História, histórias e curiosidades
A Capela de S. José é de entre o património edificado na Camacha, o edifício que melhor se conhece a sua história[i]. Abel Ferreira de Nóbrega, um jovem camacheiro educado, culto, proactivo e com grande sentido de responsabilidade social, concebeu um edifício com uma parte destinada a capela e outra destinada a escola. Estávamos em 1921, o jovem tinha dezasseis anos e na sua visão este conjunto iria colmatar uma grande falta que existia na Camacha em questões de escolaridade e formação pessoal. Segundo o seu projecto a escola deveria ser construída sobre uma caixa de ar, deveria ter doze metros de comprimento, oito metros de largura, quatro metros de altura, seis janelas e duas grandes portas. A capela seria mais pequena, deveria ter quatro metros e oitenta de comprimento, três metros e meio de largura, cinco metros de altura, quatro janelas e duas portas. Quanto à sua localização deveria ser num local alto e arejado “olhando o mar e a terra” e exposto ao nascente. No frontispício seriam colocados símbolos da fé e audácia portuguesas: uma esfera armilar com uma cruz de Cristo no topo. A fim de completar o projecto ainda houve lugar para delinear a decoração do interior da escola, para a qual Abel seleccionava um interessante lote de objectos: “Quadros de história, aguarelados por Roque Gameiro. Uma ou duas esculturas de Soares dos Reis. Uma fotogravura do Astrolábio. Fotografias dos principais monumentos arquitectónicos. Quadros com os principais estilos de arquitectura. Fotogravura dos painéis de S. Vicente de Fora. Mapas da Ilha da Madeira, Colónias, Açores, Metrópole e Mapa-mundi. Quadro com a «Rosa dos Ventos». Quadros com espécimes Botânicos e Zoológicos. Quadros com Pesos e Medidas. Quadro com o retrato do propulsor do Renascimento Português. E, dominando tudo isto, a figura inconfundível da Raça – Nuno Álvares- ladeado por duas artísticas fotogravuras de Jesus e Maria.” Esquiçado o sonho, Abel Ferreira de Nóbrega procurou aliados para a sua concretização. O primeiro e mais importante, para a condução do arrojado projecto, foi o seu amigo Ângelo Filipe Gomes, um jovem um pouco mais velho que compartilhava o sentido de missão social, provavelmente incutido por tradição familiar, pois era neto de Manuel Filipe Gomes, um dos representantes da Camacha no poder local que muito deu ao seu desenvolvimento. Procurou também o apoio do bispo, D. António Manuel Pereira Ribeiro e do padre da freguesia, João Augusto Faria, o qual acabou por aceitar apadrinhar uma conferência, na qual Abel Ferreira de Nóbrega apresentou o projecto à população. Os dois jovens deram início a uma recolha de donativos, contudo encontraram alguma resistência e descrença, o que os levou a constituir uma Comissão Organizadora. Convidaram o Conselheiro Aires de Ornelas para presidente, como vice-presidente ficou o pároco João Faria, Abel Ferreira de Nóbrega; tesoureiro e Ângelo Filipe Gomes; secretário. Foi criada também uma comissão encarregada de angariar objectos para recheio, quer da capela quer da escola, presidida por Maria de Jesus José Ana Joaquim de Sousa e Holstein Beck, esposa do Conselheiro, por Josefina Iria de Nóbrega[ii]; tesoureira, Maria A. Rodrigues; secretária e como presidente honorária Maria Joaquina Saldanha da Gama[iii]. Alfredo Ferreira de Nóbrega[iv] ofereceu o terreno, Aires de Ornelas a pedra da sua pedreira e a população contribuiu com a mão de obra. Em vinte e três de Outubro de 1922 foi lançada a primeira pedra e a obra foi decorrendo lentamente sendo que em Dezembro de 1923 tinha as paredes levantadas e estava parcialmente telhada. Foi tudo o que Abel Ferreira de Nóbrega pode usufruir do seu ambicionado projecto, pois faleceu na madrugada de treze de Janeiro de 1924, vítima de febre tifoide[v]. Em Março de 1924 celebrou-se a primeira missa na Capela, ainda que só em Maio aconteceria a sua inauguração. Em Setembro do mesmo ano começou a funcionar a escola e que se mantém, já quase centenária, activa até hoje. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com)
0 Comments
