História, histórias e curiosidades
As Levadas da minha vida (parte 2 )
Havia também a levada da serragem, que juntava a sua água à que descia o caminho dos moinhos. A levada da serragem vinha em plano e era o caminho mais rápido até à Achada. A volta pela estrada de cima ou pelo caminho velho do hotel ofereciam mais segurança, mas…queríamos nós lá saber disso. Com seis, sete, oito, nove, dez anos, para aviar uma receita na farmácia, ir numa “urgência” à retrosaria da loja do senhor Arnaldo ou às aulas de Francês da menina Aurora, era sempre o caminho mais usado. Na realidade era um caminho perfeitamente seguro, bordejado por plantas, e só bem perto da serragem, por cima da ribeira, a levada sem proteção exigia mais precaução. A única coisa verdadeiramente assustadora nesta levada eram os cães da serragem. Nunca os vi, mas no meu imaginário deviam ser enormes, verdadeiros mastins, ou até mesmo um Cérebro, com cada uma das suas três cabeças a rosnar e a ladrar, prontas para morder. Passava devagarinho, em silêncio, pé ante pé, para não os acordar… não fossem estar soltos. Muitas expedições de subida da ribeira foram feitas, passando pelo poço do “algadate” (água d’alte), em exploração de todos os recantos, sem nunca chegar à levada. Nessas tardes quentes e ensolaradas do mês de setembro, entre aventuras e piqueniques, fortalecia-se a independência e responsabilidade de crianças e pré-adolescentes, longe da vigilância de adultos…só mesmo possível antes dos anos 70… Esta era também a levada para onde íamos apanhar amoras e castanhas, de onde voltávamos todos sujos e picados, e onde nos refugiávamos quando iam matar o porco em casa do avô João Cláudio. Mais longe…mais longe… até quase não se ouvir os gritos angustiados do animal, que sabia. Agora já não existe esta levada, nem a vereda…os terrenos por onde passava tem casas novas, a via expresso…ainda se consegue ver um bocadinho que sobrou, o tal bocadinho por cima da ribeira, que ninguém quer, mas sem água… A levada da serra do Faial, embora bem velhinha só entrou na minha vida mais tarde. A escola do Rochão onde a mãe dava aulas… e eu na primeira classe. Foi o único ano em que andei na escola com ela, depois em cada ano uma professora nova. Não me lembro como é que lá chegávamos. Certamente a pé desde a estrada cá em baixo, a caminho do Santo da Serra, onde o pai nos deixava de manhã antes de seguir para o Funchal. A sério que não me lembro se era fácil ou se era duro, mas custou-me a subir uma vez que lá fui mais tarde…e estava em boa forma. Lembro-me da sala, dos lanches comidos no interior, devido à chuva, do cheiro a pão com marmelada e banana misturado com o cheiro das aparas de lápis. Lembro-me do nevoeiro, do frio, das minhas mãos, depois de as tirar das luvas, que teimavam em não querer escrever, engadanhadas, como se dizia, e o barulho da levada que passava no terreiro à frente da escola…. Mais tarde, os passeios da catequese e atividades da paróquia até a Choupana ou até ao Santo da Serra. A levada tinha sempre água, fresquinha, caminhávamos cantando pela sombra das árvores”… bela polenta cosi. Cia cia pum, cia cia pum…”, sempre na levada… Hoje já se chega à escola de carro, por cima, em estradas que fizeram desaparecer a levada. A levada que sobrou nem sempre tem água, foi desviada para outros locais de consumo… Recuperou-se recentemente parte dela, com um fundo de cimento. Agora os passeios higiénicos, durante o verão, já podem ser acompanhados pelo murmurar tímido da água que lá corre… Aida Nóbrega Pupo @ CAMACHA - camacha (weebly.com)
2 Comments
Graciano do Picheleiro
9/24/2022 10:39:13 am
Esta maravilha ,esta história nos atrai e nos desperta pq faz parte das nossas raízes e nos recorda momentos bonitos distantes, é que nos dá imensa vontade de voltar a viver!👏💪
Reply
Aida Pupo Correia
10/6/2022 05:12:10 pm
Obrigada pelo seu comentário. Acho que muitas destas memórias que são as minhas, são também as de muitos que tiveram a oportunidade de viver uma infância na Camacha onde as crianças podiam andar à vontade, com segurança...
Reply
Leave a Reply. |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
Categories |