História, histórias e curiosidades
Para quem não sabe, são as árvores grandes que ladeiam o campo da Achada, do lado da estrada. São altas, são frondosas e … praticamente extintas na natureza. A ginjeira brava, Prunus hixa Willd., é uma espécie endémica da macaronésia que faz parte da lista de árvores que compõem comunidade florestal da laurissilva do til, Património Mundial Natural da UNESCO. É uma árvore que pode atingir os 18 metros de altura, sempre verde, com folhas de um verde-escuro, brilhante. Floresce entre junho e agosto, com flores pequenas, brancas, de aroma forte, e agrupadas em cachos alongados. Produz pequenos frutos que ficam pretos ao amadurecerem. Embora não sejam venenosos, são pouco apetecíveis por não serem saborosos, existindo, no entanto, referências do século XIX que apontam o seu consumo esporádico por crianças. É desconhecida a sua abundância na comunidade florestal pristina, aquando do povoamento pelos portugueses, e não existe qualquer referência em descrições mais antigas como a de Gaspar Frutuoso, em 1586. Em 1868, Richard Lowe, na sua Flora da Madeira e Porto Santo, refere a raridade da espécie, apontando alguns locais onde ainda era possível encontrar alguns exemplares na natureza ou cultivados em quintas, como a do Palheiro Ferreiro. Atualmente a espécie continua a ser extremamente rara na natureza, mesmo com as medidas de proteção a que esta floresta está sujeita. Os exemplares cultivados na Camacha são uma pequena amostra da sobrevivência de uma espécie, que urge manter e preservar. Ginjeiras no largo da Achada, no lado esquerdo do campo de jogos - autor desconhecido- década de 1980 Ginjeiras em flor no Largo da Achada ANP Junho de 2017 “Ginjeira-brava” in Largo da Achada, Camacha
They are the big trees that flank the playground on the side, boarding the road. They are tall, leafy and practically extinct in the wild. The “Ginjeira-brava”, Prunus hixa Willd., is an endemic species of macaronesia and is one of the trees of the stink-laurel temperate forest, classified by UNESCO as a natural World Heritage. It is a tree that can reach 18 metres height, evergreen, with dark green shiny leaves. It blooms between June and August, producing white, fragrant flowers, crowded in elongated racemes. It produces small berries which ripen black. Although not poisonous, fruits are not appetizing because they are hardly palatable. There are, however, references from the 19th century pointing to the sporadic consumption by children. “Ginjeira-brava” abundance in the pristine forest, at the time of the Portuguese settlement, is unknown. Furthermore, there is no reference to this species in older records, such as the descriptions of Gaspar Frutuoso, in 1586. In 1868, Richard Lowe, in his “Flora of Madeira and Porto Santo” refers the species rarity pointing out some places where it was still possible to find some specimens in the wild, and some others cultivated, as in Quinta do Palheiro Ferreiro. Nowadays, the species remains extremely rare in the wild, even with the forest protection policies. The cultivated specimens enduring in Camacha are a small sample of a surviving species, which we need to maintain and preserve. Aida Nóbrega Pupo @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Bibliografia (Bibliography) Capelo J, Menezes de Sequeira M, Jardim R, Mesquita S and Costa JC 2005. The vegetation of Madeira Island (Portugal). A brief overview and excursion guide. Quercetea, 7:95-122 Frutuoso G. 1586-1590. Livro segundo das Saudades da Terra, Reprint edition (1968). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada Lowe RT. 1868. A Manual Flora of Madeira and the adjacent Islands of Porto Santo and Desertas (Vol. I). London: John Van Voorst Press JR and Short MJ (Eds.). 1994. Flora of Madeira. London: HMSO.
