História, histórias e curiosidades
Em 1957 a Junta Geral apresentou ao Ministro de Obras Públicas um conjunto de intenções de obras que pretendia levar a cabo na região. Englobada nesse lote estava a instalação de um Posto Zootécnico a construir na freguesia da Camacha, num terreno com cerca de dez hectares que a Junta Geral possuía no sítio da Nogueira, o qual seria a base para o desenvolvimento pecuário na Madeira. A vontade era iniciar logo em 1958 mas apenas em Agosto de 1968 foi celebrado um contrato para o arroteamento do terreno dando assim início ao projecto, tendo sido adjudicados os primeiros pavilhões em 1970 num espaço que entretanto duplicara. Em 1971 a Junta Geral contraiu um empréstimo no valor de seis mil contos, destinado à construção do Posto Zootécnico cujo projecto englobava: centro de recria, novilheiro, vacaria, parque de material, armazém, nitreira, administração e serviços laboratoriais, casa do pessoal, pocilga, silos e posto de cobrição. Passados dois anos, em Setembro de 1973 a Junta enviava ao Ministro de Obras Públicas um pedido de apoio financeiro, para poder acabar o projecto, dado que até então apenas concluíra os seis primeiros edifícios da lista que já estavam em funcionamento. Contudo gastara toda a verba inicialmente prevista, o que em parte justificava com a aquisição de mais terrenos para o cultivo de espécies forrageiras. Em 1975, segundo uma memória descritiva do engenheiro civil responsável, os principais edifícios já se encontravam prontos e em pleno funcionamento, faltando ainda outros que entretanto tinham sido acrescentados ao projecto inicial: pavilhão de gestação, ovil, cabril, recria de novilhos, bem como parte dos projectos de fornecimento de água, e rede de saneamento. O custo da obra já então ascendia ao oito milhões de escudos, o que foi em parte justificado no memorando com o aumento substancial dos ordenados dos trabalhadores e das matérias-primas após o 25 de Abril. Em 1976 ascendia aos onze milhões, passando a quinze mil e cem em 1977. As obras só terminaram no início dos anos oitenta, o que não impediu que o Posto Zootécnico, desde o início do seu funcionamento, tivesse desempenhado um papel relevante, tanto no contexto específico da sua área de acção como indo mais além ao possibilitar diversos estágios profissionais, no âmbito das ciências veterinárias e zootécnicas. Lá também se Instalou, com êxito, a primeira estufa experimental de cultura hidropónica de forragens. Além disso exercia boas práticas de responsabilidade social, facultando com frequência visitas de estudo a estudantes dos vários graus de ensino e a muitos visitantes, nacionais e estrangeiros[i]. Apesar de ser um projecto ao que tudo indica bem-sucedido, o Governo Regional da Madeira, logo em 1983, determinou o seu fim, projectando no seu lugar um bairro residencial para acomodar os expropriados das obras de ampliação do aeroporto. Aos poucos foram sendo transferidas as diferentes competências para o Porto Moniz e em 15 de Maio de 1991 o Posto Zootécnico da Camacha encerrava definitivamente as portas. Em 1994 chegaram os primeiros moradores ao Bairro da Nogueira, sendo que a sua proveniência não foi a inicialmente ideada em 1983. A Camacha, em tudo, ficou a perder. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] EZM_Passado_Presente_2021.pdf (vetbiblios.pt) Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Direcção de Obras Públicas, Posto Zootécnico da Camacha Plantas - Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Direcção de Obras Públicas, Posto Zootécnico da Camacha
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Decorria já quase um ano de guerra quando, em Julho de 1940, a Inglaterra decidiu enviar para a Madeira cidadãos de Gibraltar, a fim de melhor defender essa possessão, retirando os civis e acomodando militares[i]. Após negociações entre os governos, português e inglês, foram estabelecidas as condições, sendo que total de refugiados previstos era de dois mil e, em princípio, vinham na condição de serem capazes de prover a sua viagem, o seu sustento e acomodação na ilha. No dia 21 de Julho chegou o primeiro grupo de gibraltinos à Madeira, maioritariamente mulheres e crianças, num total de quatrocentos e cinquenta e duas pessoas, recebidas na Pontinha pelas principais entidades oficiais da época. A sofrer as consequências transversais da guerra, a comunidade madeirense acolheu de braços abertos essa oportunidade de revitalizar a sua economia. Os mais abastados arrendaram quintas e vivendas e os restantes foram instalados em hotéis e pensões: Hotel Reid, Savoy, Monte Palace, Belmonte, Bela Vista, Golden Gate, New Avenue, Mira-Mar, Vitória, Atlantic, Camacha, Universal, Quinta