História, histórias e curiosidades
Os primeiros jornais surgiram na Madeira, na década de vinte do século dezanove e, felizmente, ao longo da sua existência foram deixando registados pequenos apontamentos que se tornam valiosos na construção da nossa história. José Marciano da Silveira, proprietário do jornal a Voz do Povo, nascido na Camacha; Luís de Ornelas Pinto Coelho, redactor do Diário de Notícias, aquando passava férias na Camacha; Manuel de Jesus d’ Antas de Almeida, professor de ensino primário, deixaram-nos, se bem que com alguma subjectividade, preciosos testemunhos da Camacha da segunda metade do século dezanove. A entrar no século vinte, vão surgindo esporadicamente outros relatos nos diferentes jornais e embora assinados apenas por «correspondente», constituem também fontes de informação relevante. É o caso do texto apresentado abaixo, junção de dois artigos “O Diário da Madeira na Camacha” durante o mês de Abril de 1920 que relatam, de forma mordaz, diferentes aspectos de uma Camacha a viver na ressaca da primeira grande guerra: “Tempo esplendido! O sol continua a aquecer os campos! Os prados e os vales produziram mimosas e aromáticas flores! Bandos de passarinhos entoam trinados de alegria! a monotonia que invadia o solo transformou-se em primores, em alegria, como que a convidar os admiradores da bela paisagem, a uma agradável digressão por estes pitorescos lados, a gosarem as delícias que a natureza nos oferece. Pena é, que aos touristes não se lhes depare aquela frondosa arborização que, outrora, nos suavisava com a sua abençoada sombra, preservando-nos do calor torrificante e que, presentemente, surge triste e despida dos atrativos que lhe eram tão peculiares, devido à tarefa destruidora a que o implacável machado se tem dedicado derrubando tudo sem dó nem piedade, daqueles que, tendo só em mira a ganancia, não plantam novas arvores para substituição das derrubadas, nem fazem a mais pequena ideia da influencia que a arvore exerce na suavização dos climas, na distribuição das águas, na produção das riquezas naturais, na higiene das populações, na estética da paisagem e na educação do sentimento…” “A estrada e caminhos desta freguesia são intransitáveis e apenas no inverno «navegáveis», devido ao abandono a que tem sido lançada esta pitoresca freguesia, uma filha engeitada do concelho de Santa Cruz… e nós, pobres camachenses vamos caminhando aos encontrões ou servindo-nos de «tanks» para nos dirigirmos as nossas casas…” “A falta de géneros de primeira necessidade continua a sentir-se e duma forma assustadora nas mercearias desta localidade, valendo-se os seus habitantes, para não morrerem de fome, do intragável milho que, como é do domínio publico, foi até julgado improprio para alimentação dos animais. Açucar, isto é coisa que por cá não aparece desde há muito tempo apesar de já ter sido distribuído o que foi desembarcado ultimamente, vindo de Africa… Para completar este triste quadro de fome, consta que também não é permitido o fornecimento de massa…” “Nesta localidade, actualmente, duas padarias que, segundo o parecer de muita gente melhor seria que não existissem, pelos seguintes motivos: Numa, se o pão é regularmente manipulado, falta-lhe o pêso regulamentar; noutra, se tem o pêso, é pessimamente manipulado com a sua partesinha de milho, de sóda… Agora só faltava a crise do tabaco! Querendo-se fumar um cigarro não se encontra à venda, não porque ele não seja fornecido pelo respectivo deposito, pois, vem até aos sacos, mas sim devido à ganancia cada vez mais devoradora dos nossos mercieiros…” “O ubérrimo torrão, a mãe querida que nos dá o sustento, jaz abandonado sem um braço amigo e protector que o amanhe regando com o seu suor o sulco profundo que é o único recurso a que podemos lançar mão para atenuar a fome… Mas não; largam-se as enxadas a enferrujar nos «pugulhais» como instrumentos indignos… e amarrando-se todos os poucos homens validos que nos restaram, ao mister da obra de vêrga, que é paga por preço excessivo devido à gananciosa exportação de vimes, e os que são ambiciosos, emigram em bandos para a America e Brasil, em busca de uma fortuna, suficiente para descansadamente admirarem o aspecto tragico e de desolação que, daqui a poucos ânos se lhes deparará a terra que lhes foi berço…” Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais
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Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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