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Uma descrição das nossas paisagens, inserida num artigo publicado no Diário de Notícias[i] no mês de Setembro de 1896. Conquanto não seja um artigo assinado, pode-se presumir que seja da autoria do, então, editor do referido jornal, Júlio Quintino Ferraz:
Entre a localidades mais pittorescas e salubres d'esta ilha, verdadeiro jardim do atlantico, privilegiado pela natureza com um clima delicioso, um solo feraz, uma flora luxuriante e uma perspectiva ridentissima, figura em primeiro plano a freguezia da Camacha. No seu aspecto geral, nas opolentas especies arboreas que a povoam, nas beIlas quintas que a adornam e pela frescura e pureza atmospherica que se mantem n'aquelIa altitude, a Camacha é a localidade, talvez unica, que maior semelhança offerece e mais pontos de contacto tem com a freguezia do Monte, denominada a Cintra madeirense. É o Monte, visto por uma lente augmentativa, ampliado nas dimensões dos seus panoramas, com estradas mais vastas e planas e horisontes mais bellos e dilatado, abrangendo as freguezias do --- Caniço e Gaula que se desenrolam a seus pés numa depressão gradual e successiva do solo, delimitada pelo oceano. O contraste entre estas ultimas localidades e a primeira, é frizantissimo, tanto pelo que respeita á flora, como pelas condições climatericas. Em baixo, no littoral, a auzencia de arvores florestaes, as culturas de canna dôce, da vinha e dos variados generos horticolas; lá em cima, a tapetar com a serra, a Camacha, os immensos pinheirais, os bosques de frondentes robles, onde vegetam promiscuamente o carvalho, o castanheiro, o cedro, o til, o folhado, o loureiro, a faia, a tília, o soveiro, o pau de mil homens, a arvore de prata , e diversas outras especies indigenas e exoticas... Não se julgue que a Camacha apenas produz arvores florestaes --- onde abunda a agua de irrigação, produz exhurantemente legumes, hortaliças, semilha e outros generos hortenses, magníficas maçãs, peros, peras e ameixas de superior qualidade. No sitio dos Salgados produz bem a vinha; parece·nos, porem, que este e o unico ponto onde a videira pode ser plantada com resultados satisfatorio . ...Quem só conhece a freguezia da Camacha por ter ido alli em dia de arraiaI e visitado a igreja e a Achada, uma vasta esplanada onde cabem á vontade muitos milhares de pessoas, não pôde gabar- se de ter visto o que n'aquella localidade existe de mais esplendido em perspectivas alpestres, em panoramas surprehentes. A nosso ver as melhores vistas gosam-se dos dois extremos: da levada do Furado e da zona sobranceira as freguezias de Gaula e Caniço, d'onde se descortinam, de uma grande altitude, a ponta de S. Lourenço, com o seu pharol de rotação, as ilhas desertas e a plenitude do oceano, sulcada de vez em quando pelas embarcações a vapor e á velIa que do lado do nascente demandam o porto do Funchal. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias Vista a partir do Hotel- início do século vinte Em ti, Camacha bella e florida, Despontou-me surrindo a luz da vida. Fui visitar as campinas Da minha terra natal: Vi a innocente pastora, Ouvi cantar o zagal, Vi a rosa, o malmequer, Vi o cravo sem rival. O cheiroso mangericão, O goivo, o alvo jasmim, A murta bela e florida, A papoula carmezim, O agreste rosmaninho, O verdejante alecrim. Mais além, estava uma cruz, Tão singella e sem primor, Marcando a triste morada Dos filhos do Creador: Onde é igual, o pobre, o rico, O servo, o nobre senhor. Um tumulo alli tão só! Minhas vistas lhe lancei: Era o jazigo dos meus que da infancia tanto amei: Por memoria uma saudade Junto do tumulo plantei. Noutro tempo visitava, Anjos de pura bondade: Os anjos não são da terra, São flores de eternidade: Hoje só visita um tumulo A minha triste saudade. Vi depois o ancião Com meiga face rugosa: Seus cabellos cor de neve, Sua mão rija e callosa, Sem orgulho, sem vaidade, Gosar mais que aqui se gosa. já não era do meu tempo A casa de Deus consagrada; Era tao despida d’arte, Tao pobremente adornada, Sem campanario, sem côro, Sem ornamento, sem nada. Vós sabeis altos Ministros Que ha muito templo indecente! Que ali tem conforto o rico, O pobre e o indigente: Que o luxo só no profano Não agrada a um Deus clemente. Oh! quanto era feliz A passada geração! Amava a Deus e aos homens, Era o pobre seu irmão, Tinha fé, tinha riqueza, Tinha amor, tinha affeição. Mas com tudo, vou cantar, ( Se o engenho der p’ra tanto) Da minha terra natal A festa do Espirito Sancto: Já que à gralha é concedido soltar