras e «mal entendidos» de comissões, para, quando chega a data do evento, congregar num só espirito de iniciativa, num bloco homogéneo de trabalho e canseiras, para que o cortejo se situe no esplendor em que eles do início pretenderam insuflá-lo.” Enquanto nas primeiras edições o chamariz principal seria a Festa do Espírito Santo, com fama enraizada desde meados do século dezanove, o facto de a Camacha ter realizado o cortejo, que desfilou pelas ruas da cidade no primeiro do ano, terá sido responsável pela impressionante hoste que se apresentou para assistir ao cortejo. “Desde o início da rampa das Carreiras até o Centro da Camacha (cerca de 2 km) o automóvel da nossa reportagem gastou 2 horas a rodar em marcha lenta, tal a aglomeração de veículos nos dois sentidos de trânsito. Mais de um milhar de automóveis voltou para o Funchal, sem sequer ter chegado à vista da Camacha!... O povo comprimia-se nas bermas da estrada pela qual passava o cortejo numa onda humana indiscritível que se verificava até o Largo da Achada e, aqui não se viam as clareiras habituais nestas manifestações: o largo era uma mole imensa de povo, duma multidão que, durante algumas horas, ali aguardou, a pé firme a chegada dos carros alegóricos” O Jornal da Madeira também fez destaque dos “milhares de espectadores que viram o cortejo passar comprimiram-se na berma da Estrada Nacional, desde a Padaria 25 de Agosto, nos Casais d’Além, até ao Largo Conselheiro Ayres de Ornelas. Nas varandas, nas árvores, nos terrenos maginais à estrada, viam-se inúmeras pessoas apinhadas e o entusiasmo indiscutível perpassava pela multidão conforme os vários carros iam a passar, demonstrando o seu significado e o seu quadro alegórico”. Um dia que, sem dúvida, muitos camacheiros ainda guardam na memória. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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