História, histórias e curiosidades
O início dos anos setenta do século vinte, foram anos ricos para a Camacha. Ricos, nem tanto no sentido de prosperidade financeira, mas mais no sentido da multiplicidade de actividades que a pequena aldeia serrana pode usufruir. Quer na cultura quer no desporto, foram se sucedendo iniciativas que, sem dúvida, foram uma mais-valia para a população. Enquanto na cultura a chave terá sido o factor humano, no aspecto desportivo o recém-inaugurado ringue da Achada desempenhou, também, um papel fulcral. (vide Esquisita modalidade e Voleibol ) Sem envolver directamente camacheiros, durante o mês de Maio de 1972, disputou-se um torneio de Basquetebol entre quatro equipas, todas de fora da freguesia: Marítimo, Nacional, União e Lazareto. Segundo o Diário de Notícias, este torneio despertou grande interesse da parte do público que ocorreu em grande número a ver os jogos. Apesar do pouco, ou nenhum, impacto que terá tido no apreciar, e eventualmente desenvolver, a prática da modalidade na Camacha, os desafios terão representado, durante esse mês, uma forma diferente de entretinimento, a preencher o ócio dos fins de semana. Um ócio que nas décadas seguintes iria ser parcialmente ocupado pela TV, mas que na época as poucas televisões que existiam na localidade apenas captavam, quando o tempo o permitia, as emissões de Canárias ou Marrocos, dado a RTP Madeira estar ainda a iniciar as suas emissões experimentais. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Arquivo Regional da Madeira- Colecção de Jornais
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Infelizmente nem os nossos antepassados nem os visitantes que por aqui passaram, nos deixaram testemunhos escritos que elucidem quanto a diversos aspectos da vida na Camacha de outrora. Uma dessas faltas de informação recai sobre a forma como os camacheiros tratavam os problemas relativos à saúde, mais especificamente onde adquiriam os remédios para as suas maleitas.
A tradição oral reteve algumas receitas das mezinhas caseiras e, até por analogia com o que se verificava no resto do país, podemos deduzir que a maioria da população assim se trataria. A aguardente com que se lavavam as feridas, o vinho e o pão com que se faziam os pensos para cobri-las (vide O caso da Camacha), naturalmente, podiam ser adquiridos em qualquer "venda". A primitividade destes recursos não se traduzia, contudo, na recusa de tratamentos com base no conhecimento científico, como pôde testemunhar um cidadão inglês, num Verão que aqui passou, e do qual fez um relato publicado na Blackwood's Edinburgh Magazine em 1888: “Lembro-me dos domingos bem passados, um inglês gentil e amigo dos pobres, assistido por um médico inglês, para quem era uma festa, e por senhoras inglesas, a vacinar os aldeões em massa, quando a varíola afectava o Funchal. Era uma cena estranha— uma multidão de crianças de olhos escuros e bronzeadas, com as suas mães, ainda mais bronzeadas, reunida debaixo dos castanheiros— as crianças muito relutantes, arrastadas ou carregadas para o local da execução e felizes por de lá regressar com os seus membros completos. Os homens, com a sua pose de adulto masculino indiferente à dor, dificilmente disfarçavam os seus terrores”. Apesar da abertura em aceitar formas de tratamento, para além daquelas que aprendiam por tradição, nada indica que tenha existido uma botica, entre os cerca de trinta estabelecimentos comerciais da Camacha, no final do século dezanove e dos quais se tem algum conhecimento através das licenças emitidas pela Câmara de Santa Cruz. Quando, por imposição legal, a Câmara de Santa Cruz contratou, em 1900, um médico que servisse a população, fazia parte das condições do concurso que esse médico possuísse uma botica, mas uma vez que estava sediado no Caniço, a Camacha não beneficiou directamente desse serviço. (vide Centro Sanitário ) Segundo a acta da sessão da Câmara Municipal de Santa Cruz, em vinte e dois de Outubro de 1902, por essa data um médico teria fixado residência na Camacha, onde atendia doentes e possuía uma pharmacia. O médico foi Alfredo Maria Figueira, natural da Boaventura e que por aqui exerceu, tanto quanto se conseguiu apurar, até a década de vinte. Contudo nada mais se conseguiu saber, nomeadamente onde ficaria localizada a sua residência e local onde exercia. Só se volta a encontrar uma farmácia na Camacha em 1960, quando a Farmácia do Caniço abriu um “posto de dispensa de medicamentos”[i]. Esta sucursal funcionou até o ano de 1994, coexistindo desde 1982 com a Farmácia da Camacha que é a que se mantém até hoje. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) O dia vinte de Junho de 1971 foi mais um dia especial para a Camacha. Integrado no XXV Campeonato Nacional de Voleibol, disputou-se às dezoito horas, no ringue da Achada, o jogo Camacha- CTT, tendo o resultado sido favorável à equipa camacheira, a participar pela primeira vez nestas lides. Este campeonato acontecia desde meados dos anos quarenta do século passado e era da responsabilidade da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho.[i] Com jogos às terças e sextas-feiras no campo de jogos da Escola Industrial[ii] e aos Domingos no campo de jogos da Achada da Camacha, a fase de apuramento regional disputou-se entre seis equipas: Banco Madeira, Camacha, Cadastral, Santa Maria, CTT e Previdência. A equipa da Casa do Povo da Camacha agregou-se para participar neste torneio. Capitaneada pelo padre Pestana Martinho, conseguiu, apesar da sua pouca experiência, ter uma presença digna, tendo ficado classificada pelo meio da tabela. Quanto ao impacto deste evento na localidade, nada melhor que um testemunho da época, na voz do jornalista do Diário de Notícias em cinco de Julho de 1971: “Ficámos verdadeiramente surpreendidos com o interesse extraordinário que a população da freguesia da Camacha acompanhou o encontro. Previmos, realmente, que o povo da Camacha apoiasse a sua equipa. Contávamos com o entusiasmo de uma população que costuma vibrar com os acontecimentos em que está em causa a representação da sua freguesia, não esperávamos contudo, que toda «a freguesia» se deslocasse até o campo da Achada presenciar um jogo de voleibol. Ao vermos todo esse interesse e entusiasmos não podemos deixar de felicitar a decisão da Casa do Povo da Camacha em inscrever-se neste torneio.” Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] A FNAT foi criada em 1935 com o objectivo de criar infra-estruturas destinadas a actividades culturais, recreativas e desportivas para os trabalhadores. Nas freguesias rurais era representada pelas casas do povo.
[ii] Hoje Escola Secundária Francisco Franco Arquivo Regional da Madeira- Colecção de Jornais Assim como nas nossas vidas, nas localidades a linha do tempo pode equipara-se a uma montanha-russa, feita de momentos altos e baixos criados por diversas conjunturas, passiveis de alterar o decorrer da vida das suas populações. O início dos anos setenta do século vinte impôs-se na Camacha como um pico alto na vida da comunidade que, para além do basilar factor humano, resultou também da remodelação do parque da Achada e da construção do pequeno campo de jogos, inaugurados no final da década anterior. Segundo Filipe Mota, num artigo do Diário de Notícias em sete de Junho de 1973, a prática de hóquei-em-sapatilhas teve início na Camacha em Novembro de 1969. Luís Rodrigues, um outro correspondente camacheiro no mesmo jornal tinha já, no ano anterior, se debruçado de forma mais aprofundada sobre o tema: “O hóquei-em-sapatilhas apareceu quando entre os grandes jardins do Largo da Achada foi construído pela Câmara Municipal de Santa Cruz, um recinto de hóquei com as medidas regulamentares mínimas! Começou-se a olhar para aquilo reavivou-se o «hóquei-em-campo», com uma tradição pequena no tempo mas rica em recordações- jogaram-se desde 1957 até 1962 desafios do então chamado hóquei-em-campo, nuns poços onde se costumam pôr os vimes depois de apanhados para refilarem, viu-se que a despesa e manutenção de equipamentos para hóquei-em-patins eram demasiadas… então explorou-se aquilo que se podia fazer com não muito dinheiro e com maior rapidez: Uma camisola, uns calções, umas meias, umas sapatilhas e um stique foram as coisas mais acessíveis de uma juventude… ”. No mesmo artigo Luís Rodrigues minuciou ainda diversos aspectos da implementação da modalidade, atribuindo a Filipe Mota o papel de principal dinamizador, não descurando contudo a importância da Comissão Organizadora, nascida da iniciativa de um grupo de rapazes da Acção Católica. A quinze de Agosto de 1970 iniciou-se o primeiro Campeonato da Camacha, com um desfile das equipas participantes a sair do salão paroquial na igreja matriz até a Achada. Cerca de cento e sessenta jovens constituíam as quinze equipas participantes: Valparaíso, Operária, Boavista, Alegria, Salgueiros, Nogueirenses, Académica, Primavera, Esperança, Angola, Setúbal, Estrelas, Cova, Águias e Mercado dos Cestos. O jogo inaugural foi entre Águias e Valparaíso, seguido do jogo Cova e Operária. As restantes equipas só jogaram entre si no dia seguinte. Para além dos jovens desportistas este campeonato envolvia uma quantidade significativa da população local, desde a Comissão Organizadora com os seus diferentes departamentos, a Comissão de Árbitros da Camacha, dirigentes dos clubes, madrinhas e porta-estandartes. Os pequenos empresários da localidade tiveram também um papel de relevo subsidiando os diversos trofeus conquistados. Até a data não se encontraram referências que testemunhem a continuação do campeonato para além de 1973. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Título do artigo de Luís Rodrigues em Diário de Notícias- Junho 1972 - ABM
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Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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