livre o rouco canto. Com vestidos, sem vaidade, Duas salôas cantavam, Ao som de alguns instrumentos Que tambem doce tocavam: Os tiros rompiam os ares, Os bronicos sinos dobravam. Eram risos e folguedos Como os da primeira idade: Doze pobres recebiam O fructo da charidade, Que lhes dava o imperador Com a sua autoridade. Mas, além dessas ruinas Que o templo abatendo vão, Sabe o povo respeitar A nossa religião: Prepara solenne festa Com contrita devoção Na igreja uma bella orchestra Acompanhava o louvor, Que seis ou sete cantores Erguiam a nosso Senhor: Tres padres cantavam a missa, Orava bem um bom pregador. Esteve a banda dos artistas No adro sempre tocando; O povo em romarias Alli se vinha apenhando: Esmola ao Espirito Sancto Se ouvia de quando em quando. Não encontrei a grandesa Que reina em qualquer cidade: Não vi a seda, o setim, Dar brilho a uma só deidade: Achei mais amor e vida, Mais ventura e mais bondade. Deixei os formosos campos da minha aldea querida, D’ella trago uma saudade Nos seios d’alma escondida: E da campa solitaria, que lá achei num campo erguida. José Marciano da Silveira Voz do Povo 31-05-1860 [1] Uma breve biografia do autor será tema de um futuro artigo. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Vista perto da Camacha, sobre o Vale Paraíso - cartão postal- autor desconhecido - Final do século XIX
[1] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, A Voz do Povo Que na Achada da Camacha foi onde se jogou pela primeira vez futebol em Portugal, é uma informação amplamente divulgada e que tem por base o testemunho de Henry (Harry) Calverley Hinton[1]. Nascido na Madeira em Janeiro de 1857, este madeirense inglês foi, como era usual na altura entre a sua comunidade, prosseguir os estudos em Inglaterra. Nas escolas e universidades inglesas o football fazia já parte do desporto escolar obrigatório e devidamente regrado pela The Football Association, desde 1867. Foi nas férias de 1875 que Harry, então com dezoito anos, trouxe a bola que iria apresentar este desporto à Madeira e a Portugal. Através do testemunho de Harry Hinton, sabemos que os jovens da Camacha aprenderam o jogo e participavam, alguns deles descalços, nos jogos que aconteciam na Achada da Camacha[2]. Como daí se desenvolveu e se enraizou na comunidade camachense, as informações são muito escassas. Em Agosto de 1911, trinta e seis anos depois, vimos encontrar uma pequena notícia[3] a informar da fundação de uma sociedade de foot-ball na Camacha, Sociedade Sport Recreio. Anunciava também, um jogo entre a 1ª e a 2ª equipe do dito clube, que iria acontecer no domingo da Festa do Santíssimo Sacramento, no dia 27 de Agosto. No início de Outubro, o Diário de Notícias dá-nos conta de que se realizou um jogo na Achada da Camacha entre um grupo de excursionistas e o Club Sport Camacha, tendo o resultado sido favorável aos primeiros. Logo no início de 1912, o clube que deu que falar foi o Grupo Sportivo Operário, ao vencer por dois goals a zero o Grupo Sport Camponez do Farrobo, num jogo disputado na Achada da Camacha. No mês seguinte venceu o Grupo Sport Camponez dos Estanquinhos por três a zero, tendo este jogo atraído grande número de pessoas que se deslocaram à Achada para assistir. A senda vencedora acabou no dia 1º de Maio, num jogo contra os rapazes do Atheneu em que sofreram um golo logo no início do jogo. Para a história ficou o nome dos craques: o Manuel da vereda filho da Baratinha, o José cesteiro e o rapaz da Claudina. Entrando em 1913 a espectativa era grande para o match que se iria realizar entre a 1ª team do Clube Sport Recreio Camponez e o Sporting Club Campestre, com sede na Choupana. Em Julho foi anunciado um jogo entre a 1ª e a 2ª team do mesmo clube e também a nomeação de sócios: Alberto Acácio Moniz da Silva, Joaquim Jardim Drummond, Leonel de Freitas, Jorge de Ferreira, Manuel H Rodrigues, João S. de Barros. E depois... depois foi a guerra, a primeira grande crise dos vimes e a fome... Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Foto na Achada da Camacha, assinalada com a data de 1928
https://arquivo-abm.madeira.gov.pt/viewer?id=553040&FileID=2672843 [1] Apesar do próprio usar mais Harry, Henry é o seu nome de baptismo como se pode constatar nos registos da Igreja Inglesa depositados no Arquivo Regional da Madeira. [2] Almanaque Desportista Madeirense 1945. [3] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias, Diário da Madeira |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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