História, histórias e curiosidades
Assuntos há que se tornam mais difíceis de abordar, pela dificuldade de encontrar documentos que os sustentem. Esse é o caso das nossas “vendas”. A imagem que muitos de nós ainda guardam é de uma casa, geralmente de dois andares, onde no rés-do-chão funcionava de um lado a venda de mercadorias e do outro a taberna, onde se juntavam os homens. Essa foi a prática que perdurou quase até o final do século vinte. Quando terá surgido na Camacha o primeiro negócio desta natureza é o que se torna mais difícil de localizar. A descrição feita pelo Bispo de Meliapor[i], aquando da sua visita à Camacha em 1813, faz um retrato geral da comunidade e das suas actividades, no entanto nada refere quanto à existência de casas especificamente destinadas à venda de produtos. Por uma acta de Outubro de 1829, sabe-se que a Câmara de Santa Cruz preparava-se para cobrar licença aos taberneiros de Gaula, Caniço e Camacha, tendo instruído os escrivães das freguesias para prepararem uma lista dos mesmos. Embora essa lista, até agora, não ter sido localizada, a referência à necessidade de a fazer confirma-nos, pelo menos, a existência de estabelecimentos desse tipo. De resto a documentação é parca e apenas se pôde contar com o testamento de António de Miranda, em 1865, pelo qual deixou de herança uma mercearia no sítio da Igreja e com um contrato de arrendamento, em 1867, através do qual João Elias Baptista, arrendou a Manuel da Câmara, criado de servir, uma loja em sua casa para fazer de mercearia, também no sítio da Igreja. A partir de 1870, e graças à lista de licenças emitidas pela Câmara de Santa Cruz, obtém-se um quadro mais completo, se bem que apenas quantitativo, destas actividades comerciais, na Camacha, até o final do século XIX. A lista abaixo incide num período de dez anos (70/80) e embora a informação não seja suficiente para deslindar se se tratam de diferentes unidades ou se, eventualmente, alguma será a mesma com diferentes proprietários ao longo dos anos, denota alguma pujança neste tipo de actividade comercial na nossa pequena aldeia rural: António de Miranda- Igreja-Taberna; António de Sousa Jardim- Igreja - Mercearia; António Gonçalves- Vale Paraíso - Taberna; António Rodrigues - Figueirinha- Mercearia; António Teixeira de Vasconcelos- Achadinha - Mercearia; António Teixeira de Vasconcelos Júnior- Casais d’Além - Mercearia; António Vieira de Gouveia - Taberna; Maria (viúva de Domingos de Freitas)- Rochão- Taberna, Padaria; Francisco Joaquim de Sousa - Igreja - Taberna; Francisco de Freitas - Igreja - Mercearia; Francisco de Freitas- Igreja - Taberna Mercearia; Francisco Gonçalves - Figueirinha - Taberna; Francisco Teixeira - Figueirinha - Taberna; Gregório de Vasconcelos - Levada do Pico- Taberna; Jesuína de Jesus - Barreiros, Casais d'Além - Taberna; João da Mota - Rochão - Taberna; João Fernandes _ Pinheirinho - Taberna; João Teixeira “ Batoque”- Rochão- Taberna; Joaquim M de Vasconcelos - Levada do Pico - Taberna; José da Silva - Igreja - Taberna; José Rodrigues - Nogueira - Mercearia; José Vieira - Pinheirinho - Taberna; Justiniano de Freitas - Padaria, Mercearia, Taberna; Manuel de Nóbrega- Casais d’Além - Mercearia; Manuel Ferreira de Nóbrega - Igreja - Taberna; Manuel Teixeira - Igreja- Taberna, Padaria; Manuel Vieira Piza - Levada do Pico- Taberna; Manuel Vieira Prioste - Levada do Pico- Taberna; Maria de Freitas - Eira da Cruz - Taberna; Maria de Gouveia - Achadinha - Taberna; Maria de Nóbrega - Mercearia; Rosalina Baptista - Igreja- Taberna. Pelos inícios do século vinte, o número de estabelecimentos licenciados foi muito semelhante, acrescido apenas de mais quatro unidades, com alguns destes comerciantes a entrar, também, no novo século e as suas casas, porventura, a chegarem aos nossos dias. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] ALMEIDA, Eduardo de Castro e, Archivo de Marinha e Ultramar, inventário: Madeira e Porto Santo, Coimbra 1909. Vol.II, doc.12465, p.333
Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Actas da Câmara Municipal de Santa Cruz * NASCIMENTO, João Cabral - Estampas Antigas da Madeira - 1935
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Não sendo um dos motivos que lhe deu notoriedade, acabam por ser surpreendentes os cinco mil e setecentos quilos de lenha que a Camacha ofereceu à Santa Casa da Misericórdia, no dia 1 de Novembro de 1948. Nesse dia decorreu no Funchal, mais precisamente na Avenida do Mar, um Cortejo de Oferendas, organizado pela Comissão Distrital de Assistência que contou com a participação de todas a freguesias da Madeira e Porto Santo, num total de sessenta e três viaturas e a participação de diferentes associações culturais e civis. A Camacha apresentou-se com duas viaturas, nas quais seguiam os referidos quilos de lenha e ainda obra de vimes, produtos da terra e galinhas. No rol de oferendas a única referência a lenha pertence à Camacha, o que nos leva a pensar que esta era, por esta época, uma actividade ainda com relevante importância, não só na freguesia como, eventualmente, no todo da ilha. Olhando mais