História, histórias e curiosidades
Em ti, Camacha bella e florida, Despontou-me surrindo a luz da vida. Fui visitar as campinas Da minha terra natal: Vi a innocente pastora, Ouvi cantar o zagal, Vi a rosa, o malmequer, Vi o cravo sem rival. O cheiroso mangericão, O goivo, o alvo jasmim, A murta bela e florida, A papoula carmezim, O agreste rosmaninho, O verdejante alecrim. Mais além, estava uma cruz, Tão singella e sem primor, Marcando a triste morada Dos filhos do Creador: Onde é igual, o pobre, o rico, O servo, o nobre senhor. Um tumulo alli tão só! Minhas vistas lhe lancei: Era o jazigo dos meus que da infancia tanto amei: Por memoria uma saudade Junto do tumulo plantei. Noutro tempo visitava, Anjos de pura bondade: Os anjos não são da terra, São flores de eternidade: Hoje só visita um tumulo A minha triste saudade. Vi depois o ancião Com meiga face rugosa: Seus cabellos cor de neve, Sua mão rija e callosa, Sem orgulho, sem vaidade, Gosar mais que aqui se gosa. já não era do meu tempo A casa de Deus consagrada; Era tao despida d’arte, Tao pobremente adornada, Sem campanario, sem côro, Sem ornamento, sem nada. Vós sabeis altos Ministros Que ha muito templo indecente! Que ali tem conforto o rico, O pobre e o indigente: Que o luxo só no profano Não agrada a um Deus clemente. Oh! quanto era feliz A passada geração! Amava a Deus e aos homens, Era o pobre seu irmão, Tinha fé, tinha riqueza, Tinha amor, tinha affeição. Mas com tudo, vou cantar, ( Se o engenho der p’ra tanto) Da minha terra natal A festa do Espirito Sancto: Já que à gralha é concedido soltar livre o rouco canto. Com vestidos, sem vaidade, Duas salôas cantavam, Ao som de alguns instrumentos Que tambem doce tocavam: Os tiros rompiam os ares, Os bronicos sinos dobravam. Eram risos e folguedos Como os da primeira idade: Doze pobres recebiam O fructo da charidade, Que lhes dava o imperador Com a sua autoridade. Mas, além dessas ruinas Que o templo abatendo vão, Sabe o povo respeitar A nossa religião: Prepara solenne festa Com contrita devoção Na igreja uma bella orchestra Acompanhava o louvor, Que seis ou sete cantores Erguiam a nosso Senhor: Tres padres cantavam a missa, Orava bem um bom pregador. Esteve a banda dos artistas No adro sempre tocando; O povo em romarias Alli se vinha apenhando: Esmola ao Espirito Sancto Se ouvia de quando em quando. Não encontrei a grandesa Que reina em qualquer cidade: Não vi a seda, o setim, Dar brilho a uma só deidade: Achei mais amor e vida, Mais ventura e mais bondade. Deixei os formosos campos da minha aldea querida, D’ella trago uma saudade Nos seios d’alma escondida: E da campa solitaria, que lá achei num campo erguida. José Marciano da Silveira Voz do Povo 31-05-1860 [1] Uma breve biografia do autor será tema de um futuro artigo. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) Vista perto da Camacha, sobre o Vale Paraíso - cartão postal- autor desconhecido - Final do século XIX
[1] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, A Voz do Povo
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Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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