História, histórias e curiosidades
No dia vinte e dois de Maio de 1949, no Cais da Pontinha, embarcaram no navio Lima, trinta e sete camacheiros com destino a Lisboa, de onde seguiriam posteriormente para Madrid. Tratava-se do recém formado Grupo Folclórico da Casa do Povo da Camacha, composto por doze pares de bailarinos, doze “ tocadores instrumentistas”[i] e o presidente da Assembleia Geral da Casa do Povo, Alfredo Ferreira de Nóbrega Júnior. Acompanhava-os o Sócio Protector da Casa do Povo[ii] e ensaiador do grupo, Carlos Maria dos Santos. Desafiados por António Alberto Monteiro, delegado do Instituto Nacional do Trabalho e director da acção da FNAT, este grupo de “humildes camponeses de um conselho rural” foram representar a Madeira e o país, no Festival Internacional de Danças e Canções de Madrid, que decorreu no “monumental parque El Retiro” no centro da referida cidade, entre três e seis de Junho. Segundo o testemunho do correspondente do Diário de Notícias “milhares de pessoas aclamaram os camachenses, com expontaneidade e entusiamo que se destacava dos aplausos dispensados aos outros grupos”. E assim foi que, com o Baile Corrido, Camacheiras e Baile Pesado, mais com a ajuda do Brinquinho que despertou muita curiosidade, o Grupo Folclórico da Casa do Povo da Camacha arrecadou um, brilhante, segundo lugar na categoria de grupos mistos, num concurso que, ao todo, reuniu oitenta e oito grupos de dezasseis nacionalidades. Findo o festival o grupo ainda se demorou, com actuações diversas quer em Espanha quer em Lisboa, só regressando à Madeira no dia vinte e cinco de Junho, a bordo no navio Carvalho Araújo. A recebê-los no Porto encontravam-se diversas entidades que com eles seguiram para o Palácio de S. Lourenço, tendo aí sido recebidos pelo Chefe do Distrito, Brigadeiro Rui da Cunha Menezes. Após cumprirem essas obrigações oficiais, foi o regresso a casa onde “ à passagem das viaturas pelos sítios do Vale Paraíso e dos Casais de Além, foram dadas salvas de morteiros, anunciando a chegada os camachenses, atingindo porém delírio quando as viaturas surgiram na Achada da Camacha, em cujo local, numerosas pessoas aguardavam, com entusiasmo, o regresso dos seus representantes no Concurso Internacional de Madrid. Numerosas crianças das escolas oficiais e católicas da Camacha, entoaram cânticos de saudação. Mastros com bandeiras, flores e um dístico «Parabéns»—guarneciam alguns pontos mais centrais da freguesia. Na Casa do Povo realizou-se uma sessão solene de boas vindas, aguardando os recém chegados as pessoas mais gradas da freguesia”. Depois dos discursos dirigiram-se para a Capela de S. José, onde decorreu uma cerimónia de bênção ao Santíssimo em Acção de Graças, pelo regresso e pelo sucesso alcançado. O dia terminou com um «finíssimo e abundante copo de água» nas instalações da Casa do Povo, preparado pelas senhoras e meninas da localidade. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com)
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Cinquenta e seis , são os anos que espaçam a inauguração da Torre do Relógio (vide neste blogue Acto benemérito) e a criação do estabelecimento comercial, em volta da mesma, conhecido como Café Relógio. Mandada construir por Michael Grabham, nos limites da sua quinta na Camacha, a fim de proporcionar à população um relógio público que regulasse o passar dos seus dias, ficou um pouco ignorada quando o, já idoso, doutor a vendeu a Frederico Rodrigues, entre a segunda e terceira décadas do século XX[i]. Frederico Rodrigues, um empresário que, aqui neste blogue, já por diversas vezes tem sido referido, graças aos múltiplos empreendimentos a que se dedicou e que em muito contribuíram para o desenvolvimento da localidade[ii], durante cerca de trinta anos centrou a sua atenção noutros imoveis de sua propriedade, deixando a Torre, ali isolada, no extremo norte da quinta, onde explorava o Hotel da Camacha. Até que no mês de Maio de 1951 apresentou na Câmara Municipal de Santa Cruz um “requerimento para restaurar e construir um pavilhão no prédio onde se encontra instalado o relógio, no sítio da Igreja, freguesia da Camacha”[iii]. Deferido o pedido, terá sido iniciado o processo e em Agosto de 1952 deu entrada nos serviços da Câmara um pedido de vistoria de um estabelecimento de pastelaria e casa de chá, o qual foi aprovado no mês de Outubro do mesmo ano. Em 1964 a exploração do espaço foi arrendada a uma sociedade, recém formada, entre Cesário de Freitas, barman, natural da Camacha e Guilherme Silva, empregado de mesa, natural do Funchal. Em 1970 Cesário de Freitas vendeu a sua parte a Álvaro Nóbrega, na época chefe de contabilidade do Hotel Reid’s, Fernando Nóbrega, funcionário no Aeroporto de Santa Catarina[iv] e Heliodoro Câmara, empresário de obra de vimes, todos naturais da Camacha, tendo então a sociedade sido restruturada em quatro quotas, em consonância com o aumento de capital. Em 1973 adquiriram o espaço aos descendentes de Frederico Rodrigues, o qual desenvolveram e transformaram naquela que, para além do relevante papel na comunidade, durante cerca de quarenta anos, foi a imagem de marca da Camacha. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Ainda não foi localizado qualquer documento que confirme a data exacta. [ii] Central eléctrica , o Hotel do sr. Frederico , o carro nº740 , o primeiro camião [iii] Actas das sessões da Câmara Municipal de Santa Cruz- ABM [iv] Hoje Aeroporto da Madeira Internacional Cristiano Ronaldo Decorria o ano de 1858 quando Ana de Freitas, de sessenta e seis anos, sentindo-se doente, decidiu vender algumas propriedades que tinha em comum com o seu, ausente, marido José Vieira. Ana de Freitas nasceu em Gaula e veio morar para a Camacha aos vinte e um anos, quando casou com José Gouveia dos Salgados, em 1813. Em 1836 achando-se viúva, aos quarenta e quatro anos, casou com José Vieira, um mancebo do sítio da Igreja, de olho azul e cabelos loiros, com vinte e sete anos de idade. Viviam-se tempos conturbados no país e com a idade de trinta e três anos, José Vieira, com os seus 152cm de altura, foi mobilizado para assentar praça no Regimento de Infantaria nº 11, tendo seguido para o Reino, a fim de cumprir o serviço militar. Por lá ficou, na qualidade de soldado, até 1859, porém em Dezembro 1860, não tinha ainda regressado à Camacha, o que levou a que a sua mulher, dando-se por viúva, vendesse a terceira das suas propriedades. Aos vinte e sete dias do mês de Agosto de 1867 morreu Ana de Freitas , com a idade de setenta e cinco anos e é de Novembro desse ano que se tem notícia do regresso de João Vieira, num documento notarial no qual ratifica os três negócios feitos, na sua ausência, pela falecida mulher. João Vieira voltou a casar, em Janeiro de 1868, com Joana de Jesus, ele com a idade de cinquenta e nove anos, ela com cinquenta, e sete e daqui se lhe perde o rasto, podendo se presumir que o casal terá saído da Camacha. Esta é apenas uma breve história de um dos quarenta e cinco[i] jovens camacheiros que ao longo do século XIX e início do século XX foram chamados a servir o Reino, integrados em diversas unidades de Infantaria. Os primeiros foram integrados no Regimento de Infantaria nº 11 em 1837 e daí até 1907, para além de diferentes números de Regimento de Infantaria, foram integrados na Guarda Municipal de Lisboa, Regimento de Granadeiros da Rainha, Batalhão de Caçadores, Praça de S. Julião da Barra, Companhia de Correcção. O conjunto desta informação revela ainda algumas notas curiosas que nos permite criar uma imagem dos jovens de então. Com um altura média de 1,52m o grupo teve nos seus extremos Joaquim de Ornelas, um jovem recruta de dezanove anos com 1,42m, em 1839 e Francisco Ferreira, 18 anos, 1,72m, em 1855. Maioritariamente tinham olhos “pardos”[ii] e cabelos castanhos, ao que se juntavam um ou dois olhos azuis, esverdeados ou pretos e cabelos loiros e pretos. Todos eles foram apenas soldados, apesar de diversos terem prosseguido carreira militar durante alguns anos. Enquanto profissão foram na sua maioria lavradores, constando da lista também um sapateiro, dois criados de servir e um barbeiro. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Histórico Militar [ii] Descrição física patente nos Livros Mestres - Arquivo Histórico Militar ABM – Notariais, Paroquiais imagem em - https://purl.pt/11767/3/e-805-a_JPG/e-805-a_JPG_24-C-R0150/e-805-a_0001_1_p24-C-R0150.jpg A primeira imagem que se associa, quando se fala da Casa do Povo da Camacha, é de esta ser um organismo vocacionado para a cultura. E efectivamente é a qualidade e notoriedade dos diversos grupos que a integram que em muito contribuem para a sua notabilidade. No entanto um olhar mais atendo revela-nos outras áreas de intervenção. Criada em 25 de Maio de 1937, ao longo da sua história assumiu por diversas vezes um papel mais interventivo na administração local e no desenvolvimento da freguesia e da sua população. Foi o que sucedeu no início da década de quarenta, quando esta instituição chamou a si a responsabilidade de reparar, melhorar ou mesmo construir de novo, a rede de caminhos que ligavam os diversos pontos da freguesia. Recorrendo aos seus próprios fundos e contando com o apoio financeiro da Comissão de Socorros Distrital e da Câmara Municipal de Santa Cruz, no mês de Junho de 1940 deu início às obras de melhoramento de velhos caminhos, alargando-os e calcetando. O primeiro a beneficiar desses trabalhos foi o Caminho da Eira Salgada, que no início de Agosto contava já com uma extensão de 400m. Seguiram-se os caminhos da Ribeirinha, Rochão, Achadinha, Casais de Além e Nogueira. Deste pacote de obras fizeram parte, também, arranjos no campo da Achada e calcetamento dos caminhos em seu redor, trabalhos estes comparticipados pelos comerciantes locais e alguns particulares. Para a execução destas obras a Casa do Povo recorreu a vinte e cinco associados que estavam desempregados e que, segundo um artigo inserido no Diário da Madeira, foram renumerados “ pelo bom sistema de assistência, vales de milho para serem distribuídos em troca de trabalho”. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) ABM- Colecção de Jornais, Diário da Madeira
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Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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