História, histórias e curiosidades
A Camacha do início do século vinte era uma terra de prosperidade. Com cerca de quatro mil e setecentos habitantes, assentava grande parte da sua riqueza nas criações dos seus oficiais de obra de vimes: cadeiras, mesas, sofás e cestas que tinham reconhecimento e fama internacional. Em 28 de Junho de 1914, o assassinato do arquiduque Francisco Fernando da Áustria iria desencadear toda uma série de acontecimentos que veio findar com esse estado de abastança. Na Madeira, em Abril de 1915, os efeitos colaterais da guerra traduziam-se num porto do Funchal quase parado. Um porto que antes do conflito, tinha seis, sete navios a entrar diariamente, era por esses dias visitado muito esporadicamente, por um ou outro navio e essencialmente pelos que faziam as ligações com as colónias africanas. Sem navios, sem visitantes não se escoavam os produtos e o trabalho de muitos camacheiros deixou de ter procura. Tinham-se passado cerca de nove meses do início da guerra e já muitas famílias camacheiras passavam fome e grandes dificuldades. Foi este o mote que levou os camacheiros à acção. No dia dezanove de Abril cerca de setecentos camacheiros desceram à cidade e dirigiram-se ao Palácio de S. Lourenço para apresentar um conjunto de reivindicações ao governador civil. Delegaram a sua representação no padre João Augusto Faria, no Dr. Alfredo Figueira, no regedor José de Quintal[i] e num proprietário cujo nome não foi possível apurar. As suas reivindicações eram três:
A comissão saiu satisfeita da reunião e aparentemente o assunto estava resolvido. Contudo começou a circular um boato entre os manifestantes que punha em causa o prometido, levando-os a invadir o Palácio de S. Lourenço. Com os ânimos exaltados e instigados por alguns discursos inflamados, nomeadamente de um João Germano Melim[ii], recusaram-se a sair. Nem mesmo com as garantias de resolução do que tinham solicitado, dadas pelo governador. Foi necessária a intervenção da Infantaria 27, que após várias tentativas, lá conseguiu fazer a população dispersar. No desfecho foram detidos vinte e quatro cidadãos, curiosamente maioritariamente do Funchal, que se tinham junto à confusão. Simples arruaceiros ou movidos por interesses políticos, é uma dúvida que ficará para a história. Curioso foi também o impacto da nossa revolta camacheira, a ter direito a uma notícia nacional inserida na Ilustração Portuguesa, revista semanal do jornal O Século, na qual foram publicadas as fotos que abaixo se podem ver. Fernanda Nóbrega @ CAMACHA - camacha (weebly.com) [i] Por uma referência numa Acta da Câmara Municipal de Santa Cruz sabe-se que José de Quintal era regedor da Camacha em Setembro de 1914, deduz-se que no ano seguinte ainda seria.
[ii] Tanto quanto foi possível apurar seria natural do Santo da Serra, desconhecendo-se qual a sua ligação à Camacha. [iii] hemerotecadigital.cm- lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/1915/N481 Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, Colecção de Jornais, Diário de Notícias
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Abril 2024
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