atrás no tempo vão-se encontrando menções a Serra d’Água, situada abaixo da levada do Pico do Arvoredo e ao que tudo aponta no Rochão, indicativas de actividades madeireiras. Mais explicito que isso, é a descrição do Bispo de Meliapor, em 1813, já aqui antes apresentada, mas que vale sempre a pena relembrar: “O povo da Camacha emprega-se em levar cargas de giesta e lenha para a cidade. Vão à serra sem o embaraço do gelo no Inverno ou do grande calor no estio e na alta noite caminhão à cidade vender aquelles molhos de lenha que regulam de 260 a 400 rs cada um, segundo a sua grandeza e qualidade”[i] No relatório apresentado ao Governador da Madeira, em 1945, por Aires Victor de Jesus, na qualidade de Presidente da Câmara de Santa Cruz, é feita alusão a uma prática antiga na parte alta da Camacha, de intercalar a produção de giesta com o plantio de trigo e centeio, aproveitando o facto de a giesta, depois de ser cortada, para lenha, voltar a crescer graças às sementes que ficavam na terra. Aires Victor de Jesus gabava a qualidade dessa lenha e recomendava a adopção dessa prática para todo o concelho. Entre as duas épocas, atrás referidas, apenas se encontraram, poucas e pequenas, referências, essencialmente pedidos de licença para cortar castanheiros e carvalhos, no Vale Paraíso e Rochão, sem discriminar, contudo, o destino dessas madeiras. Da tradição oral, ficou-nos a cantiga: As meninas da Camacha Quando não tem que fazer Vão à serra buscar lenha E vão prà cidade vender Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] ALMEIDA, Eduardo de Castro e, Archivo de Marinha e Ultramar, inventário: Madeira e Porto Santo, Coimbra 1909. Vol.II, doc.12465, p.333
Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Actas da Câmara Municipal de Santa Cruz A primeira notícia que se encontrou, até ao momento, remonta ao ano de 1858, aquando Lourenço Joaquim de Sousa vendeu a Rufino Ricardo Teixeira, os moinhos que eram de António Emídio de Sousa. Sem documentos que o comprovem, apenas se pode presumir que estes moinhos terão sido construídos por António Emídio de Sousa, na primeira metade do século dezanove. De António Emídio de Sousa apenas se soube que era proprietário, nessa época, de uma considerável quantidade de terrenos, nas duas margens da pequena ribeira. O facto de existir um moinho a cerca de duzentos metros acima, o qual deu ao local onde se encontra, a designação de Bairro do Moinho, que perdurou até os inícios do século vinte, reforça também a hipótese de estes, uns quantos metros abaixo, serem de construção mais recente . De Ricardo Rufino passou, em meados de sessenta[i], para João Elias Baptista e foram os seus descendentes e herdeiros que a partir de 1886 começaram a vender a António Teixeira Vasconcelos, em porções de 1/9, a “casa térrea, coberta de telha, que serve de moinho com duas moendas.[ii]” Em 1899 estava o processo de compra concluído, mas logo em 1900, António Teixeira de Vasconcelos e Genoveva Baptista doaram este moinho a Genoveva Amália Vasconcelos, uma das suas cinco filhas. Em 1910, Genoveva Amália de Vasconcelos e o seu marido, João da Mota, venderam o predito prédio a José Quintal Júnior, dos Casais de Além e a António Gouveia Branco, da Igreja. Esta sociedade manteve-se até o ano de 1957, tendo, então, a parte de José Quintal Júnior sido vendida a Francisco Rodrigues & Filhos, Lda., com morada na Rochinha, Funchal. João Gregório Branco ficou com a outra metade, tendo o moinho, com uma área de quarenta metros quadrados e duas mós, uma com 93cm e outra com 95cm, laborado até o início dos anos setenta. Nos diversos documentos consultados surge outro moinho, no mesmo local, a ser vendido em 1905, por Tomás Tolentino de Vasconcelos, Rufino Teixeira de Vasconcelos e Maria Fernandes de Vasconcelos, ausentes da ilha, filhos de António Teixeira de Vasconcelos e Genoveva Baptista, a João Manuel Teixeira das Neves da Achadinha. Segundo a descrição inserida no acto notarial a venda englobou dois prédios na Achadinha: uma casa sobrada coberta de telha e um moinho com duas moendas. As confrontações descritas colocam a norte um moinho, a leste a ribeira da laranjeira e a sul a estrada. No livro Moinhos e Águas do Concelho de Santa Cruz[iii] encontra-se referência a este moinho num quadro relativo a 1920[iv] e uma outra que atesta a sua existência em 1940, detalhando apenas as duas mós, uma de 62 e outra de 67 centímetros. Desconhece-se quando terá deixado de funcionar. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Carece de confirmação
[ii] ABM Notariais [iii] RIBEIRO, João Adriano; FREITAS, Lourenço de G.;FERNANDES, José Baptista - Moinhos e Águas do Concelho de Santa Cruz [iv] O nome constante no quadro é João Manuel Teixeira Nunes mas pela semelhança com Teixeira das Neves, por não se encontrar qualquer indicação da existência de alguém com esse nome, nessa data, e pela noção da dificuldade que muitas vezes a leitura de documentos manuscritos acarreta, presume-se que se trata do mesmo moinho. |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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