Perfazem amanhã oitenta e três anos que a Camacha viveu um dia ímpar. Apesar de habituada, desde meados do século dezanove, a um constante vaivém de forasteiros, a horda que a invadiu nesse dia terá despoletado, com certeza, um conjunto de reacções e emoções diversas e dificilmente alguém terá ficado indiferente ao alvoroço que aqui se gerou. Um grupo de madeirenses, contra o Governo, pretendia tomar de assalto o Funchal, tendo-se reunido logo pela manhã na Camacha e estabelecido o seu quartel-general no Hotel. Informadas da situação, as forças da ordem compostas pelo Exército, Legião Portuguesa e Polícia de Segurança Pública, trataram de enviar um grupo de agentes, a fim de fazer o levantamento da situação. Pelas oito da manhã chegaram à Camacha vinte guardas da brigada de choque da PSP, oito polícias sinaleiros e mais três guardas em motocicletas. Ao se aperceberem da gravidade da situação enviaram, por pombo correio, uma mensagem para o Comando a pedir a intervenção de uma força maior. Foi solicitada a intervenção do corpo de voluntários da Legião Portuguesa que distribuídos por seis camiões, avançaram para suprimir a acção dos revoltosos. Ao chegarem a S. Gonçalo dividiram as forças, tendo um grupo seguido pelo Palheiro Ferreiro e outro pelo Caniço. Nas proximidades do cemitério foi montando um posto de comando e junto ao mesmo um posto de comunicações, composto por rádio, para comunicação com o comando no Funchal e bandeiras para comunicação com os diversos postos instalados ao longo da estrada Engenheiro Abel Vieira, até à Achada do Caniço. Entretanto os revoltosos, ao se aperceberem da resposta das forças governamentais, prepararam a sua resistência espalhando-se pelos terrenos contíguos ao Hotel, tendo-se trocado os primeiros tiros com as forças policiais que tentavam suster a situação, enquanto não chegavam os legionários. A partir dos diversos postos, os legionários foram avançando em direcção à Achada da Camacha, por forma a cobrir todos os eventuais pontos de fuga. Ao chegarem à Achada e em conjunto com a força policial, lançaram um forte ataque final, protegidos por nuvens de fumo lançadas pela polícia. Segundo o Diário de Notícias do dia seguinte “Esta fase do exercício foi a mais emocionante chegando a electrizar a numerosa assistência, que, seguia com entusiasmo as fases diversas da luta”.[i] Com a forçosa e inevitável rendição dos revoltosos, terminou pelas onze horas o primeiro grande exercício do batalhão 60 da Legião Portuguesa, num típico dia de Inverno camacheiro em que a chuva, o frio e o vento vieram acrescer dificuldades aos cerca de trezentos e sessenta participantes. Para finalizar houve ainda lugar a um almoço, composto por sardinhas em lata, espetada, pão, bananas e vinho, servido aos legionários e ao corpo de polícia ao ar livre na Achada e nas instalações da Casa do Povo, às chefias e demais entidades. Pelas 14h30 o corpo de legionários formou para desfilar em continência perante as entidades e dessa forma saiu da Achada seguindo a pé até o Funchal. À Camacha terá regressado a costumeira placidez, depois desta atribulada manhã de Domingo que terá quebrado as rotinas e alimentado conversa para muitos dias. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias, Diário da Madeira
Às onze horas e quarenta e cinco minutos do dia nove de Fevereiro de 1936, saíram do Palácio da Junta Geral sete automóveis, numa comitiva composta por entidades públicas e privadas. À elite do poder regional da época juntaram-se três camacheiros: Alfredo Maria Rodrigues, Alfredo Ferreira de Nóbrega e António Álvaro de Jesus. O seu primeiro destino foi S. Gonçalo, onde no sítio do Valparaíso, um pouco abaixo da Montanha, os aguardavam os representantes da Câmara Municipal de Santa Cruz, junto a um arco festivo sobre a entrada para uma estrada que se encontrava vedada à circulação por uma fita verde e vermelha. Após o corte da fita feito pelo Governador Civil, Comandante Goulart de Medeiros e os hinos e foguetes da praxe, a comitiva seguiu pela nova estrada com destino à Camacha, concretizando assim uma velha aspiração dos camacheiros. A segunda paragem desta comitiva aconteceu no ponto de partilha entre a Camacha e o Funchal, onde uma comissão a aguardava para apresentar cumprimentos em nome de todos os camacheiros. Esta comissão era composta por: Frederico Rodrigues, Dr. João Miranda Rodrigues, Aires Victor de Jesus, o regedor António Nóbrega, o professor Carlos Marinho Lopes, Manuel Plácido Freitas, António Gouveia e José Cupertino da Câmara. Não