História, histórias e curiosidades
Apesar da sua natureza rural, nas descrições que se vão encontrando ao longos dos trezentos e quarenta e cinco anos de existência da Camacha, a agricultura não é referenciada como actividade mais impactante no ganha-pão das gentes camacheiras. Em 1762 o padre José Telo de Menezes, num pedido que fez ao rei, descreveu os seus fregueses como pastores pobres em serra desabrida[i]. No início do século dezanove, o Bispo de Meliapor[ii] indica a venda de lenha, como principal actividade da população camachense. No final de novecentos, um relatório das relações comerciais dos Estados Unidos com outros países, nos anos de 1882 e 1883, referia a Camacha como a grande fornecedora de obras de vimes da Madeira “The manufacture of many articles in wicker work has increased enorinonsly within the last ten years Sofas tables chairs and baskets of all shapes are made and shipped by thousands every year The largest quantities are made at Camacha and afford a lucrative occupation to many men boys and girls “ (O fabrico de muitos artigos em vime tem aumentado substancialmente nos últimos dez anos. Sofás, mesas, cadeiras e cestos de todas as formas são feitos e enviados aos milhares todos os anos As maiores quantidades são feitas na Camacha e proporcionam uma ocupação lucrativa a muitos homens, rapazes e raparigas.)[iii] Não obstante esta relevância de outras actividades, a agricultura também teve, naturalmente, a sua importância, quer na mera subsistência quer no desenvolvimento económico da localidade. Os mapas referentes à produção agrícola regional nos anos de 1834, 35, 36 e 37, para efeitos de pagamento de dízimos, publicados no Jornal a Flôr de Oceano[iv],constituem uma informação interessante, para o conhecimento da dimensão desta actividade na Camacha de então: 1834- 6 barris, 1 dezima,6 quartilhos de Vinho; 651 alqueires, 4 maquias de Trigo; 1556 alqueires, 4 maquias de Cevada; 745 alqueires de Centeio. 1835- 3 barris de Vinho; 763 alqueires, 2 maquias de Trigo; 1497 alqueires, 8 maquias de Cevada; 1131 alqueires, 4 maquias de Centeio. 1836- 17 barris, 4 dezima, 4 quartilhos de Vinho; 495 alqueires de Trigo; 1215 alqueires de Cevada; 737 alqueires, 8 maquias de Centeio. - 1837- 202 alqueires, 8 maquias de Trigo; 457 alqueires, 8 maquias de Cevada; 306 alqueires, 4 maquias de Centeio. Estes números quando comparados com o todo da ilha da Madeira, permitem visualizar um quadro maior, no qual a Camacha no que diz respeito à produção de vinho e trigo, estava entre as localidades de menor produção, enquanto a cevada e o centeio colocavam-na entre os dez maiores produtores regionais. Nesta altura os produtores tinham ainda mais um encargo, o denominado Subsídio Literário, um imposto sobre o vinho, aguardente e carnes verdes destinado a custear o ensino (do qual a Camacha nada beneficiava). Por meados do século José Marciano da Silveira refere na sua Voz do Povo em 1861 que antigamente se cultivava semilha mas que por aquela altura para além dos cereais atrás referidos cultivava-se o milho, batata-doce, inhame, frutas e verduras que sustentavam o Funchal. No terminar do século Luiz d'O. P. Coelho, um colaborador do Diário de Notícias que escreveu diversas crónicas sobre a Camacha enquanto gozava férias nesta localidade, descrevia em Julho de 1892 : “Acresce que desde que aqui cheguei (23 do corrente) ainda não cessou de cair um orvalho, mais ou menos intenso, que não tem permitido os trabalhos da seiva e da eira, com desgosto e prejuízo dos agricultores cerealíferos, que estão ansiosos pela elevação da temperatura e bom tempo favorável à debulha do trigo e colheita do feno, importante produção desta localidade. Tive hoje ensejo de presencear um trabalho para mim curioso por completamente desconhecido– a impressão de feno preparado para embarque. Facultou-me este ensejo um dos proprietários d’esta localidade, muito estimado pelas suas qualidades pessoaes e trato affavel, o senhor Manoel Filippe, antigo regedor desta parochia, e dono do engenho de imprensar feno. É de madeira e modelado pelo referido proprietário, o singello apparelho que se emprega n’ esta industria que occupa numerosos individuos de ambos os sexos.” Por inícios de 1900, a par com a obra de vimes em crescimento, encontram-se referências ao cultivo, para comercialização, de trigo e centeio aos quais se juntam as maçãs para exportação. No decorrer do século vinte os núcleos de maior implantação agrícola mantiveram-se mais ou menos estáveis até a sétima década, tendo entrado então num sentido decrescente que se acentuou de forma significativa no último quarteirão. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Conselho da Fazenda, liv. 321
[ii] ALMEIDA, Eduardo de Castro e, Archivo de Marinha e Ultramar, inventário: Madeira e Porto Santo, Coimbra 1909. Vol.II, doc.12465, p.333 [iii] Commercial Relations of the United States with Foreign Countries - United States. Bureau of Foreign and Domestic Commerce - Google Livros [iv] Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Flôr do Oceano, Diário de Notícias
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Abril 2024
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