História, histórias e curiosidades
Em 1861, segundo um artigo de José Marciano da Silveira no seu jornal A Voz do Povo, a Camacha produzia “avultadas porções de manteiga”. Uma substancial parte dessa manteiga era vendida no Funchal, essencialmente por vendedoras ambulantes conhecidas por “mulheres da manteiga”. Até finais do século dezanove, os processos de fabrico eram totalmente artesanais e de certa forma rudimentares. Em 1895 um cidadão inglês, Adolfo Burnay, estabeleceu uma fábrica de manteiga no Santo da Serra, utilizando a maquinaria mais moderna à época. Rapidamente diversos proprietários madeirenses seguiram-lhe o exemplo e aos poucos foram surgindo pequenas fábricas de manteiga por toda a ilha. Relativamente à Camacha, desconhece-se uma data exacta. Quem, quando e onde são dados, que até o momento, não foi possível apurar. Sabe-se que por 1904 vendia-se manteiga da Camacha no mercado D. Pedro V, contudo o anúncio apenas enaltece a qualidade e não especifica se era de fabrico caseiro ou se seria já, produção industrial. No decorrer da primeira década do século vinte, surgem os primeiros nomes associados a fábricas de manteiga na Camacha, eram eles os proprietários António Gouveia Branco e Frederico Rodrigues. Todavia é apenas na década de vinte que a Camacha conhece um grande incremento neste tipo de actividade. Em 1921, sob licenças emitidas pela Câmara de Santa Cruz, existiam nove fábricas de manteiga e dez desnatadeiras. Fábricas de Manteiga:
Em 1960, perante a situação de estagnação desta indústria, cujas trinta fábricas laboravam, maioritariamente, com equipamentos desactualizados e não dispunham de frigoríficos nem de pasteurizadores, o que prejudicava grandemente a qualidade final dos produtos, o Ministério da Economia[ii] impôs, por decreto, a criação de uma sociedade por quotas que agregasse todas estas pequenas unidades fabris, por forma a modernizar o sector e assegurar a sua sobrevivência. Na lista de industriais que estavam habilitados a subscrever quota da nova sociedade, Indústria de Lacticínios da Madeira Lda., surgem apenas dois, dos nomes constantes na lista de 1921, de produtores camacheiros. Foram eles:
Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Historia_Industria_Lacticinios_Madeira_junho-1966_0001.pdf (vetbiblios.pt)
[ii] Decreto 43418, 1960-12-21 - DRE Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias, A Voz do Povo Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Câmara Municipal de Santa Cruz, Licenças.
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Na sequência das reformas implementadas pelo Marquês de Pombal, a partir do final de oitocentos, aos poucos foram surgindo escolas públicas no país e na Madeira. Para suportar estas reformas foi criado um imposto o qual designaram por Subsídio Literário, destinado a custear os ordenados de professores, com o objectivo de retirar o ensino à igreja e levá-lo a toda a população. A cobrança deste imposto era feita em sede de concelho e tanto na Camacha como no Caniço havia lugar a esse pagamento, apesar de não haver escola pública em qualquer das localidades. Naturalmente o núcleo populacional na Camacha levou o seu tempo a se estabelecer e a crescer. Descendendo da primeira meia dúzia de famílias aquando da criação da freguesia em 1676, vimos encontrar um século depois setenta e cinco fogos nos quais, pode-se presumir, residiriam à volta de quinhentas pessoas. Pelos inícios do século dezanove, o Bispo de Meliapor[i] após a sua visita em 1813, assim descrevia: ” Não ha medico , botica nem mezinheiro e tem só 1 carpinteiro, 2 sapateiros e alguns alveneos. Todas as casas são cobertas de colmo, espalhadas pelos mattos, bem como os monges da Arrabida. Apenas conta 12 casas com telhado e 2 somente de sobrado. N’esta freguezia não ha mais clerigos, que o Vigario e o seu Cura, nem esperança de os haver, porque todos se aplicam desde pequenos ao trafico da serra e das fazendas e não ha quem os ensine a ler, a escrever”. Dez anos após este relato contavam-se 770 habitantes distribuídos por 170 fogos. O núcleo habitacional fora crescendo aos poucos e já os primeiros ingleses a vir para a Camacha, tinham adquirindo os terrenos onde construíram as suas quintas. Entre 1848 e 1849 foram criadas na Madeira 42 escolas públicas, a par com mais 30 pertencentes a particulares.[ii] Apesar da sua pequena dimensão a Camacha, que por estes anos tinha 248 fogos, 589 mulheres e 573 homens, durante um breve período pode usufruir de uma escola municipal. Inicialmente o professor era o Padre João Aleixo de Freitas, mas 1851 ao ser transferido para outra freguesia sugeriu à Câmara o camacheiro João Elias Baptista que ficou como regente. Em 1853 a escola já tinha sido encerrada e mal-grado todos os esforços e pedidos dirigidos a diferentes entidades, o mesão, os quatro bancos e restante equipamento que recheava a escola, foram todos levados para Santa Cruz. Somente em quatro de Abril de 1867 a Camacha voltaria a ter o benefício de uma escola pública com a nomeação do professor Miguel Luís Valério, transferido da Ponta do Sol para a Camacha por mercê do rei D. Luís I. No entanto tratou-se de uma benesse incompleta pois era uma escola apenas para meninos, as meninas tiveram que aguardar até 1914 e pela professora D. Maria das Mercês Lopes, para poderem usufruir das mesmas oportunidades. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] ALMEIDA, Eduardo de Castro e, Archivo de Marinha e Ultramar, inventário: Madeira e Porto Santo, Coimbra 1909. Vol.II, doc.12465, p.333
