História, histórias e curiosidades
Os jornais constituem uma importante fonte de informação na reconstrução histórica das diferentes épocas salvaguardando, naturalmente, as devidas cautelas. Assim como hoje, uma parte substancial das notícias nos jornais do passado, retratam o que de pior sucedia no decorrer da vida em sociedade do seu tempo. O caso que aqui hoje se traz, é um crime ocorrido em Janeiro de 1912, o qual em nada honra a nossa memória colectiva, apenas aconteceu, foi objecto de várias notícias na imprensa e o destaque que nos merece é, em grande parte, pela forma romanceada, como o mesmo foi relatado no Diário da Madeira[i]: “Accentuadamente criminoso é o caso que passamos a narrar, sob uma impressão de revolta pela sua natureza… No sítio do Ribeiro, à freguezia da Camacha, numa pitoresca estancia verdejante d’arvores e flores, há uma pequena palhosca, mal cuidada, onde reside uma mulher que há 16 anos, por este tempo vivia inconsolável pela falta de um filho, de nome José ***, que se auzentara para o Brazil, levado na onda dos patrícios aventureiros, sonhadores do ouro luzente que dizem haver por essas terras. A mulher, dia e noite, vertia lagrimas pelo filho, esperando o momento em que ele se correspondesse, noticiando a sua boa saúde que ela mais ambicionava do que o dinheiro que tilinta nas suas mãos emagrecidas d’um arruinado da saúde. O espinho da saudade curtia-o ella a sós, e de portas a dentro do lar a tristeza vem substituir a alegria d’essa desolada mãe. Decorria ligeiro o tempo até que foram aparecendo as cartas do filho, traçadas n’uma linguagem rude, mas onde uma ou outra palavra tinha o poder de atenuar o sofrimento da mãe que se não cançava de invocar o nome do filho que partira. Desasseis annos passaram e José *** julga poder realizar o seu plano de adquirir dinheiro sem trabalho nem canceiras… Seduzido pela economias da mãe o *** pensava em vender os bens do casal do seu falecido pae, aconselhando a família a que emigrasse para o Brazil… Ritta, decrepita e acabrunhada pela velhice, respondeu que tinha já os seus dias contados, preferindo acaba-los na sua terra onde possue recordações d’aquelles que lhe foram pedaços do coração. Mas as palavras do filho dominaram tanto a pobre velhinha que um certo dia consente que seu filho lhe reduza a dinheiro a pequena habitação e terreno e as colheitas guardadas do anno findo, para seguirem ella, elle e uma irmã para o Brazil. Até aqui a familia não podia ser tratada com melhor carinho pelo filho… Possuidor da importância de reis 700.000 José sahe de casa com destino ao Funchal dizendo à mãe que vinha tratar das passagens, e em sua companhia traz a irmã Roza tendo-se hospedado n’um hotel à rua da Alfandega até que dali seguiu ao seu destino. Ritta*** estranhando a demora dos filhos resolve procura-los no Funchal, onde ao ser-lhe comunicada a notícia da sua sahida cae desfalecida.” Notificadas as autoridades, o Comissário da Polícia contactou as autoridades de S. Vicente, em Cabo Verde, contudo o telegrama chegou uma hora após a saída do barco Amazon que levava os dois irmãos com destino ao Brasil. Em meados de Abril do mesmo ano, o mesmo jornal informa do regresso de Rosa à Madeira, sem contudo juntar mais qualquer informação quanto ao seu destino. Quanto à mãe[ii], “ reduzida ao maior dos infortúnios, sem lar, sem uma pequena moeda para matar a fome, a desconsolada mulher teve de pedir agasalho em casa d’uma filha cazada que reside na Camacha”. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) *Título da notícia no Diário de Notícias [i] Por consideração a eventuais descendentes foram omitidos da notícia os sobrenomes [ii] O Diário de Notícias refere mais um irmão, que ficou com a mãe e que se pode presumir ter sido propositadamente ignorado pelo Diário da Madeira, eventualmente para ampliar o drama do romance. ABM Colecção de Jornais
0 Comments
Leave a Reply. |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
Categories |