Esperança, New Inglish e nas pensões Vista Alegre, Helvética, Phoenix, Santos, Voga e Lido. Para além da tradição oral, transmitida pela voz dos mais idosos que referiram a presença dos gibraltinos na Camacha, não foi fácil localizar documentos que completassem esta informação. Os diferentes estudos consultados que se debruçam sobre este tema, não indicam a Camacha e na imprensa da altura, esta apenas surge no Diário da Madeira, integrada na lista de hotéis atrás apresentada. Segundo Joe Gingell,[ii] um dos refugiados que escreveu um livro sobre este processo, “The class and type of accommodation provided was in line with the financial status of individual families. The main hotels were the Savoy, the New England, the Victoria, the Camacha, the Quinta Esperanza, the Belmonte and a few others.” (A classe e o tipo de acomodação oferecida estavam de acordo com a situação financeira de cada família. Os principais hotéis foram o Savoy, o New England, o Victoria, o Camacha, o Quinta Esperanza, o Belmonte e alguns outros.). Através deste testemunho podemos deduzir que o Hotel da Camacha recebeu famílias do designado grupo A que eram aquelas que tinham maior capacidade financeira, o que também nos dá conta do estatuto e qualidade no “nosso” hotel[iii]. Quanto às pessoas propriamente ditas, quem eram, quantos eram, quanto tempo cá ficaram pouco ou nada se conseguiu saber. Em Setembro 1940, o Delegado da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado enviou à Câmara de Santa Cruz trinta e nove cartões de identidade e embarque, respeitantes aos súbditos ingleses refugiados, a residir no concelho, contudo não se conseguiu apurar se estariam todos a residir no Hotel da Camacha. A posar para a foto contam-se vinte e seis pessoas e essa é a informação mais sólida com que podemos contar. Em 28 de Maio de 1944 os Lucky Ones, como ficaram conhecidos os gibraltinos a residir na Madeira, regressaram a casa deixando uma forte marca que se traduziu mais do que o benefício económico trazido em tempo de guerra. A convivência durante quatro anos criou novos hábitos de sociabilidade aos madeirenses, infundindo sobretudo a valorização do papel da mulher na sociedade. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Estes cidadãos de Gibraltar foram inicialmente enviados para Marrocos. Quando os alemães derrotaram França e impuseram um governo pró-alemão, Marrocos era então território francês e os gibraltinos tiveram que ser retirados.
[ii] GINGELL Joe- We Thank God and England [iii] O grupo B integrava pessoas capazes de provir as suas necessidades, mas com menos posses que o grupo A e o grupo C necessitava de apoio governamental para acomodação e subsistência, tendo sido instalado no Lazareto. Foto - Gibraltar National Archive Home (nationalarchives.gi) Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Actas da Câmara Municipal de Santa Cruz Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais Em Dezembro de 1940, a promulgação de uma lei integrada no Orçamento Geral do Estado para 1941, previa o lançamento de um plano para dotar todo o país de uma rede escolar constituída por escolas condignas, construídas de raiz, devidamente pensadas e adequadas às suas funções, à luz dos critérios da época. Apesar de as comemorações oficiais dos centenários da Fundação de Portugal (1139[i]) e da Restauração de Portugal (1640) terem terminado umas semanas antes, o plano foi integrado nas suas comemorações e recebeu a designação de Plano dos Centenários. Coube à Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais concretizar este projecto que ambicionava dotar o país com 12500 novas salas de aula. As Câmaras Municipais foram contactadas para aferir necessidades, mas apenas um terço respondeu aos inquéritos enviados. Entre as que o fizeram, a Câmara de Santa Cruz e graças a isso foi assim comtemplada, em 1944, com 32 projectos de escolas apetrechadas com 71 salas de aula, a distribuir por todo o concelho. Competia à Câmara, sob a presidência do camacheiro Aires Victor de Jesus, decidir quantas escolas queria. O executivo camarário optou por apenas vinte, distribuídas pelas diferentes freguesias. O sítio da Igreja (Igreja, Achadinha, Casais d’Além e Vale Paraíso), encabeçava a lista de prioridades logo seguido do Rochão (Rochão, Ribeiro Serrão). A Ribeirinha (Ribeirinha, Salgados) e a Nogueira (Nogueira, Ribeiro Fernando) figuravam também na lista surgindo, respectivamente, em décimo e décimo primeiro lugar. As seis primeiras da lista foram logo integradas no plano para 1945, sendo que para a escola da Igreja, Camacha, previam-se seis salas: três para o sexo feminino e três para o sexo masculino; e igual número para