História, histórias e curiosidades
Em 1907 Baden-Powell, oficial do exército inglês, criou o conceito de Escotismo. Em 1911 o Tenente Álvaro Machado introduziu-o em Macau e logo depois foi-se disseminando pelo restante território português. Apesar da nobreza de princípios, o movimento não era do total agrado da Igreja Católica portuguesa, devido à sua associação, na época, às Igrejas Protestantes. Foi por esse motivo que em 1923, sob iniciativa do Arcebispo Primaz D. Manuel Vieira de Matos, em Braga, foi fundado o Corpo Nacional de Escutas, o qual foi oficialmente instituído na Madeira em Dezembro de 1928[i]. No início do mês de Agosto de 1929 o Diário da Madeira noticiou a chegada do movimento escotista à Camacha, pelas mãos do recém-criado Corpo Nacional de Scouts: “Escotismo Está a organizar-se nesta aprasivel estancia, sob o patrocinio de Nuno Alvares, um grupo de escoteiros, encontrando-se já inscritos cêrca de 60 rapazes, entre «lobos» e «lobitos». Foi muito bem recebida aqui a louvável ideia da fundação daquele grupo, não só pela disciplina que obriga aos seus componentes como também pelos bons serviços que prestam à sociedade. Teem vindo à Camacha auxiliar o oficial instrutor dos noveis escotistas, os srs. Jaime Ramos e António Figueira de Sousa, do grupo «Infante D. Henrique»[ii], do Funchal.” Pelo mesmo diário obtém-se a informação de que o grupo “Nun’Alvares, desta freguesia, fará o seu juramento no dia 22 de setembro. As fardas já se encontram na «Loja das Camélias». O nosso estimado amigo sr. Patrício Morais Gonçalves, digno 1º sargento do exército tem se esforçado para prepara-los na maior ordem e disciplina.” A notícia faz ainda uma referência à sede do agrupamento, a qual se pode presumir ter sido na Capela de S. José atendendo à designação escolhida para o grupo. De resto desconhece-se quanto tempo terá subsistido, sendo que a única referência relacionada, encontrada até ao momento, diz respeito ao Acampamento (vede artigo neste blogue) mas que, no entanto, não faz qualquer alusão a escoteiros camacheiros. A página do actual Agrupamento 1288[iii] situa no início da década de setenta, a primeira iniciativa escotista na Camacha, pelo que se deduz que a informação relativa a este assunto terá se perdido, também, na tradição oral. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] CNE-Madeira | cnemadeira
[ii] Primeiro agrupamento do Corpo Nacional de Escutas, na Madeira [iii] Escuteiros CNE - Agrupamento 1288 (paroquiadacamacha.com) ABM Colecção de Jornais * Pela paisagem circundante aparenta ser no Funchal
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Do calendário camacheiro destacaram-se, desde tempos de que não ficou memória, duas datas em que a junção do religioso com o profano se traduziram em dias maiores para a freguesia: a Festa do Espírito Santo, a oscilar entre o final de Maio e o início de Junho e a Festa do Santíssimo Sacramento, no final do mês de Agosto. Tanto uma como outra atraiam inúmeros forasteiros e são recorrentes as notas que a imprensa regional apontava, ao longo dos anos, sobre esse prisma. Ocasionalmente as notícias foram um pouco mais longe dando-nos conta de alguns aspectos mais peculiares da forma como a população local vivia o evento. É um desses testemunhos que se transcreve abaixo, relativo à Festa do Espírito Santo no ano de 1946: “Promete revestir-se de excecional brilhantismo a Festa do Espírito Santo na Camacha, que se realiza este ano nos próximos dias 9, 10 e 11 de Junho. O povo daquela localidade— animado pelo seu incansável vigário, o reverendo padre Medeiros, acha-se possuído de um invulgar entusiasmo, para que aquela tradicional festa atinja o maior esplendor. Nos vários sítios estão a organizar-se romagens registando-se já valiosas oferendas em gado, produtos da terra, artefactos, vestuário, etc. que no domingo 9 formarão um grande cortejo que deverá chegar ao campo da Achada pelas 11 horas da manhã. Essas ofertas serão depois recolhidas em numerosas barracas, representativas dos respectivos sítios, armadas naquele vasto recinto, afim de serem leiloadas, umas, sorteadas outras, e cujo produto se destina a favor da igreja. Nesse mesmo dia, à tarde, será organizado um outro cortejo com as oferendas, pão, doces, géneros alimentícios, etc.