História, histórias e curiosidades
A tuberculose, também conhecida como peste branca, constituiu uma séria preocupação em todo o mundo, particularmente entre 1850 e 1950. Pelos inícios dos anos trinta, do século passado, a Cruz Vermelha do Funchal promoveu uma forte campanha de sensibilização junto da população, com o intuito de fomentar hábitos de prevenção do flagelo que afectava, também, a Madeira e para isso convidou vários médicos para fazerem palestras sobre o tema. Um dos médicos convidados foi Alfredo Maria Rodrigues, um jovem de vinte e seis anos, natural da Camacha[i] e recém formado pela Universidade de Coimbra. A capela de S. José, na Camacha, foi o local escolhido, pelo próprio, para a sua prelecção, que decorreu no dia 26 de Dezembro de 1930. No início de 1931 o Diário de Notícias reportava o sucedido: “Cêrca do meio dia, no salão da Escola de S. José, pertencente ao abastado proprietário sr. Alfredo de Nóbrega, era já muito numerosa a assistência de senhoras e cavalheiros, que ansiosamente aguardavam a chegada do conferente, filho dilecto da freguesia. Pouco depois das dôze horas, entrava no salão, o presidente da sessão, rev.º padre sr. João Faria, digno pároco da Camacha, acompanhado do sr. Dr. Alfredo Maria Rodrigues, sendo recebidos com uma vibrante salva de palmas. Durante mais de uma hora, o orador, sempre com grande fluência e conhecimentos, manteve interessado o auditório, o qual silenciosa e atentamente, seguiu e fixou os ensinamentos expostos pelo distinto medico sobre diferentes aspectos do magno problema da tuberculose que, infelizmente, está tomando entre nós as mais alarmantes proporções. Por amavel deferência do conferente e a nosso pedido, começamos hoje a publicar o trabalho do sr. Dr. Alfredo Maria Rodrigues realizado perante um auditorio tão numeroso que não cabia no salão e se espalhava pelo resto do campo da Achada, contiguo ao edifício da Escola de S. José.” Contrariamente aquilo que fez o Diário de Notícias, não se irá aqui transcrever toda a palestra, atendendo ao seu caracter muito específico e ajustado às preocupações que se viviam na época. Merecem destaque, no entanto, os “recados” especialmente dirigidos à população local, por constituírem apontamentos que contribuem para história da freguesia: “ Não quero também esquecer o alcoolismo. Estou absolutamente convencido de que é este factor, o mais importante na Madeira e de um modo especial na Camacha. Não se compreende que tendo nós um clima tão bom, aproveitado outrora pelos estrangeiros que procuravam a cura da tuberculose, esta doença tenha tomado entre nós as proporções da actualidade… É habito velho, entre pessoas ignorantes, darem vinho e até mesmo aguardente a crianças, mesmo àquelas que ainda andam no colo… Um outro ponto para que quero chamar a atenção, é o foot-ball… Se chamo a atenção para este ponto é porque tenho observado que, nesta freguesia, muitos rapazes jogam o foot-ball sem previamente saberem se teem resistencia suficiente para isso. Nas diferentes Associações desportivas, quer portuguesas, quer estrangeiras, só é permitida a inscrição nas equipes aos indivíduos que primeiramente se tenham submetido a um rigoroso exame médico… Não se procedendo deste modo nenhum benefício se tira do desporto…” A finalizar a sua intervenção, Alfredo Maria Rodrigues lançou ainda um apelo no sentido da concretização do propósito de Maria de Jesus Holstein, viúva de Aires de Ornelas, a qual ideava criar um Lactário, para prover as crianças pobres da Camacha[ii]. Apesar da escassez de dados, daqui se consegue inferir que a tuberculose constituiu um problema de saúde pública, na Camacha do início do século vinte. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Nasceu na Camacha às 20h de 17 de Dezembro de 1904, filho de Frederico Rodrigues e de Augusta de Miranda, residentes no sítio da Igreja.