o Rochão. As restantes distribuídas por Gaula e Santo da Serra totalizavam apenas seis salas, o que de certo modo reflecte as necessidades de cada localidade. Boas intenções havia, mas o processo não era assim tão linear. Uma vez que a construção seria comparticipada pela DGEMN, a mesma impunha um conjunto de regras quanto às dimensões dos terrenos para implantação dos edifícios escolares, que deveriam ser edificados segundo projectos fixos, iguais para todos e já estabelecidos. A unidade base era naturalmente as salas de aula com 8x6 m, 3,5 m de pé direito e grandes janelas para permitir boa iluminação natural, ao que se juntavam: átrio, cantina, sanitários e recreio coberto. Os terrenos deveriam ter no mínimo 2000m2, para uma escola de apenas uma sala, e permitir que a fachada principal fosse orientada a sul/sudoeste. Igualmente relevante a condição de que não seriam comparticipados, a Câmara teria que os adquirir por sua conta, assim como cinquenta por cento dos equipamentos necessários para o funcionamento escolar. E terá sido, ao que tudo indica, esse o principal obstáculo a inviabilizar o andamento do processo. Em 1956 a Câmara conseguiu adquirir um conjunto de terrenos[ii], não na Igreja nem no Rochão, mas sim na Ribeirinha, onde foi construída a escola na Eira Salgada, segundo o Plano dos Centenários e que funcionou desde o final dessa década até meados dos anos noventa do século vinte. Em Outubro de 1959 a Câmara criou uma comissão encarregada de procurar terrenos para a construção das restantes escolas. Desconhece-se se terá sido esta comissão a propor a solução que a Câmara acabou por optar, quando adquiriu em Novembro de 1964 o terreno onde foi construída a escola, dita, dos Casais d’Além. O terreno com uma área de 3578m2, pertencia a Aires Vítor de Jesus e a sua esposa Isabel Gabriela Quintal e não só reunia as características necessárias para o número de salas pretendidas para a escola central da freguesia, como trazia um acréscimo de 500m2, oferta dos proprietários, para instalação da cantina. Curiosamente apesar da designação de Casais d’Além, reza a escritura que o terreno se localizava na Ribeirinha que neste processo se viu “roubada” de uma parcela do seu território. A escola foi inaugurada em Julho de 1969 e funciona desde então. No início do milénio sofreu obras que a fez perder as características e as linhas que a irmanava às outras dezenas construídas segundo o mesmo plano. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Batalha de Ourique em que segundo rezam as crónicas Afonso Henriques se declarou Rei de Portugal [ii] Manuel Fernandes 756m2, António de Gouveia Júnior 282m2 e Manuel Correia 812m2, João Correia 508m2.A Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Actas da Câmara Municipal de Santa Cruz SIPA- http://www.monumentos.gov.pt Desconhece-se quando os festejos profanos saíram do adro da igreja e desceram à Achada. Também não se conhecem datas para esse percurso passar de pequena vereda a caminho, o qual foi sendo traçado pelo uso de todos quantos o escolhiam para chegar à igreja. No final do século dezanove já tinha adquirido estatuto de caminho municipal e em 1897, por iniciativa do regedor Manuel Filipe Gomes[i] obteve um significativo beneficiamento: “ha pouco, o caminho municipal que da Achada conduz á egreja passando pela porta da quinta Taylor, ficando esta via com tres metros de largo o que é um importante melhoramento, pois além de ser o caminho por onde passam as procissões é a principal arteria do movimento popular por ocasião dos arraiaes.”[ii] Contudo não foi possível apurar se a designação já existia, se terá sido atribuída nesta altura, na sequência da obra realizada, ou se surge mais tarde. A primeira referência que se encontrou data de 1912 sendo, aliás, a única com que se deparou até o momento. Por se tratar de um requerimento à Câmara através do qual Alfredo Ferreira de Nóbrega (sénior) solicita autorização para fazer uma pequena levada na berma da estrada de S. Lourenço, a fim de conduzir água de rega para a sua propriedade, adquire a credibilidade de um documento oficial e faz-nos crer que, pelo menos, durante alguns anos aquele pequeno troço de estrada era assim designado. Eventualmente terá perdido essa designação entre a construção da estrada Funchal – Camacha em 1934 e a de Camacha – Santo em 1943. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Vide neste blogue outras iniciativas do referido regedor O marco fontenário e A Achada é dos camacheiros
[ii] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Câmara Municipal de Santa Cruz. |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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