— que constituirão o bodo dos pobres. Nos dias 9 e 10 tocarão duas bandas de música, havendo profusas iluminações, devendo ser queimado muito fogo de estrondo. Tosos os esforços se conjugam para que aquelas populares festas atinjam o máximo do brilhantismo, em tudo digno da fama que gosam em toda a ilha. As cerimónias religiosas também se revestirão de excecional pompa, apresentando-se a igreja ricamente decorada com flores e lumes.”[i] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias
Mais sobre esta festa neste bloque em Segunda feira da Camacha e Imperador e Mordomos Por motivos que não foi possível apurar, uma onda de associativismo percorreu a Camacha em 1904. Já antes aqui se falou da Sociedade Santa Isabel que surgiu no Rochão em Novembro de 1904. Antes de isso, no mês de Agosto e com sedes no extremo oeste e centro da freguesia, tinham surgido duas outras sociedades dentro do mesmo espírito e objectivos. O facto de no mesmo ano, nesta pequena localidade, terem surgido três associações comerciais com o objectivo principal de abrirem uma mercearia para fornecimento dos seus sócios, ultrapassa o mero apontamento intrigante e curioso, dado que das suas escrituras consegue-se extrair um apanhado das principais actividades da freguesia no início do século vinte. Com sede no sítio do Ribeiro Fernando, junto ao Ribeiro do Pinheirinho, na casa de João Rodrigues de Sousa nasceu a Sociedade de S. João. Apesar de situada no extremo da freguesia os seus sócios fundadores vieram de quase todos os sítios da freguesia: Semião de Nóbrega, Manuel de Andrade, Manuel de Jesus, Manuel de Gois, José de Gois Júnior, José de Gois, João de Gois, António de Nóbrega, José de Rodrigues, todos lavradores do sítio da Ribeirinha; Manuel Teixeira, António de Ornelas, João de Quintal, Francisco de Freitas, Manuel de Andrade, António de Freitas, João de Ornelas, lavradores; Manuel de Quintal, sapateiro, todos do sítio da Nogueira; José Correia, João Correia, José Pedro Gonçalves, Manuel de Gouveia, lavradores dos Casais d’ Além; Manuel de Freitas, Manuel Teixeira, lavradores da Achadinha; Manuel de Freitas, José Paulo Teixeira, António Rodrigues, António Teixeira Júnior, lavradores do Vale Paraíso; João Rodrigues de Sousa, guarda de levada, João Fernandes, Manuel Fernandes, lavradores do Ribeiro Fernando; Pedro de Andrade do Rochão. A este grupo de trinta e um camacheiros juntaram-se ainda dois indivíduos do Caniço, faltando ainda sete sócios para perfazer o objectivo da sociedade que era alcançar os quarenta sócios com quotas de doze mil reais, para perfazer um total de quatrocentos e oitenta mil reis de capital social. A gestão da sociedade funcionaria com base em mandatos de três meses dos eleitos por dois terços dos sócios. A primeira direcção foi assumida por: Manuel de Quintal, presidente; António Teixeira Júnior, secretário; Manuel de Andrade, tesoureiro; Manuel de Goes, João Fernandes, Manuel Fernandes, Vogais e João de Ornelas seria o Vendeiro. No centro da freguesia, no sítio da Igreja, na mesma data nasceu outra sociedade congénere cujos sócios fundadores foram: João Barreto Sénior, João Martins, Francisco Martins, João de Andrade Sénior, José Januário Gonçalves, José Martins, Manuel de Nóbrega, José de Andrade, João Teixeira, industriais (de obra de vimes?)