[ii] Já anteriormente, em 1928, o médico William Clode tinha lançado uma iniciativa, que denominou Gota de Leite, com o mesmo objectivo (vede Dispensário Santa Isabel )
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No dia 17 de Junho de 1875 o Doutor Manuel José Vieira, inspector das escolas do distrito do Funchal, apresentou, oralmente, à Câmara de Santa Cruz um relatório[i] na sequência das visitas às escolas do concelho que fizera. Sobre a escola da Camacha a acta da sessão camarária refere o seguinte “…observou que a eschola da freguezia da Camacha não estava em boas condições moraes, pois que a aula onde o ensino e dado e exactamente por cima de uma taberna ou mercearia para a qual o professor passava terminado o trabalho escholar, e talvez, em alguma occasião durante esse mesmo serviço; porquanto como o próprio professor informara ajudava seu pae na dita mercearia, que estta proximidade trazia ainda consigo outros inconvenientes, porque uma casa de venda está sempre sujeita, especialmente nos pequenos logares, como o de que se trata, a ruídos desagradáveis que perturbão os exercícios escholares e dão logar a que os alunnos recebão impressões moraes contarias aos bons costumes, impressões que tanto mais facilmente recebem quanto são conhecidas as más condições das pobres construções ruraes que talvez nessa causa de proximidade, se tivessem originado em parte as queixas que ainda não ha muito tiverão logar contra o respectivo professor, das quaes esta Camara tinha conhecimento; que nestas circunstancias sendo o Município de Santa Cruz quem pagava a locação da ditta casa de eschola lembrava elle inspector a necessidade de remediar aquelle inconveniente…”. Com relação aos equipamentos escolares o referido inspector não ficou, também, agradado com o que encontrou: “Na Camacha, veem-se, mais chegadas a um canto, duas mesas largas unidas uma á outra no sentido longitudinal, e um banco sem costas de cada lado, servindo a parede de costas a um dos lados; á cabeceira deles, na mesma altura do soalho um banquinho de pau, de um metro de cumprido, tambem sem costas, onde o professor se assenta. No outtro canto, á direita do professor uma caixa alta de madeira que serve de secretaria. Tudo isto, ainda assim, é do professor, ou do pae deste, e não ha ahi ver nem mais gaveta ou armario ou estante, ou cousa idêntica: as duas mesas, dois bancos e a caixa.” Passados que são quase cento e cinquenta anos deste relatório, poderia ser, de todo, impossível saber onde se localizaria esta escola, uma vez que o mesmo, a isso não faz qualquer alusão, no entanto, graças a um conjunto de pequenos indícios foi possível conhecer a sua localização e até mesmo conjecturar que eventualmente seria a casa assinalada em sépia na foto abaixo[ii]. Sabe-se que a casa onde funcionava a escola pertencia a António Teixeira de Vasconcelos[iii] da Achadinha, sendo o seu filho, Luís Teixeira de Vasconcelos, o atrás referido professor. No livro de notas do notário Francisco Policarpo da Veiga, encontra-se um documento pelo qual António Teixeira de Vasconcelos hipotecou, em 1872, uma casa com telha que servia de venda, na Ribeira da Laranjeira, cujas confrontações eram: a norte António Teixeira de Vasconcelos, a sul o caminho do concelho, a leste a Ribeira da Laranjeira e a oeste António Caldeira Júnior e Januário Luís Ferreira. Em 1905 os filhos de António Teixeira de V venderam-na a João Manuel Teixeira das Neves[iv]. Desconhece-se quando terá sido demolida. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Actas da Câmara de Santa Cruz, ABM
