História, histórias e curiosidades
Em Maio de 1837, o jornal Flor do Oceano publicou um anúncio destinado aos proprietários da Camacha, Caniço, S. Gonçalo e Nossa Senhora do Calhau (hoje Santa Maria Maior), no qual se apresentava solução para a falta de água para agricultura, de que todas estas freguesias se queixavam. A proposta assentava na criação de uma sociedade que se encarregasse de prolongar uma levada existente, com origem na ribeira do Juncal (Santana) e que vinha regar Santa Cruz, trazendo-a através do Santo da Serra e Camacha até o Pico do Infante. Segundo o anúncio o projecto já tinha sido apresentado ao Director das Obras Públicas, Vicente Paulo Teixeira, o qual tinha elaborado um mapa e efectuado um orçamento, prevendo um custo de nove contos de rei. Pelo mesmo anúncio foi convocada uma assembleia para o dia 22 de Junho, sendo essa a data-limite para serem aceites subscritores da referida sociedade. Em Março de 1840 o Diario de Governo publicou os estatutos da Sociedade da Nova Levada do Furado, devidamente aprovados pela rainha D. Maria II, nos quais é inequívoca a presença da Camacha enquanto subscritora e naturalmente beneficiária deste projecto: “Artigo 1º A antiga Levada do Furado que rega actualmente nas Freguezias de Santa Cruz e Porto da Cruz engrossada com as agoas aproveitaveis da Ribeira do Balcão, e todas as mais que se acharem perdidas por todo o lanço da nova Levada, será continuada na direcção de Leste ao Oeste pelos altos de Santo Antonio da Serra para vir tambem regar nas Freguezias de Camacha, Caniço, S. Gonçalo e Santa Maria Maior…[i]” Contudo a boa vontade não foi suficiente para levar o projecto até ao fim e passados quarenta e sete anos, em 1887, a Direcção de Obras Públicas tomou a seu cargo a finalização da ambicionada levada. Apesar de se manter o trajecto inicialmente previsto, a Camacha deixou de integrar o lote de beneficiários da água de irrigação, sendo que o Lanço da Camacha, como passou a ser designada a levada entre o Lombo das Raízes (Santo da Serra) e o Caminho do Meio (Funchal) destinou-se a abastecer unicamente o Caniço, S. Gonçalo e Santa Maria Maior. Desconhece-se o porquê desta decisão, mas depreende-se o descontentamento da população camacheira no testemunho do professor do ensino primário na Camacha, Manuel Jesus D’Antas de Almeida, plasmado numa carta publicada no Diário de Notícias em Novembro de 1891 : “No verão, na freguezia da Camacha, os lavradores não podem cultivar hortaliças e outos produtos agrícolas pela falta de agua, e muitos teem-se visto na dura necessidade de semearem pinheiros próximo de suas casas, isto é no meio do povoado, afim de não terem sem nada as suas terras , o que se não daria se a levada do Furado abastecesse esta freguesia.” Luiz d’Ornelas Pinto Coelho, colaborador do Diário de Notícias e veraneante fiel à Camacha, na ultima década do século dezanove, mais que uma vez se referiu a esta situação nas suas habituais crónicas do Verão camacheiro: “ A agricultura lucta n’esta localidade com imensas dificuldades, em consequência da grande falta de aguas de irrigação— e todavia uma das maiores e mais abundantes levadas d’esta ilha, a do Furado, atravessa a Camacha na sua zona mais elevada sem que os seus habitantes tenham a faculdade de se aproveitarem d’aquellas aguas para a irrigação das suas terra! É uma privação iniqua e injusta que os poderes publicos devem remediar, quando e como lhes fôr possível” (vide também neste blogue Levadas Ancestrais). Se e quando esse usufruto terá sido efectivo é um estudo que ainda está em falta efectuar. A obra foi dada por finalizada em 1905 e até 1952 foi a maior levada da Madeira, destronada pela finalização da Levada do Norte nesse ano. Em 1971 foi redireccionada na sequência da conclusão da Levada dos Tornos, tendo este Lanço da Camacha sido aos poucos desactivado. Os anos de abandono e alguns maus-tratos de que tem sido vítima, têm lhe retirado dimensão e quem por hoje lá passa, cada vez menos, tem a percepção da importância que teve outrora. Restam alguns testemunhos, como é o caso de um trágico acontecimento em 19 de Maio de 1946 que nos elucida quanto ao volume de água que então transportava:” No ultimo Domingo cerca das 9,30 horas, quando regressava a casa vinda da missa, celebrada na igreja paroquial da Camacha, foi acometida de um ataque epilético Maria Matilde Teixeira, solteira de 23 anos, do sítio do Ribeiro Serrão, e caindo na Levada da Serra, onde encontrou a morte. A infeliz, a ajuizar pelo facto de ter sido encontrado no chão um embrulho que trazia, devia ter caído na levada próximo da sua residência, sendo arrastada pelas aguas, numa extensão de cêrca de 2 quilómetros. O seu cadáver foi encontrado no sítio do Rochão, por um individuo chamado José Quental, que se apressou a comunicar o facto ao regedor da freguesia. A Maria Teixeira, filha de José Teixeira, o «Pedras», já por diversas vezes havia sido acometida daqueles ataques”[ii] Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com)
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Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
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