História, histórias e curiosidades
Desde o primeiro momento da sua génese, a Camacha viu-se subordinada a dois centros distintos de administração, dado que se estabeleceram os limites geográficos “comesando pella Nogeira da jurisdissão desta cidade, buscando as casas das Amoreiras da jurisdição de Santa Cruz”[i]. Esta dualidade de pertença era meramente administrativa e pouco se reflectia na vida do dia a dia da população. A partilha entre as duas jurisdições manteve-se pacatamente até o início do século dezanove. Na sequência da revolução liberal de 1820, gerou-se a discussão nas cortes “geraes e extraordinarias da nacão portugueza”[ii] com o objectivo de elaborar uma Constituição, que viria a ser a primeira instituída em Portugal. Foi finalizada e aprovada em 1822 e neste âmbito a Comissão de deputados encarregada de preparar propostas para novas divisões administrativas, apresentou para a Madeira uma proposta, na qual se estabeleciam seis Julgados e catorze Concelhos. Nesta divisão a Camacha ficou no Julgado e Concelho do Funchal, juntamente com Caniço, S. Gonçalo, Funchal, Monte, S. Roque, Santo António e Curral e S. Martinho. Por cá também se falou no assunto e um artigo no Patriota Funchalense[iii] em Julho de 1822 assinado por um “Ilheo constitucional”, defendia a mesma divisão, atribuindo à Câmara do Funchal, todas as freguesias entre as ribeiras dos Socorridos e Porto Novo, deixando assim a Camacha e Caniço totalmente integradas neste concelho. A constituição de 1822 pouco durou, tendo sido abandonada logo em 1823. Em 1826 foi criada a Carta Constitucional, mas só com a reforma administrativa de 1835 se voltou à questão da divisão de concelhos. Apesar de acabar com a dualidade na pertença administrativa das duas freguesias, atribuindo-as ao concelho de Santa Cruz, esta reforma integrou-as na Comarca e Julgados do Funchal deixando-as sempre divididas pelos dois pólos. Esta solução não agradou, nem a Camacheiros nem a Caniceiros e em Janeiro de 1843 fizeram chegar à rainha, D. Maria II, um abaixo-assinado, que publicaram também no jornal O Imparcial[iv]: “Senhora. Ao pé do Alto, e poderoso Throno de Vossa Magestade se prostão submissos os povos das freguezias da Camacha, e Caniço... Metade das duas freguezias supra dictas era sujeita ao Concelho, e Justiça da Capital da Provincia, em razão de proximidade, conveniencia dos povos. Veio a lei para a divisão de districtos, e territorios, e então com não pequeno erro, assim comercial, como Geografico, foram as dua freguezias detalhadas para a parte do Districto e Concelho de Sancta Cruz... Divididos assim os districtos, logo na pratica se conhecea o erro, e então se determinou que ficassem as duas freguezias sojeitas ao fôro Contensioso da cidade do Funchal... ficamos assim mais accommodados, e melhor servidos, porque mesmo nenhumas relaçoes intimas, e comerciais temos com similhante districto de Santa Cruz por quanto todas temos com a cidade do Funchal, que nos è mais proxima e as estradas mais transitaveis”. Os signatários, apesar de gratos pela reinclusão na Comarca do Funchal, dado que para além da difícil fronteira natural que era a ribeira do Porto Novo, em Santa Cruz a justiça dependia de Juízes leigos e nem tinha sequer um advogado que os aconselhasse, queriam mais, queriam a inclusão no concelho do Funchal “que tem estabelecido escollas nas differentes freguezias para educação da mocidade e cemiterios para jasigo dos mortos, e que por modo nenhum poderemos obter do Concelho da Villa de Sancta Cruz” Todavia a rainha não foi sensível à argumentação destes seus súbditos e a situação manteve-se inalterada até 1867, já no reinado de D. Luís, em que uma revisão no mapa dos concelhos voltava à fórmula proposta em 1822, integrando a Camacha e o Caniço no concelho do Funchal e anexando Santa Cruz a Machico. Contudo, nem houve tempo para festejar pois, se em Dezembro foi decretada logo em Janeiro de 68 foi revogada, antes de ser verdadeiramente aplicada. Certo, é que ainda nos dias de hoje, a população das duas freguesias mantem uma maior ligação à cidade do Funchal. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Torre do Tombo, Cabido da Sé do Funchal, Documentos relativos ao Bispado, Maço 2, Carta de D. António Teles da Silva para a criação das novas igrejas e curados do bispado - A palavra jurisdição está conforme o original que utiliza as duas formas
[ii] Diario das cartes geraes e extraordinarias da nacão portugueza: May 1, 1822 ...https://books.google.pt/ [iii] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais [iv] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais TOMÁS, Ana, VALÉRIO, Nuno - Autarquias locais e divisões administrativas em Portugal 1836-2013
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Abril 2024
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