[ii] A foto é posterior a 1925, as duas casas em primeiro plano ainda existem e a casa assinalada a sépia já não existe. [iii] Para mais informação sobre este assunto vede Professor Luís Teixeira de Vasconcelos por Danilo Fernandes p.141 [iv] Relacionado com este tema vede Os moinhos da Ribeira da Laranjeira Sabe-se que em 1925 um grupo de camacheiros, e não só, associaram-se com o objectivo de dotar a Camacha de condições que a fizessem recuperar o estatuto de estância da moda que tivera outrora e, naturalmente, os benefícios que essa condição trazia a toda a freguesia. Sabe-se também que foi, em grande parte, fruto do seu empenho, a adequação da rede viária aos novos meios de transporte (vede A Inauguração,) porém não se têm encontrado documentos que permitam acompanhar todo o trabalho desenvolvido nem, tão pouco, o desenrolar da sua existência. Apesar de ser apenas uma pequena achega sobre este assunto, a notícia veiculada na imprensa em 11 de Fevereiro de 1932 e abaixo transcrita, acresce alguma informação que nos permite ficar a conhecer os nomes daqueles que se empenharam nessa causa: “Sob a presidencia do Rev.º Padre João Augusto de Faria, realisou-se a 7 do corrente, à reunião da A. O. da Comissão Regionalista da Camacha, estando presentes os restantes membros e o povo da freguesia. Aberta a sessão foram pos- tas á disposição da Assembleia as contas relativas ao ano findo minuciosamente explicadas pelo tesoureiro sr, Ayres Victor Jesus, sendo aprovadas, Seguidamente procedeu se á eleição dos novos corpos gerentes cujo resultado foi o seguinte : Comissão executiva os srs — Dr. Alfredo Maria Rodrigues, Frederico Rodrigues, Ayres Victor de Jesus, Angelo Vasconcelos Comes, José Nunes Antonio Vieira Cardoso, Francisco Barreto Jorge, Ouilherme Abel Teixeira, José João de Freitas, Antonio de Gouveia e Francis:o Vieira Piza. Assembleia Geral os srs — Rev.º João Augusto Faria, Alfredo Ferreira de Nobrega, Manuel Placido de Freitas e Antonio João de Freitas. Conselho Fiscal os srs —Jorge Soares de Gouveia, Patricio de Morais Gonsalves, Antonio de Nobrega (Regedor). Antes de encerrada a sessão usaram da palavra os srs. Dr. Alfredo Maria Rodrigues e Jorge Soares de Gouveia”[i] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] O Jornal ABM Colecção de Jornais
No dia 15 de Janeiro de 1931 onze hidroaviões chegaram ao Rio de Janeiro, em esquadrilha, na finalização de um feito inédito, liderado pelo General Italo Balbo[i], aviador e Ministro da Aviação de Itália. Tendo catorze aviões partido da Baía de Orbetello, Itália, em 17 de Dezembro de 1930, três perderam-se no percurso, dois deles na descolagem, aquando da escala em Bolama, Guiné-Bissau, no dia 6 de Janeiro de 1931. Para assinalar o primeiro aniversário desse feito e honrar a memória dos aviadores falecidos no intento, foi erguido um memorial em Bolama, em Dezembro de 1931. De regresso a Itália, a comitiva que acompanhou a sua inauguração, viajando no navio Esperia, fez uma paragem de algumas horas na Madeira.
Após uma breve recepção oficial no Palácio de S. Lourenço, os visitantes foram levados numa “excursão ao Poiso. O tempo estava esplendido – um dia de sol, de ceu sem nuvens, que permitia admirar em toda a sua vastidão e grandesa os belos panoramas das nossas serras. No Poiso, porém, o scenario era outro: nevoeiro e geada que fez os excursionistas, especialmente as senhoras, sentirem por momentos os rigores das nossas serras. Há quem peça cognac e whisky, mas apenas há vinho e aguardente da Madeira. E todos os excursionistas se servem. Sentadas nas tarimbas, onde repousam os camponeses madeirenses, senhoras da mais alta sociedade italiana, friorentas, aconchegando bem a si os seus abafos, retocando a pintura das faces e dos lábios e fumando cigarros, bebem copinhos da aguardente, bebida que a algumas repugna, mas que outras saboreiam como se fosse um delicado coquetail servido num salão elegante, em ocasião de festa de alta roda a que pertencem…”[ii] Não terá demorado muito, esta visita aos limites norte/oeste da Camacha, não só pela aspereza do tempo como também pelo curto tempo dedicado à escala, dado que pelas dezassete horas o general e comitiva regressaram ao navio, logo partindo com destino a Lisboa. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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