[ii] evolução do sistema educativo na Madeira (uma.pt) Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Actas da Câmara de Santa Cruz Torre do Tombo Registo Geral de Mercês do reinado de D. Luís I 1861/1889 Torre do Tombo Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal Que a indústria artesanal de obra de vimes teve um papel de grande relevância no desenvolvimento da Camacha, é um facto sobejamente conhecido de todos. Em relação ao seu início na localidade surgem diferentes teorias. Segundo uma, teria sido um camacheiro que teria aprendido a arte, enquanto estivera preso na cadeia do Funchal. A outra atribui todo o mérito a um António Caldeira que teria estudado e reproduzido uma esteira que alguém, pertencente à família Hinton[i], teria trazido do estrangeiro. Se bem que sejam concordantes em relação ao período temporal, situando os inícios em meados do século dezanove, carecem ambas de documentos que as comprovem e as contextualizem na vida e sociedade de então. Presume-se que o desenvolvimento da indústria se tenha sustentado numa prática ancestral de cestaria, contudo nada se encontrou até agora que sugira a existência dessa actividade como fonte de subsistência. Aquando da sua visita à Camacha em 1813, Don Frei Joaquim de Meneses e Ataíde, Bispo de Meliapor, deixou-nos um testemunho sobre as principais actividades económicas e, para além da espectável agricultura, o ganha-pão dos camacheiros nada tinha a ver com vimes, como se constata na transcrição que aqui se apresenta: “O povo da Camacha emprega-se em levar cargas de giesta e lenha para a cidade. Vão à serra sem o embaraço do gelo no Inverno ou do grande calor no estio e na alta noite caminhão à cidade vender aquelles molhos de lenha que regulam de 260 a 400 rs cada um, segundo a sua grandeza e qualidade... As mulheres trabalham como os homens e o mais é que as raparigas de 15 e 16 anos vão à serra cortar matto e carregando-o à cabeça levam-no à cidade como os homens”[ii]. Apenas pelas últimas décadas do século dezanove se começam a encontrar diversas referências a “mestre de obra de vimes”, “oficial de obra de vimes”, “ terrenos de vimes” que evidenciam a importância crescente da actividade. Essa relevância também se infere num artigo do Diário de Notícias, em Agosto de 1893 que numa análise à recente e crescente indústria das obras de vimes, destaca que “A freguesia da Camacha é onde mais e melhor se executam obras de vimes... há alli indivíduos que trabalham explendidamente n’estas obras; entre os que conhecemos pelos seus nomes recordam-nos os senhores Teixeira e Barreto, dois dos mais insignes n’este trabalho” Curiosamente, o autor do artigo já então defendia a necessidade de formação de artesãos e adequação dos modelos “ao gosto moderno”. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] RODRIGUES, António, Catálogo da exposição “Obra de Vimes” Casa da Cultura de Santa Cruz , 2000 [ii] ALMEIDA, Eduardo de Castro e, Archivo de Marinha e Ultramar, inventário: Madeira e Porto Santo, Coimbra 1909. Vol.II, doc.12465, p.333 Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais A partir de meados do século dezanove a Camacha tornou-se num dos locais considerados de moda. Para além das muitas famílias que optavam pela frescura dos Verões camachenses, nas suas próprias quintas e quintinhas ou em moradias alugadas para o efeito, e de atrair muitos visitantes por ocasião dos arraiais, era frequente, também, se reunirem grupos de excursionistas que em dias normais, sem data assinalada, procuravam a Camacha pela “frescura e pureza das suas aguas, da corpolencia e formosura das suas variadas especies florestaes “[i]. De entre os, com certeza milhares de visitantes, pode-se destacar a visita da Imperatriz da Áustria, Sissi, em Dezembro de 1893 e do Marquês Paolucci di Calboli, Ministro da Itália em Agosto de 1909, excursionistas que pela sua elevada projecção social, tiveram direito a notícia nos jornais da época. Direito a notícia também, tiveram os cento e trinta e sete marinheiros que no dia um de Setembro de 1898, subiram até a Camacha, onde passaram grande parte do dia. “No dia primeiro do corrente, uns cento e tantos marinheiros de bordo do navio escola allemão Sophia commandados por dois officiaes do mesmo navio, trajando á paisana, foram, como já dissemos, á Camacha, com itenerario pelo Monte, chegando alli das 11 para as 12 horas da manhã. Apenas chegados deram entrada na quinta de que é inquilino o sr. John Payne,[ii] e que defronta com a referida explanada. Acamparam em uma pequena clareira no alto da quinta, onde Iancharam terminando a singella refeição com um côro de vozes de bellisimo effeito, entoando um cantico, cremos que religioso, em acção de graças, pois era acompanhado com a leitura de um livro, escripto no seu idioma, e recitado por um dos dois officiaes -talvez a Biblia. Os marinheiros, de pé, entoando o seu cantico, quer religioso, quer patriótico, entremeavam-no de acclamações e vivas, tirando neste acto os bonés e sendo acompanhadas as ceremonias por toques de clarim. Tocantes e sympathicas foram todas as diversões d'esse troço de marinheiros, cuja morigeração, decencia e disciplina fazem honra á grande nacionalidade a que pertencem. Ao sahirem da quinta, de regresso ao Funchal, dirigiram, á Achada, onde effetuaram algumas evolucões militares, sob o commando dos respectivos officiaes. Nem um só d'esses marinheiros revelou qualquer symptoma de embriaguez; nos seus cantis levavam agua e limão, e alguns que entraram na mercearia do sr. Nobrega, fronteira áquella quinta, só compraram refrescos. Nenhum comprou vinho ou bebidas espirituosas; nem dirigiu a qualquer pessoa do povo a menor provocação.”[iii] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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