História, histórias e curiosidades
Decorria já quase um ano de guerra quando, em Julho de 1940, a Inglaterra decidiu enviar para a Madeira cidadãos de Gibraltar, a fim de melhor defender essa possessão, retirando os civis e acomodando militares[i]. Após negociações entre os governos, português e inglês, foram estabelecidas as condições, sendo que total de refugiados previstos era de dois mil e, em princípio, vinham na condição de serem capazes de prover a sua viagem, o seu sustento e acomodação na ilha. No dia 21 de Julho chegou o primeiro grupo de gibraltinos à Madeira, maioritariamente mulheres e crianças, num total de quatrocentos e cinquenta e duas pessoas, recebidas na Pontinha pelas principais entidades oficiais da época. A sofrer as consequências transversais da guerra, a comunidade madeirense acolheu de braços abertos essa oportunidade de revitalizar a sua economia. Os mais abastados arrendaram quintas e vivendas e os restantes foram instalados em hotéis e pensões: Hotel Reid, Savoy, Monte Palace, Belmonte, Bela Vista, Golden Gate, New Avenue, Mira-Mar, Vitória, Atlantic, Camacha, Universal, Quinta Esperança, New Inglish e nas pensões Vista Alegre, Helvética, Phoenix, Santos, Voga e Lido. Para além da tradição oral, transmitida pela voz dos mais idosos que referiram a presença dos gibraltinos na Camacha, não foi fácil localizar documentos que completassem esta informação. Os diferentes estudos consultados que se debruçam sobre este tema, não indicam a Camacha e na imprensa da altura, esta apenas surge no Diário da Madeira, integrada na lista de hotéis atrás apresentada. Segundo Joe Gingell,[ii] um dos refugiados que escreveu um livro sobre este processo, “The class and type of accommodation provided was in line with the financial status of individual families. The main hotels were the Savoy, the New England, the Victoria, the Camacha, the Quinta Esperanza, the Belmonte and a few others.” (A classe e o tipo de acomodação oferecida estavam de acordo com a situação financeira de cada família. Os principais hotéis foram o Savoy, o New England, o Victoria, o Camacha, o Quinta Esperanza, o Belmonte e alguns outros.). Através deste testemunho podemos deduzir que o Hotel da Camacha recebeu famílias do designado grupo A que eram aquelas que tinham maior capacidade financeira, o que também nos dá conta do estatuto e qualidade no “nosso” hotel[iii]. Quanto às pessoas propriamente ditas, quem eram, quantos eram, quanto tempo cá ficaram pouco ou nada se conseguiu saber. Em Setembro 1940, o Delegado da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado enviou à Câmara de Santa Cruz trinta e nove cartões de identidade e embarque, respeitantes aos súbditos ingleses refugiados, a residir no concelho, contudo não se conseguiu apurar se estariam todos a residir no Hotel da Camacha. A posar para a foto contam-se vinte e seis pessoas e essa é a informação mais sólida com que podemos contar. Em 28 de Maio de 1944 os Lucky Ones, como ficaram conhecidos os gibraltinos a residir na Madeira, regressaram a casa deixando uma forte marca que se traduziu mais do que o benefício económico trazido em tempo de guerra. A convivência durante quatro anos criou novos hábitos de sociabilidade aos madeirenses, infundindo sobretudo a valorização do papel da mulher na sociedade. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Estes cidadãos de Gibraltar foram inicialmente enviados para Marrocos. Quando os alemães derrotaram França e impuseram um governo pró-alemão, Marrocos era então território francês e os gibraltinos tiveram que ser retirados.
[ii] GINGELL Joe- We Thank God and England [iii] O grupo B integrava pessoas capazes de provir as suas necessidades, mas com menos posses que o grupo A e o grupo C necessitava de apoio governamental para acomodação e subsistência, tendo sido instalado no Lazareto. Foto - Gibraltar National Archive Home (nationalarchives.gi) Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Actas da Câmara Municipal de Santa Cruz Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais
0 Comments
Leave a Reply. |
Autores Somos vários a explorar estes temas e por aqui iremos partilhar o fruto das nossas pesquisas. O que já falámos antes:
Abril 2024
Categories |