obstante a chuvinha persistente e a nova estrada enlameada devido às chuvas da noite anterior a comitiva chegou à Achada, onde era aguardada por uma multidão liderada pelo padre Daniel de Sousa. Presentes também estavam os alunos das escolas feminina, masculina e Nuno Alvares Pereira que após cantarem o hino ofereceram ao Governador Civil e ao Presidente da Junta Geral um ramo de flores. À aluna da capela Florinda Dias dos Ramos, coube a responsabilidade de ler uma pequena saudação em nome dos 160 alunos da Escola Nuno Alvares Pereira. Terminada esta recepção a comitiva dirigiu-se a pé para o Hotel da Camacha, onde decorreu uma sessão solene no salão de festas, à qual assistiu uma significativa representação da população local. Para além das habituais, nestas circunstâncias, trocas de congratulações os discursos lembraram o longo processo até a concretização da estrada há muito ambicionada. O Presidente da Câmara de Santa Cruz enalteceu o papel da comissão instituída no início de 1925 por: Dr. João Abel de Freitas, Major João Carlos de Vasconcelos, Padre João Augusto de Faria, Ângelo de Vasconcelos Gomes, José de Quintal Júnior, Jorge Soares de Gouveia, Aires Victor de Jesus, Frederico Rodrigues, Manuel Plácido de Freitas, Francisco de Nóbrega, Aires Ferreira e António Ernesto Martins que apresentou à Câmara um pedido para a construção de um primeiro lanço desta estrada, com a extensão de 3500m. Agradeceu também ao engenheiro civil Ernesto Florêncio Cunha que elaborou o projecto e o ofereceu à Câmara e ao Conselheiro Aires de Ornelas que se dispôs a ser a primeira pessoa a cavar no traçado da estrada. João Abel Vieira na qualidade de Presidente da Junta Geral destacou o papel do, já falecido, Padre João Augusto de Faria, de Aires Victor de Jesus e das centenas de homens da Camacha que trabalharam gratuitamente na construção da estrada. Agradeceu ainda a cedência de terrenos, também sem custos, efectuada pelo Visconde do Vale Paraíso, Ernest Blandy, Dr. Ruy da Câmara, Coronel Ferraz, Dr. Teodorico Fernandes e muitos pequenos proprietários. Pelas dezassete horas estava terminada a festa tendo a comitiva regressado ao Funchal. Na Camacha, passados vinte e quatro anos da vinda de um primeiro automóvel e muitos pedidos e reivindicações por uma estrada adequada aos novos meios de transporte, seria com certeza, um dia feliz e de enorme satisfação. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias, Diário da Madeira
Em Agosto de 1941 José Rodrigues Vigia, casado, morador no sítio da Achada, Camacha apresentou na Câmara de Santa Cruz dois requerimentos: um para construir uma casa no referido sítio e outro para vedar a propriedade com um muro de pedra, tendo os dois pedidos sido deferidos.
Em vinte e três de Abril do ano seguinte, já com o camacheiro Aires Vítor de Jesus na presidência da Câmara de Santa Cruz, foi outorgada a José Rodrigues Vigia “licença de porta aberta para uma casa de chá na Camacha”[i]. Pela mesma fonte volta-se a saber deste estabelecimento através de uma relação de despesas apresentada em sessão camarária de vinte Abril de 1944, a qual descrimina o valor de cento e oitenta escudos pago num almoço na Casa de Chá da Camacha, oferecido às entidades que tinham vindo estudar a estrada a construir nas Carreiras. De resto até o momento não se encontraram mais informações com que se possa melhor entender e compor a história deste edifício que em 1948 a Casa do Povo da Camacha, iniciou um processo para a sua aquisição. Por despacho ministerial de 29 de Outubro de 1949 a Casa do Povo foi autorizada a adquirir, para instalação da sede associativa o edifício conhecido pela "Casa de Chá", propriedade dos herdeiros de Manuel Rodrigues[ii]: João Rodrigues da Achadinha, António Martins Júnior dos Casais d’Além, Tomé Barbosa do Vale Paraíso, Gabriel Rodrigues dos Casais de Além, Augusto Rodrigues no Brasil, João Rodrigues no Brasil, Ilda da Conceição Rodrigues e marido João de Nóbrega Júnior, no Brasil e Manuel Rodrigues na África do Sul. E assim foi que pelo valor de 250 contos a Casa do Povo saiu do edifício anexo à quinta Bean e se instalou na casa de chá, tendo ali ficado até os anos noventa quando o edifício foi demolido para ser construído na forma actual. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
Categories |