[i], Manuel Teixeira Júnior, proprietário e João de Freitas, oficial de obra de vimes, todos do sítio da Igreja. José Ferreira Júnior, Júlio Fernandes Teixeira e António Pereira Júnior, industriais da Achadinha. Manuel Teixeira Feijão, industrial, José João de Freitas, proprietário e Jesuíno de Miranda, cozinheiro, todos dos Casais d’Além. Manuel dos Santos, proprietário dos Salgados. A data da sua constituição aparenta ter sido um pouco forçada, dado que aquando da escritura de constituição não estava ainda definido um nome para a sociedade nem local exacto para o seu funcionamento. O seu capital seria de trezentos e oitenta mil reis, sendo que cada sócio entraria com a quantia que pudesse. Assim como a outra sociedade os mandatos seriam de três meses sendo que a primeira direcção foi assumida por: José Ferreira Júnior, presidente; Manuel Teixeira Júnior, Secretário; João Barreto Sénior, tesoureiro e Manuel Teixeira Feijão, José de Andrade, José Teixeira Júnior, vogais. Qual a durabilidade e eficácia destas sociedades e o seu impacto na freguesia são dados que, infelizmente, até o momento não se encontraram quaisquer fontes de informação. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] A escritura apenas refere Industriais
Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Notariais, Cartório Notarial: Santa Cruz Desde há muito que os nossos emigram e a comunidade, embrenhada no decorrer do seu dia a dia, rapidamente os deslembra. Quem são ou foram, quando partiram, qual o seu destino, as suas lutas e conquistas, são informações que, no geral, vão ficando registadas apenas nos seus núcleos familiares. Esporadicamente essa informação chega à comunidade e quis a mera casualidade que me deparasse com o projecto Lighting the Way: Historic Women of SouthCoast, do New Bedford Whaling Museum[i]. Trata-se de um projecto que pesquisa o impacto histórico das mulheres na comunidade, da região da costa sul de Massachusetts, nos Estados Unidos. Foi lá que encontrei a história de Josefina Teixeira, a qual merece ser aqui partilhada. Josefina Baptista Teixeira nasceu a 24 de Novembro de 1911 no Ribeiro Serrão, filha de António Baptista, do Ribeiro Serrão e Genoveva Neves, do sítio da Igreja. Foi a mais nova de sete irmãos, cinco rapazes e uma rapariga. O seu pai era carpinteiro e foi um dos trabalhadores que construiu a casa de Alfredo Ferreira de Nóbrega, no início do século vinte. Em 1920 o pai e o irmão mais velho, José, emigraram para os Estados Unidos. No ano seguinte Josefina, a mãe e os restantes irmãos seguiram o mesmo rumo. Josefina foi a única da família que frequentou a escola em New Bedford. A nova língua não constituiu obstáculo tendo chegado, com bons resultados, até o sexto ano, quando teve de deixar a escola para ajudar a família, trabalhando no negócio familiar Liberty Super Market. Casou-se com José Teixeira em 11 de Fevereiro de 1935, na Igreja Nossa Senhora do Monte Carmelo, em New Bedford. Teve dois filhos, William e Lawrence e enquanto criava os filhos pequenos em casa, aprendeu a arte tradicional de cortar silhuetas à mão. Nessa época frequentou a Swain School of Design para aperfeiçoar a sua arte. Quando regressou ao mercado de trabalho foi balconista em diversas lojas, utilizando os colegas e clientes como fonte de inspiração para as suas pequenas obras. Tornou-se conhecida por fazer as silhuetas em recortes de papel ou feltro, tendo o seu trabalho sido exibido em exposições de arte em New Bedford. Faleceu em 18 de Dezembro de 2008. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Lighting the Way, Historic Women of the SouthCoast (historicwomensouthcoast.org)
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Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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